Eleição

Espanha: Com resultado eleitoral, governo Catalão pode materializar independência

Comú-Podem, do partido Podemos, será fiel da balança para Catalunha independente ou não

Colaboração especial para o Brasil de Fato |
Puigdemont, líder independentista catalão
Puigdemont, líder independentista catalão - Twitter/ Reprodução

Chega ao fim um ano mais que conturbado na Catalunha e em toda a Espanha. O processo político controverso do Estado espanhol contra o governo regional da Catalunha, iniciado com a aplicação do artigo 155 da Constituição espanhola (entenda aqui), no final de outubro, foi derrotado nas urnas nesta quinta-feira (21).

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A população catalã, que bateu recorde de participação (mais de 81,94% do eleitorado compareceu ao pleito), confirmou o que havia sido registrado nas urnas em 2015: quer uma Catalunha independente da Espanha, organizada em forma de República.

Este nível de participação só foi contabilizado nos pleitos posteriores ao fim do regime franquista, durante a “abertura política”, no início dos anos 1980. Superou, inclusive, o último pleito em 2015, com participação de 74,95% do eleitorado.

Durante todo o dia de votação foram registrados poucos incidentes. Nos mais de 2.680 colégios eleitorais e mais de 8.200 mesas eleitoras (seções eleitorais), espalhados pelos 950 municípios das quatro províncias que compõe a Catalunha, mais de 5,54 milhões de eleitores foram convocados a votar em uma das listas dos 7 partidos que se apresentaram ao pleito.

A campanha foi marcada pela polarização entre dois campos: independentistas, de um lado, e espanholistas, de outro. No primeiro campo estavam os partidos acusados pela mídia empresarial de causar essa “convulsão social”. Além do PDeCAT (Partido Democrático da Catalunha), de Carles Puidgmont, antigo presidente da Generalitat (governo regional), estavam a ERC (Esquerda Republicana da Catalunha), partido de orientação social democrata, mas que deu uma guinada liberal nos últimos anos. Além das duas agremiações, integravam este campo, as CUP (Candidatura da Unidade Popular), partido de esquerda, anticapitalista, e que foi duramente massacrado pela imprensa comercial nas últimas semanas.

No campo espanholista concorriam três partidos. Todos eles com posições que variavam da defesa de um neoliberalismo mais duro, tal como o Ciudadanos e o PP (Partido Popular), do primeiro ministro espanhol, Mariano Rajoy, ou na defesa mais contida deste mesmo liberalismo, tal como o PSOE (Partido Socialista Obrero Espanhol), histórica organização social democrata, mas que, quando ocupou o governo espanhol por duas gestões, ajudou a implementar o neoliberalismo. Na Catalunha, contudo, o PSOE veste a roupagem de PSC (Partido Socialista Espanhol).

Correndo por fora, tentando não se posicionar na principal questão em disputa nestas eleições, estavam o Comú-Podem, filial catalã do Podemos. Este partido surgiu nas mobilizações de 2011, de caráter anti-sistêmico, amplo, que ficou conhecido como “Movimento dos Indignados” ou M15. O Podemos foi a expressão política no campo institucional daquele movimento. De uma orientação de esquerda bastante difusa, tem tentado evitar se posicionar na questão do independentismo. Preocupados em afastar seu eleitorado no restante da Espanha que, composto majoritariamente por setores progressistas das camadas médias, não veem com bons olhos a separação da Catalunha.

Vitória do independentismo

Na nova composição parlamentar, das 135 cadeiras, 34 serão do “Juntos pela Catalunha” (chapa do PDsCAT), 32 com a Esquerra (ERC), e 4 serão das CUP. Ao todo, o bloco independentista terá 70 cadeiras. Em 2015 este campo havia obtido 72.

A composição atual, contudo, indica uma redução bastante acentuada das CUP. Em 2015, a organização anticapitalista tinha alcançado 337.193 votos (8,21% do eleitorado), o que lhe dava o direito a 10 cadeiras no Parlamento. Agora, conquistaram 193.352 votos (4,45% do eleitorado). PDeCAT e ERC, que nas eleições de 2015 apresentaram-se juntas sob a chapa do “Juntos pelo Sim” (em referência ao referendo que foi realizado em 1º de outubro deste ano), obtiveram, à época, 1.528.714 dos votos (39,59%). Os dois partidos juntos ocupavam 62 cadeiras.

A composição anterior possibilitou aos dois partidos liberais (PDeCAT e ERC) formar um novo governo que tinha à frente, Carles Puigdemont (PDeCAT). As CUP apoiavam aquele governo, ainda que não ocupasse assentos nas secretarias (equivalente a ministérios do governo regional) da Generalitat. Foi aquela aliança que possibilitou o avanço do independentismo durante dois anos de legislatura e que culminou no referendo realizado em 1º de outubro e na posterior declaração de independência, três semanas depois.

Agora a nova composição tem as mesmas possibilidades. Formar novo governo e, finalmente materializar a independência da Espanha.

