Crime

“A Vale é assassina, mata sem pôr a mão”, desabafa moradora do Córrego do Feijão (MG)

Celebração religiosa no 7º dia após rompimento da barragem em Brumadinho foi marcada por depoimentos contra a empresa

Brasil de Fato | Brumadinho (MG) |

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Familiares se dividem entre dor e indignação na missa em homenagem aos mortos no Córrego do Feijão
Familiares se dividem entre dor e indignação na missa em homenagem aos mortos no Córrego do Feijão - Lu Sudré

Dia após dia, a ausência de notícias amplifica o desespero e a angústia dos moradores do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), local onde a barragem da mineradora Vale estava instalada, e, portanto, o primeiro a ser atingido pela lama. Nesta quinta-feira (31), sétimo dia após a tragédia, houve uma missa na praça central do bairro, na qual familiares e amigos dos desaparecidos se emocionaram e desabafaram contra a atuação das mineradoras na região.

:: Minuto a minuto: acompanhe as repercussões do rompimento da barragem ::

A comunidade tinha 250 moradores e, até o momento, 16  não foram localizados. Apenas um corpo foi identificado e sepultado, na última quarta-feira (30) . Muito próximo dos rejeitos de minério, onde atuam as equipes de resgate, os familiares dos desaparecidos convivem com o cheiro desagradável da lama tóxica e o barulho constante dos helicópteros.

“Tem um amigo meu, muito amigo meu, de coração, que morreu lá na Vale. Trabalhava levando caminhonete, o Gilmar”, conta Irani Paiva, de 65 anos. A prima e a sobrinha de seu marido também estão desaparecidas.

Por vezes, a revolta toma o espaço da dor. Dona Irani critica enfaticamente a atuação da mineradora e explica que, embora a Vale tenha realizado um treinamento com os moradores, não acionou nenhuma sirene para avisá-los sobre o rompimento.

Apesar disso, ela não acredita que a empresa será responsabilizada. “A justiça, quem vai dar é Deus. Eles vão ter que pagar com a lei de Deus. Eles sabiam que esse negócio ia estourar”, desabafa. “A Vale é assassina, mata sem pôr a mão”.

Julimar de Souza, também morador do bairro, concorda com que a Vale sabia que a barragem iria estourar.

“É uma coisa muito errada o que eles fizeram. Destruíram o povoadinho nosso aqui, que é todo mundo amigo”, lamenta. “Até hoje, só foi enterrado aqui no cemitério um colega nosso. Estamos esperando os outros chegarem, pra ver se temos alguma notícia. Mas ninguém fala nada. Estamos na esperança de achar, para que eles sejam enterrados aqui”.

Ele lamenta a morte de Ronaldo, apelidado de Maku: “Ele era amigo demais. Ia lá em casa, ficávamos batento papo, conversando. Gente boa demais”.

Também na quarta (30), um temporal atingiu a região e os moradores se assustaram com a possibilidade de a barragem de água da mineradora se romper novamente.

“Eles falam que estão drenando ela lá, mas não podemos confiar. Eles não levaram ninguém daqui lá pra ver, então é difícil de acreditar neles. Tem muita gente que mora aqui há muitos anos e não vai ficar aqui não. Vão embora daqui, porque perderam as famílias deles. É um trauma, Deus me livre”, acrescenta.

Antonio Marcos Martins não é morador do bairro do Feijão, mas fez questão de participar da celebração religiosa. O cunhado dele, Zilber Lage, engenheiro da Vale, é um dos desaparecidos. Lage trabalhava presencialmente apenas às sextas -- justamente no dia da semana em que a barragem rompeu.

Durante a missa, em alto e bom som, Martins disse que a culpada pelo crime é a Vale. “Deixaram um refeitório embaixo de uma bomba. Estamos em Minas Gerais, um campo minado, onde há três anos choramos por tantos corpos dos nossos irmãos em Mariana, em Bento Rodrigues, e agora aqui também”, disse Antônio, lembrando o rompimento da barragem do Fundão, em novembro de 2015. “Somos capital selvagem da Vale. Capital selvagem da Samarco, aliada com a BHP Billton, que vem massacrando o povo brasileiro”, denunciou.

“Não foi só lá”

O crime da Vale comoveu moradores de toda a região de Brumadinho. Sandrileia Cruz Lima, balconista em um posto de gasolina na beira da rodovia 040, conta que recebeu a notícia do rompimento da barragem assim que chegou ao trabalho. Segundo ela, as pessoas que estavam almoçando no local choraram por ter conhecidos e familiares que trabalhavam para a mineradora.

“Foi e está sendo uma dor imensa para a gente que está aqui em São Joaquim de Bicas. Marcou, com certeza, a região. E ainda tem os perigos ao redor, que são as outras barragens. O rio [Paraopeba] está totalmente poluído por esses resíduos. Então, não foi só lá, foi aqui e em mais cidades. Só de pensar, minha alma fica em choque”, relata.

Sete dias após o crime, o número de vítimas fatais confirmadas chegou a 110.

A mineradora Vale informou que lamenta o ocorrido e que está disposta a investigar as causas do rompimento da barragem e prestar o auxílio emergencial às famílias.
 

Edição: Daniel Giovanaz