Eleições 2019

Próximo desafio da Bolívia é superar a burocracia do Estado, diz Raul García Linera

Ex-guerrilheiro e irmão do vice-presidente analisa as dificuldades que o governo Morales terá nos próximos cinco anos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Bolívia busca superar as dificuldades materiais, impostas por cinco séculos de capitalismo, sem perder o horizonte revolucionário
Bolívia busca superar as dificuldades materiais, impostas por cinco séculos de capitalismo, sem perder o horizonte revolucionário - Daniel Giovanaz

Liderança do Movimento ao Socialismo (MAS), Evo Morales foi eleito esta semana para o quarto mandato presidencial na Bolívia.

Com altos índices de crescimento econômico e políticas bem-sucedidas de superação da extrema pobreza, o próximo desafio do governo é superar a burocracia do Estado e recuperar seu horizonte revolucionário. Essa é a interpretação de Raul García Linera, irmão e interlocutor do vice-presidente Álvaro García Linera e ex-membro do Exércio Guerrilheiro Tupac Katari (EGTK).

Em entrevista ao Brasil de Fato, ele comenta a dificuldade de se administrar as diferenças étnicas e regionais do país e as mudanças geracionais que afetam o projeto político do MAS.

Abaixo, trechos da entrevista:

Brasil de Fato: Qual o seu papel hoje no governo Morales e como o senhor avalia a importância da vice-presidência no debate com o povo e com a intelectualidade?

Raul García Linera: Sou um ativista político. Não posso trabalhar no governo. Álvaro, antes de assumir a vice-presidência, afirmou que ninguém de nossa família trabalharia no Estado.

Temos um espaço dedicado ao debate mais intelectual, com a revista Migraña, por exemplo, mas fazemos seminários nas províncias, nas áreas rurais, na periferia etc. Esse é o trabalho mais importante. É preciso ter uma boa gestão, fazer um bom governo, mas, para além disso, é preciso trabalhar com a militância, com o povo.

Nossas estruturas de formação não estão dirigidas somente aos funcionários do partido ou aos militantes, mas a maior parte do trabalho se dá via organizações sociais, estruturas populares. O popular é o mais importante, com linguagem simples, dinâmicas de grupo, que permitam refletir, debater para onde vamos.

O senhor consegue manter uma rotina de diálogos com seu irmão sobre a conjuntura?

A agenda [do vice-presidente] é muito pesada, mas há alguns espaços, há algumas discussões para passarmos informações. Mas suas tarefas oficiais ocupam muito tempo. Álvaro começa o dia às cinco da manhã e termina às onze da noite. É pesado.

Eu mentiria se dissesse que temos muitas horas para debate, mas temos, sim, uma rotina de troca de informações, de conselhos. “Vá por aqui”, “considere esse elemento”.

Muitas vezes eu digo a ele: “Por que disse isso, ou fez aquilo? Não estamos no mesmo barco?”. E ele explica: “Eu fiz isso por tal razão, aquilo por outra”, “precisei ceder naquele assunto”. Ele nos permite entender o que estão fazendo e localizar aonde estamos indo.

A Bolívia tem cerca de 11 milhões de habitantes e 10 milhões de pontos de conexão fixa e móvel à internet. Como dialogar com uma juventude cada vez mais acostumada a se informar por redes sociais e distante das lutas sociais de rua, que caracterizaram a ascensão do MAS?

Lamentavelmente, não politizamos suficientemente o povo.

O nosso eixo articulador não são os sindicatos, mas os movimentos indígenas camponeses territoriais, associações de moradores. Mas eles não podem se manter em luta constante, porque precisam retornar à cotidianidade de suas condições de vida, ou seja, conseguir o alimento de cada dia.

Nesse cenário, as eleições são um ato delegativo. Essa multidão vem e diz, como fez em 2003, na Guerra do Gás, e nas eleições de 2005, 2009 e 2014: aqui está a minha confiança. Mas não conseguem se manter mobilizados porque sua luta não se dá nos locais de trabalho, diferentemente de outros processos – se pensamos no Brasil, por exemplo, e em suas instituições sindicais laborais. Mas aqui o tecido social se constrói nas comunidades, nos locais de moradia e não de trabalho.

