Em 2023, o governador de Minas Gerais Romeu Zema (Novo) lançou, em Nova Iorque, a iniciativa Vale do Lítio, que propunha o fomento à exploração do mineral no Vale do Jequitinhonha, região nordeste do estado. O projeto, marcado pela atração e atuação de mineradoras na região, gera diversos embates ambientais e sociais com as comunidades atingidas por essa exploração.
No podcast Visões Populares, do Brasil de Fato MG, de quarta-feira (16), entrevistamos Jean Freire, médico e deputado estadual em terceiro mandato pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Ele também é vice-líder do Bloco Democracia e Luta, de oposição ao governo do estado, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
“Eu sempre cito o livro Veias Abertas da América Latina, que diz que a mineração trouxe para Minas Gerais e para o Brasil buracos, igrejas para Portugal, e riqueza e indústrias para a Inglaterra. Hoje, o lítio traz indústrias para fora, igrejas para lugar nenhum, e buracos para MG. Nós vamos ficar com os buracos?”, questionou Jean Freire, durante a conversa.
Filho de trabalhadores rurais, Freire nasceu em Pavão, cidade do Vale do Mucuri, mas foi criado no Vale do Jequitinhonha, onde iniciou sua militância política a partir das comunidades eclesiais de base (CEBs) e segue atuando até hoje como parlamentar.
Leia a entrevista completa:
Brasil de Fato MG – A região incluída no chamado ‘Vale do Lítio’ abarca municípios do norte e nordeste mineiro, com alguns dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). A proposta prometia uma melhora no cenário de vulnerabilidade na região, a partir da geração de empregos. Como este projeto se desenvolveu nos últimos dois anos? O projeto foi benéfico para a região?
Jean Freire – É uma região que eu vou toda semana e eu vejo aquela paisagem mudar, porque passo na BR 367. Saio daquela paisagem de caatinga, uma vegetação típica ali do Jequitinhonha, linda, que, para mim, passa muita força, muita resistência e resiliência do nosso povo. E vamos vendo essa mudança. Uma das primeiras mudanças visíveis, ao chegar na região, é um quadro de amontoados e buracos, os caminhões saindo e por aí vai.
É importante lembrar e deixar registrados alguns fatos: o lítio é explorado no Vale do Jequitinhonha há décadas; praticamente, toda a reserva desse mineral no Brasil está em Minas Gerais e praticamente toda a reserva de Minas está no Jequitinhonha. Logo, o lítio do Vale tem uma importância para o mundo; a exploração acontece há décadas pela Companhia Brasileira de Lítio (CBL), uma empresa totalmente brasileira, que não explora a céu aberto e sim por dutos. Com esse modelo, continuamos vendo a vegetação. Ela ainda faz assim até hoje.
Na época do governo Pimentel o estado adquiriu parte da CBL, por volta de 34%. Depois, logo no início da pandemia, surgiu uma ideia e até foi publicizada, que o governo de Minas Gerais estava desenvolvendo uma fábrica de baterias, a partir do lítio, na região de Juiz de Fora. Preocupado com isso e cansado de ver as nossas riquezas serem roubadas – foi assim com a madeira, na época da Ferrovia Bahia-Minas, foi assim com o diamante e é assim na monocultura do eucalipto – durante a pandemia, fui fazer uma visita na região, chegando lá vimos aqueles montoeiros de rejeitos e denunciamos.
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A partir disso, formamos um grupo e começamos a debater com universidades, estudiosos do Rio de Janeiro, da Unicamp, da Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), dos institutos federais (IFs) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Posteriormente, o governo lançou esse projeto nos Estados Unidos. Inclusive, eu estava presente, representando a Assembleia Legislativa, para fiscalizar.
