Cinema

Equipe do filme Aquarius diz que classificação de "sexo complexo" é censura explícita

Para Ministério da Justiça, longa brasileiro que denunciou o golpe em Cannes não é recomendado para menores de 18 anos

Rede Brasil Atual |
Alegação do governo foi que o longa possui cenas de “sexo complexo”
Alegação do governo foi que o longa possui cenas de “sexo complexo” - Reprodução

O Ministério da Justiça indeferiu hoje (23) recurso da distribuidora Vitrine Filmes sobre a classificação de "não recomendado para menores de 18 anos" do filme Aquarius (2016), do diretor Kleber Mendonça Filho. A alegação do governo foi que o longa possui cenas de “sexo complexo”. “Poderíamos ficar horas conversando sobre o que é um 'sexo complexo'. Essa foi a argumentação e nossa resposta foi que do ponto de vista da direção e da produção, isso não existe”, disse Sílvia Cruz, sócia da distribuidora.

Mesmo com o questionamento da equipe do filme, o ministério decidiu manter a classificação definida ontem. “Eles alegam isso, e essa é uma discussão muito complexa. Nós, distribuidores, explicamos que, além de curtas, as cenas não denotam nada complexo ou explícito. Mas para eles, sim, é complexo e é explícito”, completou Sílvia.

O filme foi exibido pela primeira vez no Festival de Cannes 2016, de onde saiu ovacionado e com uma coleção de boas críticas. “Com uma trilha sonora irretocável (…) utilizando de enquadramentos invulgares, evidencia com rigor e beleza um notável exercício de resistência”, afirmou o jornalista André Rodrigues, em crítica para a revista Rolling Stone.

Além dos aplausos efusivos em Cannes, o filme despertou a atenção do mundo quando, no tapete vermelho, a equipe presente exibiu cartazes denunciando o golpe de Estado em curso no Brasil. “Misóginos, racistas e golpistas como ministros”, “O mundo não pode aceitar este governo ilegítimo”, diziam alguns dos cartazes sobre o presidente interino, Michel Temer (PMDB) e seu corpo ministerial composto exclusivamente por "homens brancos e ricos".

Para o deputado federal Padre João (PT-MG), a censura pode ter relação com a manifestação política em Cannes. "A motivação da medida é clara: retaliação política. Ela confirma a tendência histórica de governos sem legitimidade eleitoral de atacarem a liberdade de expressão e de praticarem censura", disse em nota. O parlamentar, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, também teme que “as posturas do governo interino possam atrapalhar a indicação do filme pernambucano à representação do Brasil no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2017”.

Em seu facebook, o diretor Mendonça Filho ironizou a medida do ministério: “Aquarius censura 18 anos. Alguém no governo fortalecendo o marketing desse filme. Incrível”. Entretanto, Sílvia ameniza: “Queremos acreditar que não existe uma explicação política. As pessoas que fazem esta análise no Ministério da Justiça assinam relatórios e abrem a possibilidade de diálogo. Acho que foi uma questão do ponto de vista, mas perdemos”, disse.

Apesar do marketing reverso da medida, Sílvia lamenta a decisão: “Não param de falar neste filme. A cada hora é uma coisa, ele está sendo muito divulgado. Mas não é que estamos gostando. Tem uma parcela das pessoas que não vai poder assistir ao filme nas salas de cinema. Existem os dois lados”.

Nas páginas oficiais do filme nas redes sociais, a equipe endossa a fala de que a censura fortalece o longa. “É incrível ver que Aquarius está se tornando o filme mais controvertido do ano, aparentemente por celebrar a vida de maneira generosa, por ter um ponto de vista social e político e ainda trazer como personagem principal essa coisa assustadora para muita gente que é uma mulher forte, que não leva desaforo para casa”, disseram em referência a Clara, personagem de Sônia Braga.

Na trama, a atriz vive uma jornalista viúva residente em um edifício histórico cobiçado pela especulação imobiliária. Sônia, que também não deixa de expressar suas visões políticas, concorreu em Cannes ao prêmio de melhor atriz. O longa chegou a ser ventilado como favorito ao prêmio máximo do festival, a Palma de Ouro.

Cartilha

Teoricamente, o Ministério da Justiça deve seguir um guia de conteúdo público para proferir a classificação indicativa dos filmes. Entre as possibilidades de censura máxima, de acordo com a cartilha, estão: “violência de alto impacto, como uma pessoa sendo carbonizada; crueldade, como pendurar homem em árvore e arrancar seus dedos; crimes de ódio, como antissemitismo; pedofilia; sexo explícito com visualização de órgãos sexuais; apologia às drogas, como discursos falando dos benefícios da cocaína ; sexo complexo, como casal que participa de sadomasoquismo”.

O pessoal do filme garante que as cenas de sexo, além de não serem explícitas, não contêm nada complexo. Padre João engrossa o discurso de perseguição: "O ministério interino alega que a elevação para 18 anos deve-se à presença de situação 'complexa de sexo', o que o filme não contém. Manifestações políticas praticadas pelo elenco ou diretores não se enquadram em nenhum dos casos citados pelo guia".

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