A reforma trabalhista de 2017 tornou a Justiça do Trabalho mais cara para os trabalhadores, ao impor pagamento de custas e honorários e estimular acordos extrajudiciais. A avaliação é da juíza do trabalho Ana Paula Alvarenga, que participou do podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato, ao lado da economista Juliane Furno, comentarista do programa. Para as especialistas, as mudanças legais aprofundaram a precarização das relações de trabalho e esvaziaram o papel dos sindicatos como espaços de pertencimento coletivo.
“A reforma trabalhista alterou diversas regras processuais, tornando a Justiça do Trabalho mais onerosa para o trabalhador”, afirmou Alvarenga. “Ela impôs o pagamento de custas, de honorários de sucumbência, além do estabelecimento da possibilidade que acordos extrajudiciais.” A juíza destacou ainda que isso acontece em um cenário de avanço da ‘pejotização‘, com trabalhadores “informais e precarizados” atuando com CNPJ, mas sob condições típicas de emprego — situação que, para ela, deveria continuar sendo analisada por tribunais trabalhistas.
Por decisão do ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu recentemente todos os processos que tratam dessa pauta no país. A medida é vista como um caminho para o fim dos direitos trabalhistas e para o esvaziamento da Justiça do Trabalho. “Esse debate se insere na competência constitucional da Justiça do Trabalho, que é uma justiça especializada nas relações de trabalho”, critica Alvarenga.
Segundo a juíza, a reforma trabalhista também sabotou os sindicatos, que historicamente funcionavam como locais de encontro, luta e reconhecimento de classe. “Era um espaço onde os trabalhadores estava com os seus iguais, seus colegas, sua classe. Mas nas últimas décadas do capitalismo, a classe trabalhadora se desintegrou. […] Os sindicatos perderam este espaço como local de pertencimento”, observou. A magistrada destacou que, mesmo dentro de uma mesma empresa, como uma metalúrgica, há hoje trabalhadores terceirizados, técnicos especializados e prestadores de serviço por CNPJ, o que enfraquece a identidade coletiva da categoria.
A juíza vê, por outro lado, o fortalecimento de outras formas de organização social, especialmente com o avanço de igrejas evangélicas em comunidades periféricas. “Muitos trabalhadores vão buscar pertencer a algo, a um grupo. Quando eles não encontram esse espaço nos sindicatos, acabam buscando outros espaços”, explicou. Para ela, é urgente que os sindicatos se reinventem e acolham as novas formas de trabalho para voltarem a ser referências na defesa de direitos.
Economia é o que gera emprego, não a flexibilização
Juliane Furno, por sua vez, destacou que a flexibilização da legislação não é motor de geração de empregos. “O que vai determinar se vai haver mais ou menos emprego é a atividade econômica. Se tem crescimento econômico, crescimento da renda, aumento do crédito, isso vai levar a mais consumo. Se há mais consumo, há justificativas racionais para que os empresários ampliem a sua produção, contratando mais pessoas”, explicou. A economista lembrou que, entre os anos 1990 e 2014, o Brasil teve diferentes taxas de desemprego com a mesma legislação em vigor.
Furno citou um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que analisou 110 reformas em diversos países e concluiu que não existe correlação entre desregulamentação e aumento de empregos. “Um empresário não vai contratar uma pessoa porque agora o custo do trabalho ficou mais baixo. Ele vai contratar alguém se ele tem expectativa de que aquilo que ele oferta vai ter demanda”, afirmou.
A economista também criticou o uso político de discursos alarmistas sempre que há avanço de direitos trabalhistas. Ela relembra que foi assim com o fim da escravidão, quando diziam que seria o colapso da economia, e com a formalização das trabalhadoras domésticas em 1972 e nos anos 2000. “Isso faz parte do discurso político, do conflito distributivo de classe na sociedade brasileira, onde os empresários vão se apegar naquilo que tem condições de manter o seu lucro. No caso, uma extrema eh exploração da força de trabalho”, disse.