É muito importante pensarmos que o mundo precisa da mineração. Eu gostaria de viver no mundo sem a mineração, mas ela é real e já existe há décadas no Jequitinhonha. O que nós temos que questionar é esse dito do desenvolvimento. Primeiro, para quem vai essa riqueza? E as custas de quê? Até que ponto vale a pena os ataques que se faz ao meio ambiente? O dinheiro está sendo distribuído? Está crescendo a riqueza na região? E os empregos desenvolvidos na região, criou muito emprego, é verdade, para caminhoneiros, para as pessoas que trabalham diretamente ali na mineração, mas e as qualificações desses empregos? Para quem são os empregos mais qualificados, de maior poder salarial?
Às vezes argumentam: “mas Dr. Jean, as pousadas de lá estão muito cheias, não acha mais vaga” e acham que é um sinal de desenvolvimento, só que, se você não tem vaga na cidade é um sinal que tem muitas pessoas indo de fora para lá e, muitas vezes, os servidores da empresa vêm de fora.
Eu não sou contra que as pessoas venham de fora trabalhar, mas se tem um legado que essas empresas têm que deixar para o Vale do Jequitinhonha é o saber. Eu acho que o legado do saber é o grande legado que nós temos que lutar para que eles deixem, qualificar os nossos jovens, criar projetos. Porque a mineração vai embora um dia e o que ela vai deixar? Ela vai deixar somente os buracos. Esse é o nosso receio.
Mesmo em situações que as empresas, por exemplo, promovem ajudas aos municípios, isso é o desenvolvimento? Compensa a ajuda a um hospital quando comparamos, por exemplo, a quantidade de doenças respiratórias, que tem crescido na região, a lotação dos hospitais que tem crescido, principalmente no coração da mineração, em Araçuaí? Nós temos que questionar, isso tem a ver com a mineração?
Ou ainda, cresceu a violência em relação às mulheres e às nossas crianças? São interrogações, porque a partir desses dados, nós vamos saber se foi um real desenvolvimento. Falo muito que não gosto dessa palavra desenvolvimento. Na etimologia, se você for dividir a palavra, significa sem envolvimento. Este é outro questionamento que fica na minha cabeça, houve envolvimento das pessoas, as pessoas foram questionadas sobre isso? Nós temos que lutar para que fique esse legado para a nossa região.
Os pedidos para pesquisar e explorar o mineral em Minas Gerais aumentaram quase 18 vezes, de 2021 para 2023. Que mineradoras hoje atuam no território? Como se dá essa atuação e como é a relação da população local com essas empresas?
As principais empresas são a CBL, que já estava há décadas lá e sempre teve algum diálogo mais próximo da população. Depois chegou a Sigma, a MG Lítio, a Atlas Lítio e outras mineradoras. E cada vez vai chegando mais, em Araçuaí, o centro dessa mineração, em Itinga e Salinas está começando também.
Sobre a relação das pessoas, primeiro é importante a gente pontuar que esse tipo de empreendimento chega nos locais, historicamente, com um discurso muito bonito, muito bem feito. Na monocultura do eucalipto também percebemos isso. As pessoas precisam do emprego, as pessoas precisam comer, então, muitas vezes, esse discurso cola.
Muitas vezes vemos falas, inclusive, contra quem luta pelo povo. As empresas parecem que têm essa expertise de tentar colocar as pessoas, as comunidades, e lideranças para pensar que quem está lutando para defendê-los, está contra o tal dito desenvolvimento. Eu sempre me preocupei muito quando falam, agora o desenvolvimento vem.
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Eu sempre cito um colega deputado, professor Cleiton, porque ele foi o primeiro que eu vi citar o livro Veias Abertas da América Latina. No livro está dito que a mineração trouxe para Minas e para o Brasil somente buracos, igrejas em Portugal, riquezas e indústrias na Inglaterra. Hoje, o lítio traz indústrias lá fora, igrejas para lugar nenhum e buracos. Nós vamos ficar com os buracos?
