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Trotsky x Stalin: por que rivalidade centenária continua viva no Brasil?

Historiador analisa por que divergências iniciadas há um século ainda ecoam em debates políticos e nas redes brasileiras

A rivalidade política entre Leon Trotsky (1879–1940) e Josef Stalin (1878–1953), iniciada após a morte de Vladimir Lenin em 1924, ainda repercute no debate público, inclusive nas redes sociais brasileiras. No BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, o historiador Rodrigo Ianhez, especialista em União Soviética, analisa os legados e as divergências que atravessaram a esquerda do século 20 e que seguem sendo discutidas um século depois.

O interesse pelo tema voltou a ganhar força recentemente, após o Podcast 3 Irmãos promover um debate “Stalin vs Trotsky”, com o jornalista Breno Altman, fundador do Opera Mundi, e o pesquisador Gustavo Machado, doutor em Filosofia Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Publicado em 24 de agosto, o episódio tem quase quatro horas de duração, já ultrapassou 200 mil visualizações no YouTube e gerou outros vídeos e análises nas redes.

Na avaliação de Ianhez, o embate ressurge porque conecta interpretações históricas e posicionamentos políticos de hoje. “A crítica dos trotskistas a Stalin, ao Stalinismo, acaba convergindo, em alguns momentos, com as críticas que são feitas pelo campo liberal”, analisa.

Para o historiador, a famosa oposição entre a “revolução permanente”, de Trotsky, e o “socialismo em um só país”, de Stalin, é muitas vezes simplificada. “Esse debate entre as posições de Trotsky e de Stalin traz alguns equívocos no senso comum, eu diria, talvez até pela denominação das respectivas teorias. Se Trotsky defendia a revolução permanente, Stalin se opunha defendendo o socialismo em um só país. Porém, do ponto de vista de Stalin, não se trata do abandono da ideia de uma revolução mundial”, explica.

Ianhez lembra que, para Stalin e seus aliados, a prioridade na década de 1920 era consolidar a revolução após derrotas militares e o isolamento internacional. “Naquele momento era preciso desenvolver a União Soviética, defender os ganhos da revolução, para, em seguida, dependendo do desenvolvimento das forças revolucionárias ao redor do globo, se voltar para a possibilidade de expandir essa revolução”, afirma. Já Trotsky considerava inviável o socialismo em apenas um país, o que o levou a acusar Stalin de “traição” ao legado de Lenin.

A disputa também envolvia diferentes leituras sobre violência política. O historiador lembra que o “terror vermelho” não era escondido pelos bolcheviques, mas considerado um instrumento legítimo de defesa. “Os bolcheviques nunca se esquivaram da ideia que eles têm de que a violência é uma arma política, e no contexto de uma revolução uma arma inevitável, porque se ela não for empunhada pelos revolucionários ela vai ser empunhada contra os revolucionários”, ressalta. Ele cita o episódio de Kronstadt, quando Trotsky reprimiu uma revolta de marinheiros com o Exército Vermelho, como exemplo de que também os trotskistas fizeram uso da repressão.

O especialista destaca que o próprio Stalin acabou incorporando propostas defendidas por Trotsky, como a industrialização acelerada e a coletivização do campo. “Curiosamente, Stalin acaba adotando muitas das posições que pertenciam à esquerda, ou seja, ao grupo do Trotsky ali em meados da década de 20. Ele só vai adotar isso depois que Trotsky já tinha sido não apenas afastado do partido, mas no mesmo ano em que ele deixa a União Soviética e não acabaria voltando”, observa.

No presente, o historiador avalia que a figura de Stalin passa por uma reabilitação parcial na Rússia, impulsionada pelo governo de Vladimir Putin. “Trata-se do Stalin generalíssimo, comandante máximo do Exército Vermelho no contexto da invasão nazista e, posteriormente, na vitória sobre os nazistas”, diz. Para ele, a valorização de Stalin hoje “ressalta esse sentimento patriótico” e serve como concessão política ao Partido Comunista da Federação Russa, que ainda ocupa espaço no Parlamento e compõe parte da base de apoio do governo.

Para ouvir e assistir

BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.

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