Entrevista

Pitaias: formada só por mulheres, banda independente canta a resistência

Grupo lança o primeiro EP e fala ao Brasil de Fato sobre música, feminismo e política; “Estamos preparadas para a luta"

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Da esq. para a dir.: Norma Odara, Luri Mantoani, Mag Magrela, Priscila Norat, Beatriz Mantoani e Natália Ferlin
Da esq. para a dir.: Norma Odara, Luri Mantoani, Mag Magrela, Priscila Norat, Beatriz Mantoani e Natália Ferlin - Júlia Dolce

Há dois anos, surgiam no cenário paulista as Pitaias. Independente, composta por seis mulheres de perfis diferentes e trajetórias diversas, a banda se uniu pelo amor e afeto à música e com o objetivo permanente de fortalecer o trabalho feminino em diferentes espaços protagonizados, por muitas vezes, pelos homens.

Entre amigos em comum e contatos que já tinham referências musicais, elas se uniram e, à medida que conseguiram combinar as agendas pessoais e firmar o compromisso coletivo, têm construído composições autorais que versam sobre questões cotidianas, políticas, sociais e de ancestralidade.

Em novembro, a banda lançou seu primeiro EP, homônimo, com quatro faixas ecléticas. O single, Minha Versão, ecoa a resistência e um alerta para os tempos atuais. Patuá, canção política e mística, fala sobre fé. Questões amorosas protagonizam a faixa A Maré. Para encerrar, a dançante Eskelética versa sobre uma paixão, aparentemente, não correspondida.

Em conversa com a Rádio Brasil de Fato, Norma Odara (voz), Mag Magrela (voz) e Priscila Norat (bateria e percussão), que compõem a banda ao lado de Beatriz Mantoani (baixo), Luri Mantoani (sax alto), Natália Ferlin (guitarra), falam sobre o surgimento da banda, as dificuldades enfrentadas no cenário musical e o momento político atual.

Confira o bate-papo:

Brasil de Fato —  Primeiro queria que vocês explicassem a origem da banda e do nome Pitaias.

Norma Odara — Eu acho que a união veio mesmo da vontade de fazer música, tentar colocar, inserir as mulheres nesse segmento. Sobre o nome, a gente costuma dizer que faz uma brincadeira com a fruta pitaya, que é conhecida como a fruta do dragão. Por fora ela é escamosa, e por dentro a textura lembra o kiwi, bem vibrante. Tem vários tipos de pitayas, a pitaya amarela, roxa.

Gostamos do significado dela porque é originária da América Central, na região do México, e essa fruta nasce de um cacto epífito, que são plantas que vão se sobrepondo umas às outras, se ajudando, na verdade. E a gente pensa muito no feminismo, na sororidade. Então, como a planta do cacto epífito, nós, Pitaias, também trabalhamos juntas.

Uma frase que tem se ouvido muito é “ninguém solta a mão de ninguém”. Vocês, que são uma banda composta somente por mulheres, como veem a importância das mulheres estarem em coletividade?

Priscila Norat — É essencial. É super importante porque a gente consegue descobrir melhor quem a gente é e descobrir na outra mulher as coisas que não conhece de nós mesmas. Essa coisa da identificação, ter solidariedade, e ver no outro, no caso na outra mulher, situações que são semelhantes às que você passa. É a questão da sororidade: ver na outra uma questão que você vivencia, ou consegue acessar porque se sensibiliza. Acho que isso é muito natural entre as mulheres.

Acredito que com essa ideia a gente consiga perceber o quão essencial é isso daqui para a frente, para a gente se fortalecer e conseguir desabrochar e caminhar, ir para a frente, para a luta.

Quais foram os desafios que vocês, como mulheres, tiveram que enfrentar nesse mercado da música?

Norma Odara — A gente sabe que o mercado da música é muito machista, como qualquer outro espaço dessa sociedade. A música não está alheia a isso. Algo que nos incomoda bastante é quando alguém vem falar com a gente, vê uma foto e diz: nossa, vocês são bonitinhas. Não dizem: o som de vocês é bom. Isso me incomoda muito porque eu não estou aqui esteticamente, estou aqui querendo mostrar meu som, querendo me expressar. Nossas músicas são autorais, então elas dialogam com vários temas, com a ancestralidade, com o amor, enfim, como a gente se expressa no mundo e como somos nós, mulheres, lidando com esse universo machista.

Mag Magrela — Sempre estive no meio de lugares onde a mulher nunca foi naturalmente vista. Só que antes eu não olhava pra isso. Eu nunca chegava em um espaço e questionava que tinha pouca mulher, não pensava nisso. Mas a partir do momento que você começa a conversar com as pessoas, começa a ter consciência, você começa a questionar o porquê das coisas. E percebe que, na verdade, as mulheres, os pretos, os gays, todos estão nesse movimento de querer estar nos lugares comuns, só que quem é o privilegiado não tem essa sensibilidade, está em um lugar muito tranquilo.

Priscila Norat — Quando eu descobri que estava grávida, a gente estava trabalhando nesse EP, concluindo, numa fase em que havíamos tomado a decisão de colocar um gás no projeto, a gente queria que se concretizasse e acontecesse. E tudo foi feito na coragem, na vontade, na raça. Acho interessante que o meu companheiro é músico e, claro, ele passou por muitas transformações em relação ao trabalho dele, à rotina dele. Mas a minha relação com a Isabel é diferente, porque eu amamento, enfim... Muita gente veio me dizer que eu iria parar de tocar. As pessoas diziam: ‘nossa, que pena, justo agora que vocês iam lançar o EP, iam fazer tanta coisa legal, e você vai parar’. E eu pensava: ‘como assim vou parar? Eu não vou parar, não tô doente… Eu vou me adaptar e a Isabel vai comigo’.

Vocês acreditam que nesse momento político, a música pode assumir outro protagonismo?

Mag Magrela — Deveria, né? Eu acho que as questões do cotidiano acabam nos inspirando. Os artistas estão aí para falar sobre o que acontece no agora, ajudar as pessoas a entender a realidade. A minha questão é se vamos poder fazer isso, como vamos fazer? Vamos ter que aprender como nos expressar com censura ou com qualquer tipo de dificuldade.

Priscila Norat — A nossa proposta não vai mudar. A gente só está se fortalecendo com isso, preparadas para a luta.

Norma Odara — Nossa palavra de ordem é resistência, desde sempre. Quando Bolsonaro ganhou, eu, particularmente, fiquei muito abalada, porque isso significa um retrocesso muito grande para a gente, que vinha adquirindo direitos que não eram vistos, dos negros, das mulheres.

Mas o que me deixa aliviada é pensar que, antes da gente, já tiveram pessoas que lutaram em momentos muito complicados e saíram coisas maravilhosas disso. Acho que é canalizar todo esse medo, esse turbilhão de acontecimentos na música. Ser resistência em uma banda de mulheres independente, a nossa saída é essa.

Serviço:

Na quinta-feira (29), a banda fará o show de lançamento do EP “Pitaias” na capital paulista.

Quando: Quinta-feira, 29 de novembro, às 20h.

Onde: Espaço “Mundo Pensante”, rua Treze de Maio, 830 - Bela Vista, São Paulo (SP).

Quanto: R$ 15,00.

Venda de ingressos: https://bit.ly/2AE7QsT

 

Edição: Guilherme Henrique