Acho que é necessário e tem leis que falam isso, existir essa interlocução, esse conectar com a sociedade, de uma maneira verdadeira. Não é chegando, emprestando um pinguinho com uma mão e pegando um montão e levando embora. Isso é inadmissível. Nós não podemos aceitar isso.
E é por isso que o nosso diálogo tem que ser muito consciente, a nossa fala tem que ser muito verdadeira. Ao mesmo tempo, que precisamos da mineração, não faz sentido, se o mundo precisa de x milhão dessa caneta, produzir 10 x. Essa sustentabilidade é outra coisa que eu não acredito, não existe mineração sustentável, toda mineração degrada.
A questão então é do que podemos abrir mão para degradar o menos possível e para a riqueza, a cadeia produtiva, ficar o máximo possível na nossa região. Já que a mineração vai existir, que retire somente o suficiente.
Uma das mineradoras a atuar na região é a Sigma Lithium. Porém, a empresa vem sendo duramente questionada por pesquisadores, movimentos sociais e comunidades afetadas na região do Vale do Jequitinhonha. As denúncias apontam irregularidades no licenciamento ambiental, ausência de consulta às comunidades locais, omissões nos estudos de impacto e a adoção de tecnologias ultrapassadas que causam danos ambientais e sociais profundos. Como você avalia a atuação da sigma na região?
Essa é a metodologia de todas as empresas. Eu realmente ainda não vi uma empresa de mineração que chegasse, na prática, não simplesmente na teoria, agindo de maneira diferente, querendo realmente dialogar com a comunidade, fazer a escuta verdadeira. Outra pontuação muito importante é o licenciamento. Fatiaram o licenciamento, para ficar mais fácil.
Vemos vários projetos de leis no Congresso Nacional, há pouco o quanto sofreu a nossa ministra Marina Silva, por causa de projetos voltados para essa questão de licenciamento. E em Minas não é diferente, os projetos de leis pautados aqui são para facilitar mesmo. Quando você tenta fazer algo com mais rigor, com mais transparência, você recebe as críticas.
Por isso eu acho importante que todas as entidades possam pensar no que nos une, e eu tenho certeza que são muitas coisas, e dialogar com o sindicato dos trabalhadores rurais, com o Instituto Federal que tá lá – o qual eu respeito muito e tem feito um trabalho importantíssimo nesse contexto – com a UFVJM, para juntos termos mais forças e tentar barrar essa ganância.
O grande problema é a ganância, porque o lítio tem prazo, não vai durar muitos e muitos anos. Em 2022, quando eu vi que a história do lítio vinha numa crescente, eu como parlamentar resolvi lançar mão de várias questões legítimas para fazer essa proteção do Vale do Jequitinhonha. Fazíamos muitas lives naquele momento, criamos, dialogando com várias cabeças, um projeto de lei, que o nome inclusive pode parecer estranho, criando o polo minerário industrial do lítio, no Vale do Lítio.
Veja bem, eu repito: a mineração já existe, ela já está lá, não podemos deixá-la acontecer de qualquer jeito. Mas eu notei um interesse muito grande do governo do estado. Inclusive, algo que eu ainda pontuei e quero pontuar: Zema chama de Vale do Lítio, mas eu venho do Vale do Jequitinhonha, que tem história, que tem raízes, que tem um artesanato lindíssimo, que tem cultura e vários tipos de riqueza. Um vale rico, que historicamente foi empobrecido, teve o povo empobrecido.
Aí eles tentam dizer que isso é oportunidade para o nosso povo. Isso que eles chamam de Vale do Lítio não é pura coincidência, são as mesmas cidades que estão no nosso projeto, eu até hoje não tenho a resposta de qual é o real interesse do governo e do estado nesse nosso projeto.
Todos se lembram que na pandemia falaram que precisavam deixar a porteira aberta para a boiada passar. Naquele momento foram feitos decretos abrindo o mercado do lítio para empresas de fora. Então, como parlamentar, eu teria que fazer tudo que pudesse para defender essa região, que me custa muito caro, é lá que eu vivo.
