Educação

Interiorizar universidades é pagar dívida histórica com Nordeste, diz professora

Entre 2003 e 2016, foram construídos mais de 173 campi espalhados pelo Brasil

Brasil de Fato* | Lagarto (SE) |
População sergipana assiste atento ao título de Doutor Honoris Causa entregue a Lula nesta segunda-feira (21) pela UFS.
População sergipana assiste atento ao título de Doutor Honoris Causa entregue a Lula nesta segunda-feira (21) pela UFS. - Julia Dolce

Na manhã desta segunda-feira (21), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhou seu 53º título de Doutor Honoris Causa. Dessa vez a honraria foi concedida pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), no campus de Lagarto, interior do estado. Na ocasião, o reitor da UFS, Angeli Antoniolli, comentou que a inauguração do campus, em 2015, representou uma "quebra de paradigmas", ao se construir um campus com especialidades na área da saúde no interior de um estado nordestino.

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Dois anos após sua inauguração, o resultado é que "em cada canto desse município temos nossa universidade, alunos e professores presentes. Não formamos produtos, formamos sujeitos transformadores da realidade social", disse Angeli Antoniolli ao conceder a honraria a Lula.

O surgimento de um campus no interior do estado, no entanto, não se resume apenas a realidade de Sergipe. Segundo dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil (Andifes), entre 2003 e 2016 foram criadas 18 universidades públicas no Brasil por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras (Reuni). Quando se trata do aumento do número de campi, principal fator que possibilitou a interiorização dessas universidades pelo país, esse número se eleva para mais 173 campi, passando dos 143, em 2003, para os atuais 316 espalhados pelo Brasil. No mesmo intervalo de tempo o número de professores doutores no quadro das Universidades Federais subiu 189%, passando de 20.711 para 59.658 docentes efetivos com o título de doutor.

Para Claudiane Silva, professora e coordenadora do curso de pedagogia da Universidade da Integração Latino-Americana (Unilab), “o processo de interiorização das universidades é o pagamento de uma dívida histórica que o país tem com a população pobre que nunca sequer pensou que poderia ter acesso a universidade”. Claudiane saiu de sua cidade natal, Recife, e se mudou para São Francisco do Conde, na Bahia, para lecionar na “universidade mais negra do país”, como ela mesma relata.

“O processo de interiorização é importante para que o povo consiga acessar a universidade, e isso só acontece se as universidades não se concentrarem apenas nas capitais. Ela tem que estar nos pequenos e médios municípios e precisa ter investimentos para manter a qualidade do ensino”, comenta Lorena Carneiro, estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), campus Cachoeira. A taxa de crescimento das matrículas no ensino superior foi de 11% ao ano. Até 2002 essa média era de menos de 4%.

Direito

Em seu discurso ao receber o Honoris Causa nesta manhã, Lula enfatizou o fato de que a negação do acesso da maioria da população ao ensino público de qualidade sempre foi uma forma de perpetuar a desigualdade no país. "O Brasil precisa compreender duas cosias: que educação não é gasto, é investimento. E que esse país só será grande e competitivo a partir do momento em que a universidade deixar de ser privilégio e passar a ser um direito de todos", disse.

O ex-presidente também destacou o fato do Nordeste sempre ser lembrado apenas pelos retirantes e pela fome que assolava a região. Agora, "o Nordeste tem 20% dos universitários do país, ultrapassando pela primeira vez a região Sul. Das 18 universidades criadas no meu governo, sete foram no Nordeste, todas com campi no interior. Esse investimento é parte do compromisso para corrigir a injustiça histórica com o povo nordestino", destacou.

A atividade fez parte da caravana Lula pelo Brasil, em que o ex-presidente percorrerá até o próximo dia 5 de setembro todos os estados do nordeste.  

Evasão

Não foram só as universidades que viram o número de campi se multiplicarem na última década. As escolas técnicas, que passaram a ser chamadas de Institutos Federais (IFs), também tiveram uma expansão significativa. Até 2002, existiam 140 escolas técnicas espalhadas pelo Brasil. De 2003 a 2016 foram construídas 500 novas unidades, totalizando 644 campi. A expansão se deu justamente pela ampliação do investimento público no setor, que saltou dos R$ 24,5 bilhões, em 2004, para R$ 94,2 bilhões em 2014.

No entanto, essa nova realidade brasileira pode estar sendo colocada em risco com os recentes cortes anunciados em março deste ano pelo governo golpista de Michel Temer. O contigenciamento de Temer atingiu R$ 3,6 bilhões de despesas diretas do Ministério da Educação (MEC), além de R$ 700 milhões em emendas parlamentares para a área da educação. Levando em conta o total previsto, a pasta realizou um contingenciamento de 15% do orçamento para o custeio das universidades, e 40% da verba para obras.

O estudante de eletromecânica do Instituto Federal de Sergipe (IFS), Giordano Dias - e que foi uma dessas pessoas beneficiadas com a expansão dessas instituições - se diz preocupado com os recentes anúncios do atual governo para a área. Giordano conta que lhe preocupa "o corte de recursos que estamos vendo acontecer. Fica mais difícil para quem é de mais longe, não vai dar pra se manter aqui", avalia.

A média de evasão no ensino superior brasileiro já é historicamente alta, ao atingir a marca de cerca de 40%. Jessy Daiane, vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), avalia que para além de garantir o ingresso, o Estado precisa dar condições para que os estudantes, sobretudo os mais pobres, continuem na universidades. “Muitos estudantes também são trabalhadores e não conseguem conciliar o trabalho com a universidade, e não temos um política de assistência estudantil efetiva para essas pessoas. Embora o acesso a assistência estudantil tenha se ampliado nos últimos anos, essa ainda é o principal desafio para permanência dos jovens na universidade", acredita.

Edição: Luiz Felipe Albuquerque