Então, não temos uma estrutura de partido, em termos leninistas, com quadros, hierarquias… não. E, por não haver isso, a internet, as redes sociais e os meios de comunicação se convertem em meios perversos para pintar uma realidade alheia, destruindo o que foi construído, com uma série de mentiras.

Por exemplo, nas últimas semanas, circulou a informação de que Evo teria uma conta de US$ 300 milhões em um banco no Vaticano. Isso circula pelas redes: que Evo tem filhos não reconhecidos, com meninas jovens. Uma série de mentiras que tenta destruir o processo.

Acusam o governo de corrupção. E eu digo: se Evo e Álvaro tivessem roubado US$ 1 mil, os gringos já teriam dito: aqui está o dinheiro; foi assim que eles roubaram. E por quê? Porque quantos membros do nosso governo já não disseram ao presidente dos Estados Unidos, a cinco metros de distância, que o imperialismo e o capitalismo destroem a humanidade. Isso disseram a cinco metros, não a cinquenta, não na internet! E só pode fazer isso que não tem rabo preso.

 


Raul Linera integrou o Exército Guerrilheiro Tupac Katari. (Foto: Daniel Giovanaz)

 

Mas, ainda assim, nos acusam de ser corruptos. Isso não quer dizer que não haja corrupção. Somos uma sociedade altamente tolerante à corrupção desde o império, desde a colônia. Nos anos 1990, víamos pessoas comemorando seu primeiro milhão de dólares enquanto trabalhavam na aduana… faziam festas, com legitimidade, depois de roubarem US$ 1 milhão do Estado.

Naqueles tempos, havia postos de trabalho sem salário. Gente trabalhando na Justiça, na aduana, sem salário, sobrevivendo só de propinas, e isso era estatalmente legítimo! E isso não existe agora. Mas nós é que somos os corruptos, não eles. Colocaram no imaginário da população que nós somos corruptos.

Estamos convencidos de que é uma luta difícil, porque o uso de redes sociais e a construção de opinião pública por meio delas é uma guerra de quarta geração. E saímos em desvantagem, porque não dispomos da tecnologia, nem do maquinário, nem do apoio que os gringos dão à oposição. E não é só dinheiro. É uma forma de lidar com as redes, algo que é muito difícil para nós. Afinal, você consegue obter informações segmentadas do Facebook, etc, para mandar mensagens, até mesmo sem pagar. Mas nós não temos esse hábito, essa capacidade. É uma luta desigual.

A compensação que temos é um povo que acredita no que estamos fazendo. Mas é claro que é difícil. Seria muito mais fácil seguir avançando sem esta guerra das redes. Perdemos o referendo de 2016 por causa do uso das redes. Modifica o cenário, é vital, impõe uma situação de guerra. E é claro que temos que entrar nessa batalha, da forma como seja possível. É um terreno de disputa política e militar.

Em relação às diferenças regionais da Bolívia, quais os desafios que o senhor percebe para a governabilidade? A chamada zona da “meia-lua”, os estados da região mais oriental do país, continuam sendo um reduto da oposição?

Este país nasceu sob um conceito colonial: o branco é o ser; o índio é esvaziado de ser. É o “não ser”. E a sociedade se constitui como uma escada de branqueamento cultural e social. Todos buscamos ser mais brancos que ontem e julgamos que há alguém mais índios que nós. Então, aí nasce a resistência ao que é popular, índio. A direita rearticulou um discurso altamente racista contra o mundo indígena e “collia” [habitantes das terras altas, dos Andes]. Porque o racismo não é só contra o indígena, mas contra aqueles que somaticamente representam o indígena.

Santa Cruz [de La Sierra] é diferente de Sucre, que recebeu nossa primeira universidade e era um lugar muito importante na época da colônia, com muita presença espanhola – porque está a poucas horas de Potosí, que era um dos nossos grandes centros por toda a prata que havia. Mas, como Potosí é muito alto, as estruturas de poder desceram até Sucre, que fica em um vale. No oriente, em Santa Cruz, temos outro desenho, também com descendentes de indígenas, mas que se apropriam do discurso colonial a partir do olhar da migração europeia e branca pós-colônia. Isso é parte da conformação da sociabilidade por lá, e a gente percebe isso pelos sobrenomes.