E aí nós fizemos esse projeto, que ainda não foi em votação e ele está aberto para todo mundo que quiser dar a sua opinião. O projeto é para resguardar, para proteção das nossas comunidades indígenas e quilombolas, não deixar que mineiras em APAS, para dizer que a qualificação e os empregos tem que ser para o Vale do Jequitinhonha, para criar uma linha de imposto própria, e linhas de créditos para essa região. Isso para mim é pensar no desenvolvimento.
Esse projeto não vai a votação agora, já tentaram várias vezes, membros do governo do estado pediram para que eu arquivasse, para algum deles desarquivar e fazerem o que quiser com o projeto. Eu estou totalmente aberto, porque, como eu te disse, eu venho do Vale do Jequitinhonha e conheço toda essa região, conheço o local que está minerando.
Outra denúncia que ronda a atuação destas mineradoras no Vale do Jequitinhonha é a de que as empresas criam projetos sociais e mitigatórios pontuais como forma de silenciar as críticas. Essa denúncia se sustenta? Se sim, como se dá esse processo?
Vou ter todo o cuidado de não fazer uma acusação direta, mas vou lhe dar dados que podemos somar e chegar a uma conclusão. Quando você quer fazer algo real, você chama a comunidade e conversa. Um exemplo, uma vez chegou um deputado na região e falou para a comunidade que ia levar uma fábrica de polpa de tomate. Um senhorzinho, pitando o seu cigarrinho, continuou olhando para ele e falou: “sei, mas vem cá, nós não produzimos tomate”. Ou seja, nós temos que dialogar com a comunidade. O que eles precisam realmente?
Eu não acho que houve esse contato direto, esse diálogo com a comunidade, até hoje na mineração. Há poucos dias atrás, passando pela região, uma assessora me mostrou, por exemplo, uma caixa d’água virada para a estrada que tinha o nome da empresa, que parece que foi dada pela empresa, uma maneira também de fazer a propaganda deles. Só que, existe um meio de fazer captação de água da chuva, uma tecnologia típica da nossa região, que é por placas de cimento, o que agrega valor ali. Eles preferem chegar e dar a caixa d’água às pessoas, em local que não tem água.
Existe outro método, que eles propagandeiam, falam que fizeram tantas barraginhas. Eu convido e fica aqui o pedido para que eles me convidem a visitar – se eu não me lembro, falaram em 2.000 barraginhas instaladas – essas barraginhas para ver se tem água lá. E aí podem argumentar que é falta de chuva depois de instaladas as barraginhas, mas esse não é o problema. Porque o Vale do Jequitinhonha é parte do nosso semiárido, lá chove muito, mas em poucas épocas do ano, é concentrado. E por que não tem água lá? Essas barraginhas não foram feitas da maneira que deveria.
Eu chamo isso de assistencialismo barato, não dialogado com a comunidade, típico de quem não quer realmente fazer essa interlocução. Típico de quem, como eu disse no início da entrevista, quer emprestar um tiquinho com a mão e pegar tudo com a outra. Outro exemplo, você sabe que essa mineração usa água.
É verdade que há um uso e reuso da água, mas ela puxa a água do Rio Jequitinhonha e eu já ouvi falas, que muito nos ferem, ao alegar que usam água de esgoto do rio Jequitinhonha, tratando o nosso rio como esgoto. É verdade que muitos e muitas não cuidam do nosso rio como deveria ser cuidado, mas é um rio que sustenta muitas vidas. É um rio que coloca água e comida na boca de muita gente.
Desde a sua nascente em Milho Verde, no Serro, até Belmonte, leva água para mineração, que dá declarações de que tiveram que tratar a água para fazer mineração. Por que não trata a água para dar para o nosso povo nas comunidades? Eu vejo caminhões passando e molhando a estrada por onde passa o lítio. E vejo isso também na monocultura de eucalipto. Mas por que não leva água real para o nosso povo? Tem água molhando estradas.