Ultraliberais

Um fato novo ocorre desta vez e que pesa fortemente contra o independentismo: o enorme crescimento eleitoral do ultraliberal Ciudadanos. Este foi o partido mais votado nesta quinta. Em 2015, o partido de Inês Arrimada obteve 736.364 votos (17,90%). Agora quase duplicou esse número: 1.102.099 (25,37%). Dentro do lado espanholista, o PSC (Partido Socialista da Catalunha), que é a agremiação em nível regional vinculada ao PSOE, obteve um pequeno crescimento.

Um campo, ainda em disputa, é o ocupado isoladamente pelo Comú-Podem, do Podemos. A agremiação de Enrique Iglesias e da prefeita de Barcelona, Ada Colau, obteve 323.695 votos (7,45%), ante 367.613 (8,94%) em 2015. A pequena redução de votantes implica em uma redução razoável do número de cadeiras: de 11 para 8. O Comú-Podem, pode, contudo, ser o fiel da balança para frear o independentismo ou influenciá-lo, caso seja construída a nova república, em uma linha popular e de esquerda.

Derrota de Mariano Rajoy

Contudo, o registro mais pesado para este bloco, é a flagrante derrota do PP (Partido Popular) do primeiro ministro espanhol, Mariano Rajoy. Em 2015, o PP obteve 349.193 votos (8,49%). Agora caiu para 184.108 votos (4,24%). Tornou-se o menor partido no Parlamento catalão, além de ser o que mais perdeu votos. Das 11 cadeiras que detinha em 2015, caiu para 3. Esta é, também, a análise da maior parte da mídia empresarial espanhola. Dos quatro grandes jornais de circulação nacional El País, La Razón, El Mundo e ABC, com exceção do El País, que estampava Carlos Puigdemont, preferiram publicar em suas capas a vitória de Inês Arrimada ao invés de evidenciar o fracasso do PP.

Os contrários ao independentismo, de variadas classes sociais, optaram pelo jovem e moderno Ciudadanos ao conservador partido que atualmente governa a Espanha. As imagens construídas em torno de Inês Arrimada (Ciudadanos) ante Xabier Garcia Albiol (PP) também pesaram neste sentido. O fracasso do PP também deve ser creditado à desastrada postura por parte do governo espanhol. Junto da aplicação do 155, Mariano Raroy ordenou a prisão de todos os membros do primeiro escalão da Generalitat.

A população catalã, um pouco desgastada por um impasse que dura décadas, e que se intensificou nos últimos meses, parece ter visto nesta postura truculenta um ataque à própria dignidade “de la gente” da região. Muito mais incisiva e hábil foram os discursos da jovem (e de carreira meteórica) Inês Arrimada. Ainda que falando em castelhano (bem como Xabier Albiol), suas intervenções públicas são marcadas por uma postura altiva, denotando não uma agressão à identidade catalã, mas sim, firmeza vinda de uma mulher que, em muitas ocasiões, apresentava-se como vítima de machismo vindo de seus adversários políticos.

O que fazer?

Do resultado do pleito desta quinta, uma nova fase de lutas se abre para o independentismo que, vale registrar, deve ser distinguido do nacionalismo. Como pontua Jordí Scoda (ex-tesoureiro das CUP), o “nacionalismo é conservador. O independentismo é de esquerda e internacionalista”.

Na coletiva de imprensa, na noite que encerrou as eleições, o candidato à presidência pelas CUP, Carles Riera, apresentou quatro “objetivos eleitorais”, além de outros três “objetivos políticos”. Dos quatro objetivos eleitorais, dois foram alcançados e dois não. De acordo com Riera, o que foi alcançado era conquistar uma “maioria republicana dentro do Parlamento” e que esta maioria possa iniciar uma “assembleia constituinte”. Elemento que estará no centro das preocupações do novo governo a ser formado até 23 de janeiro.

Os outros dois pontos apresentados por Riera foram “que a esquerda, dentro da maioria republicana, obtivesse maioria” e que, ao menos, esta esquerda, obtivesse uma maioria de votos e cadeiras em relação às eleições anteriores. Nenhum dos dois foi atingido, contudo.

Os três objetivos políticos eram: Derrotar o artigo 155. Ou, como disse Riera: “Que a república derrotasse a monarquia”. Isso foi alcançado. Os outros dois, estão em aberto e começam a ser construídos a partir de agora: “construir e materializar uma nova república” e, por fim, “que esta república esteja baseada na transformação do sistema econômico e social”, pontuou o representante das CUP.

Os anticapitalistas, que terão peso reduzido dentro do Parlamento, terão de recomeçar a batalha fora dele, nas ruas e assembleias de bairro, para influenciar o campo independentista e republicano. Como ainda pontuou Riera, a tarefa agora é “conquistar uma hegemonia social e política da classe trabalhadora, vila por vila, bairro a bairro, populares a populares, desde as lutas sociais em sindicatos e movimentos sociais”. Este parece ser o caminho para seguir trilhando o caminho de transformar o nacionalismo em independentismo.

Edição: Vanessa Martina Silva