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‘Bolsonaro será preso como qualquer criminoso’, avalia jurista Kakay 

Advogado analisa julgamento de Jair Bolsonaro, atuação do judiciário e os ataques à soberania nacional

Às vésperas do início do julgamento de Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado, o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, avalia que o ex-presidente deve ser condenado. 

“Terminado o julgamento, em meados de setembro, Bolsonaro vai para a Papuda. É assim que funciona. Ele vai para a cadeia cumprir pena”, enfatiza. 

Kakay é reconhecido nacionalmente e já representou dois presidentes, José Sarney e Itamar Franco, um vice, 40 governadores, dezenas de parlamentares e mais de 20 ministros. Nascido em Patos de Minas,  ele também é integrante do grupo Prerrogativas, coletivo de juristas fundado há 10 anos. 

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato – Como você avalia, do ponto de vista jurídico, a condução das investigações por parte do STF?

Kakay – As críticas ao ministro Alexandre de Moraes, enquanto relator, são normais no Estado Democrático de Direito. O centrão e os bolsonaristas estão absolutamente indignados porque estão vendo o andar normal e democrático de um processo penal, no qual, quase certamente, nós teremos uma condenação altíssima.

Já existem mais de 700 pessoas condenadas e cumprindo pena exatamente pelos mesmos fatos. No dia do recebimento da denúncia, inclusive, nenhum dos sete advogados que defendem o núcleo crucial da tentativa de golpe assumiu a tribuna e negou o crime. No máximo, eles tentaram caracterizar não autoria. 

O crime é óbvio e está definido por mais de 700 condenados. Os próprios acusados, de certa forma, reconhecem o crime. Um fato inusitado na instrução desse processo foi a maioria das provas ter sido produzida pelos próprios réus, por exemplo, aquela famosa audiência presidida por Bolsonaro na qual o general Heleno reconhece, de uma maneira patética, que “tem que dar o golpe antes das eleições”. 

Por incrível que pareça, os bolsonaristas me interpelavam e falavam: “você acredita que existe esse ‘plano punhal verde e amarelo’ para matar o Lula, o Alexandre e o Alckmin? Isso não existe, era uma armação”. No entanto, um general importante do governo Bolsonaro reconheceu que foi ele quem fez o “plano punhal verde e amarelo”. 

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Assim, essas críticas são todas de cunho político. Eu entendo a agonia e o desespero dos advogados, especialmente dos processados, ao terem a certeza, pelo andar da carruagem, de que, no mais tardar em meados de setembro, nós teremos uma condenação com penas altíssimas de todos esses que atentaram contra o Estado Democrático de Direito. 

É um desespero natural. Começa a ter falta de ar, síndrome do pânico, medo do escuro, raiva das pessoas, tudo isso porque é inexorável. A extrema direita tem feito uma série de críticas completamente infundadas, mas faz parte. O processo penal democrático segue com muita tranquilidade, dando direito à ampla defesa, no devido processo legal, e está chegando ao fim.

Somadas, as penas máximas para os diversos crimes que Bolsonaro é acusado totalizam mais de 40 anos de prisão. Qual deve ser o tamanho da pena? 

A questão da pena é danada, já que o poder judiciário é um poder inerte e só age se for provocado. Quem estabelece os crimes pelos quais as pessoas serão responsabilizadas é o  Ministério Público Federal. Neste caso, todos foram denunciados por cinco crimes graves, com penas bastante altas. No Brasil, você tem um sistema de pena mínima e pena máxima, há uma suma que proíbe o juiz de dar uma pena mínima menor do que a que está estabelecida.

Então, por exemplo, até agora, tem pessoas que tiveram importância menor, mas que participaram, e tinham que ser condenadas com 14 anos ou 15 anos de pena. Alguns estavam perguntando: por que penas tão altas? Porque, se você der a pena mínima em quatro crimes, somadas, elas já chegam a 13, 14 ou 15 anos. Por isso, as penas são tão altas.

No caso do Bolsonaro, especialmente, ele é o líder da organização criminosa, mafiosa e armada. Por isso, as penas serão muito maiores, com a dosimetria muito mais rigorosa e  exacerbada. Eu tenho a impressão de que a pena do Bolsonaro deve beirar os 35 anos. São penas muito altas porque os crimes são muito graves.