Eu vejo isso no dia a dia lá. Além de outros fatores, como as estradas deterioradas. Há pouco tempo, foi reformada a estrada pelo governo federal, mas eu entendo que quem tinha que arcar com a reforma são as empresas que mais usam. Mas eu eu não acho acho que nada disso é feito da maneira que deveria, esse tipo de política de assistencialismo simples e ineficiente eu não apoio. São métodos que eles abrem para conquistar o povo e as lideranças.
O lítio é um material chave na transição energética, a partir de sua demanda para fabricação de baterias de carros elétricos a procura por esse mineral tende a crescer até 15 vezes até 2040. Diante disso, queria que você explicasse: é possível fazer a extração de minerais necessários à transição energética de forma justa sem causar impacto negativo nas comunidades e no meio ambiente? De que forma?
Primeiro, essas frases, que tem a palavra desenvolvimento, geram um impacto nas pessoas. Quando se fala em transição energética, nessa chave, todo mundo logo pensa que isso é totalmente necessário, isso tem que existir. Quando se fala em uma exploração verde, todo mundo pensa, essa é legal, essa é uma exploração verde. Primeiro nós temos que questionar o seguinte: é real essa transição energética? E é o lítio é o principal instrumento, que nós vamos abrir mão, para a transição energética?
Eu sou cirurgião, entendo de medicina e estou como parlamentar. Mas nas lutas nós vamos aprendendo muito e dialogamos com vários cientistas. O meu medo é a que custo nós estamos produzindo e o quanto nós estamos poluindo a nossa terra comum nessa produção. Vai ter um monte de carro elétrico, mas para chegar nesse monte de carro elétrico, vamos gastar na retirada do lítio o que que se economizou de poluição do meio ambiente nos carros elétricos?
São os cientistas que dizem que na exploração já se polui muito mais. Há estudiosos que apresentam outras propostas para a transição, como a agave, por exemplo, estudado em Campinas, uma planta que poderia ser muito desenvolvida, inclusive no semi-árido, para gerar combustível. Ouvimos muito do carro elétrico, mas talvez a transição não esteja aí, no lítio.
Não estou afirmando isso, porque não sou especialista na área, mas talvez ela esteja na junção de duas ou mais coisas. Uma outra expertise nossa, por exemplo, é o etanol através da cana, como pode ser através de outros produtos. Já existem pesquisas em relação a isso. Então me preocupa muito essa corrida, porque aí está se negando e rompendo com qualquer possibilidade, imaginando que exista, de sustentabilidade em mineração.
O lítio vai acabar e aí? E depois? Então acho que essa sede, essa exploração muito rápida, ela é fruto da ganância, de querer ganhar cada vez mais, até porque, lógico que eles sabem, mais que nós aqui, que logo vai aparecer outra alternativa.
Ao discutir transição energética, nós temos que ter cuidado, temos que ouvir os universitários, os especialistas. Eu acredito muito na ciência, inclusive por minha posição de médico, que esteve na linha de frente da pandemia, tenho que acreditar. Então, nós temos que ouvir a ciência e hoje já tem muitos estudiosos que dizem que esse não é o caminho da transição energética.
Esse diálogo precisa ser feito com mais responsabilidade. E sobretudo, lembrar, que esse mineral, assim como o petróleo, é uma questão de soberania nacional, de soberania popular. Ainda mais quando ele está concentrado numa região que é uma das regiões que menos se desenvolve nesse país. Ela pode até parecer que está se desenvolvendo numericamente, mas se você for olhar lá na raiz, como está vivendo o nosso povo, ela ainda é uma das regiões que menos desenvolve nesse país.
E outra coisa, se era tão importante o vale do lítio, por que o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, vendeu o lítio do estado? As pessoas nos acusam de estar questionando o desenvolvimento. Tem que questionar, por que Zema vendeu o lítio do estado por um preço irrisório. Só cerca de dois, três meses depois da compra, a CBL começou a vender o rejeito, por um dinheiro que, com somente 34% dele daria para comprar a participação vendida pelo estado.Então o estado teve um prejuízo grande. Se o estado levou um prejuízo, alguém levou muito lucro.
Eu estava vendo em matéria recente, no Zimbabwe, até 2027, a cadeia produtiva do lítio será toda interna, não vão mandar mais minério bruto para fora. Um país menor que o nosso, na África, que precisa ser um modelo para nós, temos que ter essa proteção, porque isso é uma questão de soberania popular. É preciso envolver nessas questões as comunidades tradicionais e os governos locais.
O que as empresas retiram tem que ser proporcional ao que ela está dando, não só em relação a reparação ao meio ambiente, mas também oferecer educação, saúde – mais médicos, mais enfermeiros, mais técnicos, mais servidores trabalhando. Já que a história nos mostra o que a mineração já gerou de impacto para o mundo. O estado tem que estar mais presente nessa discussão e o país também.
Diante deste cenário, na sua avaliação, de que forma o governo do estado tem se colocado?
Um ano e pouco atrás, o governo federal mandou uma comissão interministerial, eles entraram em contato comigo, fizemos reunião, para fazer a escuta das pessoas, isso é muito importante. O governo Zema ainda não fez isso, não foi nas comunidades ouvir as pessoas.
Ele propagandeia o Vale do lítio, tentando descaracterizar o povo, tentando fazer com que o povo esqueça e não fale mais que é do vale do Jequitinhonha. Ele tem um discurso, é até um exemplo idiota, de que será como o Vale do Silício, sem saber que o Vale do Silício não produz Silício, produz tecnologia. E eu volto a falar nessa questão, do saber que tem que ser deixado para nossa região.
Mas o Governo Zema, tem surfado nessa questão do lítio do Vale, inclusive colocando como se fosse um desenvolvimento que ele está levando para lá. Não, ele está simplesmente, ao meu ver, incentivando empresas. E qualquer governo que se preze, tem que fazer o diálogo, no mínimo, ele tem que estar entre a empresa e as comunidades.
Ele tem uma responsabilidade maior, inclusive, do que a da Assembleia Legislativa. A função dele é maior, a responsabilidade de proteger, já que ele pode chegar diretamente nos territórios, para fazer essa proteção do nosso povo, para fazer essa escuta, para cobrar dessas empresas.
Por isso, eu fiquei com a pulga atrás da orelha quando mostraram muito interesse em pegar o meu projeto, insistindo. Eu sou um deputado progressista, de esquerda, minha fala não vai de encontro ao que esse governo do estado prega. Por isso freamos o andamento do projeto e estamos abertos a discutir com a comunidade. Então, o papel que eu tenho visto do governo do estado é querer favorecer as empresas.
Por exemplo, temos um projeto aqui na ALMG, e nós lutamos e conseguimos segurar, que diz que para fiscalizar qualquer empreendimento, tem que avisar com 30 dias de antecedência. A gente avisa que vai na casa dos outros tomar um café, comer um biscoito, comer um bolo, para a pessoa se preparar. Agora avisar os empreendimentos suspeitos de trabalho escravo, por exemplo, que você está indo fiscalizar. É esse tipo de projeto, dessa natureza, que tem tramitando na Assembleia Legislativa.
Eu entendo que o governador deveria estar fazendo a função, juntamente com a Assembleia Legislativa, deputados, deputadas, o Ministério Público, o poder judiciário, a Defensoria, os movimentos populares organizados, para que todos possam sentar, caminhar e ouvir o nosso povo. É verdade que está gerando riqueza, mas para quem é essa riqueza? Essa riqueza está ficando? Está sendo dividida? E o que vai ficar de legado para o Vale do Jequitinhonha? Acho que são perguntas que nós temos que fazer no dia a dia.