Jair Bolsonaro é o líder da organização criminosa, mafiosa e armada

Se ele comprovar que tem o direito de requerer a prisão domiciliar, ele deve obter. Fernando Collor foi preso em Maceió, comprovou que tinha necessidade e o Supremo determinou que ele fosse para a prisão domiciliar. O Bolsonaro fatalmente vai tentar, já que ele tem 70 anos de idade e é um homem doente. 

Agora, terminado o julgamento, possivelmente em meados de setembro, ele vai para a Papuda. É assim que funciona. O general Braga Neto está em prisão militar porque ainda não há trânsito em julgado. Em meados de setembro, vai transitar em julgado e ele vai para a cadeia. Isso é normal. Vai cumprir pena como qualquer cidadão, porque em um Estado Democrático de Direito e em uma República as pessoas têm tratamentos iguais. 

Depois que Bolsonaro tiver pegado 30 ou 40 anos de cadeia, evidentemente, os advogados vão partir para uma tentativa de prisão domiciliar. Eu não conheço os fatos e não sei a que ponto ele terá direito. Se ele estiver doente e não suportar, como é que se faz? Ele vai para cadeia na Papuda, o advogado pede prisão domiciliar e será ouvido o sistema de médicos da Papuda, que quase certamente vai dizer que tem condições de tratá-lo lá. 

É caso a caso. Se ele tiver direito à prisão domiciliar, vai cumprir prisão domiciliar. A lei tem que ser igual para todos. Não tem nenhuma dúvida. Não é pelo fato de ele ser um fascista, de ter atentado contra o Estado Democrático de Direito, que ele vai deixar de cumprir a prisão domiciliar, se ele tiver direito.

Quais devem ser os impactos dos ataques dos Estados Unidos ao processo de julgamento? Como os poderes da República e o povo brasileiro deveriam responder a essas agressões?

Entendo que os ataques à soberania nacional e aos ministros do judiciário são graves, por conta dessas motivações políticas. O próprio filho do Bolsonaro está coordenando lá fora esses ataques. Isso deve resultar em um processo criminal contra Eduardo Bolsonaro e em outro processo contra o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro. 

Essas pessoas serão, provavelmente, condenadas em outros casos. Mas acho que o pedido de prisão do Eduardo Bolsonaro já está passando da hora de sair, porque ele está articulando contra o Brasil no exterior. 

Eduardo Bolsonaro fatalmente terminará os dias na cadeia

É claro que o Trump não terá vida longa. O próximo presidente com uma função democrática vai fazer cumprir a relação entre os poderes e Eduardo será preso. O que eu acho é que isso tudo só faz com que o processo tenha um ritmo mais rápido no Brasil. 

Ninguém aguenta mais esses crimes praticados contra o Estado do Brasil, especialmente por parte da família Bolsonaro, que está atentando contra o Estado Democrático de Direito em crime de lesa pátria e traição completamente covarde, abjeta e absurda. Os poderes têm que responder como estão respondendo, com otimismo e dizendo não a essa autocracia norte-americana.

Há semelhanças entre o processo contra Bolsonaro e o enfrentado por Lula no passado (PT)?

Quem faz qualquer comparação entre o processo de Bolsonaro e o processo do Lula na época do Sérgio Moro e da Lava Jato é porque é bolsonarista, de ultra-direita e não tem nenhum cuidado de ter contato com a realidade. Não há nenhuma relação. 

Na Lava Jato, tínhamos Sérgio Moro em conluio com os seus procuradores adestrados. Tanto é que, depois, todos eles foram penalizados. Ainda há um julgamento a ser feito do relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que indicou que eles cometeram crimes de peculato, organização criminosa e corrupção, porque usaram o poder judiciário para fazer política. Eu falei isso desde o início da Lava Jato, corri o Brasil inteiro fazendo esses enfrentamentos. 

Agora, nós estamos julgando um caso pelo Supremo, dentro do devido processo legal, dando direito à ampla defesa. Lá, nós tínhamos um grupelho, que era a ‘República de Curitiba’, que usurpou os poderes do judiciário para consolidar um projeto político.

Moro tinha um projeto político, tanto é que ele, ainda com a toga de juiz nos ombros, prendeu o Lula, principal adversário do Bolsonaro nas eleições e o único que seria capaz de ganhar dele. E ganhou, como troféu e contrapartida criminosa, o Ministério da Justiça.

O crime é óbvio e está definido por mais de 700 condenados

Quer dizer, naquele momento, a estratégia golpista e criminosa de instrumentalizar o poder judiciário e o Ministério Público para poder atingir o poder político deu certo. Moro foi o principal eleitor do Bolsonaro, virou ministro da Justiça e, depois, tiveram uma briga de quadrilha, por isso, eles se separaram. 

Mas a semelhança dos processos é absolutamente nenhuma. Lá, nós tínhamos um projeto de poder que felizmente foi descoberto e está sendo cada vez mais esclarecido. Aqui, nós temos um processo em que o poder judiciário teve a coragem, a independência e a ousadia de enfrentar um bando de fascista que tentou dar um golpe no Estado. Não existe absolutamente nenhuma comparação, a não ser para os fascistas bolsonaristas.

Por orquestrar ataques externos contra o Brasil, Eduardo Bolsonaro teve seus bens e contas bloqueadas. Que outras medidas podem ser tomadas?

Eduardo Bolsonaro pode, nesse momento, estar se livrando de uma condenação e de uma prisão, porque ele tem o apoio de um autocrata, o presidente norte-americano, que é uma pessoa completamente descontrolada e está expondo os Estados Unidos ao ridículo. Nós estamos vivendo o fim da hegemonia norte-americana e eles estão com um certo desespero.

O Bolsonaro mesmo não tem maior importância, mas o Brasil tem muita. O Brasil está fazendo uma resistência e tem sido muito digno, com o  presidente Lula e o governo brasileiro não aceitando as posições fascistas do governo Trump. Como hoje existe uma briga dos EUA com o BRICS e a China, eles estão usando isso como desculpa, embora Bolsonaro seja uma figura menor nesse processo.

A maior questão, na verdade, é a importância do Brasil nessa resistência, na luta pela soberania. A conversa com o primeiro-ministro indiano foi muito importante e, agora, parece que o próprio Canadá quer entrar para o Brics. Os Estados Unidos estão vendo cair a sua hegemonia e ninguém entrega uma hegemonia de graça. O Eduardo Bolsonaro está se aproveitando disso. 

Neste momento, se sair uma prisão dele quase certamente não será cumprida, assim como não foi cumprida a prisão de Alan dos Santos, que o Brasil pede extradição e não consegue. Mas é claro que essas medidas vão ser tomadas e ele vai ser condenado e processado aqui. Já existe um inquérito. 

O Eduardo, que vai ser condenado a uns 15 anos de cadeia, pode até, neste momento, ficar lá, mas o governo Trump vai acabar e, evidentemente, quando tiver uma relação que seja democrática e normal entre o Brasil e os Estados Unidos, ele vai cumprir pena. Ele fatalmente terminará os dias dele na cadeia.

Quais reflexões podemos tirar da trama golpista e dos desdobramentos dela no país?

Nós vivemos um momento extremamente grave, uma tentativa de golpe da ultra-direita declarada. Bolsonaro cavou isso desde o primeiro momento. Se você ler a denúncia contra Bolsonaro e seus asseclas, o Dr. Paulo Gonet fez um iter criminis muito bem feito. Ele conta toda a instrumentalização do poder judiciário e a cooptação do poder legislativo. Felizmente, o poder judiciário resistiu.

Um poder que, em regra, é o mais conservador, reacionário e patrimonialista foi o poder que nos deu a chance de estar hoje num regime democrático. A resistência democrática foi toda feita pelo judiciário. Então, essa trama golpista foi descoberta, está sendo enfrentada e essas pessoas serão condenadas. Já tem 700 pessoas condenadas e logo, logo, os líderes fascistas estarão presos. 

Isso tudo pode ser ruim em alguns aspectos, porque expõe muito o país, mas é muito bom ver o poder judiciário reagir de forma decente e íntegra. De tudo isso, ao fim e ao cabo, sai um país mais forte e uma negativa peremptória de que os fascistas não terão vez aqui.

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