Essa lógica do branqueamento é muito forte em Santa Cruz. Chegavam europeus por lá com as mãos abanando, sem recursos, e trocavam sua branquitude com fazendeiros. Para o fazendeiro, estava “melhorando a raça”. Para o europeu que chegava, o casamento significava tomar conta de fazendas, do gado, das terras. Seu capital étnico se transformava em capital econômico. Ele investia sua etnicidade em troca de bens econômicos.

Isso foi muito intenso em Santa Cruz. E quando chegam os “collias”, quando chegam os indígenas para trabalhar naquelas terras, eles se sentem invadidos.

Vou te contar uma piada para que tenha noção da lógica do branqueamento que existe por lá. Existe um rio muito grande, e é preciso cruzá-lo nadando para ser considerado “camba” [apelido dado aos naturais da região de Santa Cruz]. Um “collia” que cruza o rio nadando se transforma em “camba”. Dois “collias” se aproximam para cruzá-lo juntos. O primeiro que chega à outra margem vira de costas e diz: “O que você está fazendo aqui, seu ‘collia’ de merda!”. E o empurra para debaixo d’água.

Enfim, migrar à cidade passou a ser visto como um mecanismo de branqueamento acelerado. Aqui no ocidente, é como se você começasse a branquear ao se aproximar das cidades pequenas, dos povoados. Quem mora na periferia das grandes cidades, se branqueia um pouco mais. O branqueamento completo ocorre quando saem da cidade de El Alto [vizinha a La Paz], e chegam à zona sul. Mas, no caso de Santa Cruz, o branqueamento se dá instantaneamente ao chegar no departamento.

A que me refiro: que as pessoas que foram a Santa Cruz para se branquearem cultural e socialmente são as que hoje mais protestam contra os “collias”. Tem uma frase famosa que sintetiza bem a situação: “Todos os ‘collias’ são uns filhos-da-puta, menos minha mãe”.

Então, isso gera uma estrutura étnica diferenciada. Tem outra fase famosa, de um governador – então prefeito – de Santa Cruz: “Se os ‘collias’ querem um presidente índio, que fiquem com seu presidente índio. Nós vamos ter um presidente branco”. Com base nisso, se deu o movimento separatista [em 2008].

Lá, as condições de classe e etnia estão profundamente relacionadas. É mais difícil. Voltando ao que você perguntou: na eleição de 2005, fomos mal em Santa Cruz, mas em Beni [departamento vizinho] fomos pior. Em Pando, nem tanto. Mas, por que em Beni é tão difícil? Porque os “collias” já não migram para lá. Não há o que fazer, não há comércio. E o “collia” não sabe trabalhar em terras baixas. Ele lê a natureza, aprendeu a produzir batatas, coca, etc., lendo como o sol se move, intuindo se o ano será seco ou úmido. Ele sabe o que vai apodrecer em época de chuva, sabe quando virá a geada, conhece as diferenças de altitude. Mas, quando chegam às terras baixas, como vão ler a terra? Não há sapos, não há condores, não há nada do que eles conhecem, são outros animais, outros graus de umidade. Não conhecem a mandioca, nem como se planta.

Por isso, em Santa Cruz é tão difícil. Porque há uma reapropriação do mundo branco. E o que a direita faz é recuperar esse discurso. Houve um momento em 2008, em meio aos movimentos separatistas, em que tentaram fazer uma guerra civil, mas foram descobertos e derrotados. Por algum tempo, houve um silêncio nas manifestações racistas. Mas se passaram dez anos, e houve uma rearticulação dessas pulsões, financiada pelos mesmos setores – que hoje se mudaram para o Brasil, e de lá financiam essas redes, grupos de choque, com um discurso anti-índio.

Como eles creem que legitimamente nasceram para governar, que a sua natureza e o seu “destino manifesto” é governar, pensam: por que esses índios seguem nos governando? Devolva-nos o que naturalmente é nosso! Todo esse tempo que estamos no poder os deixa desesperados.

Além dessa oligarquia de Santa Cruz, foi possível perceber a atuação do imperialismo estadunidense nessas eleições?

O que antes eles conseguiam controlar, hoje já não controlam. E isso também explica o desespero com que eles clamam que nosso Poder Judiciário está acabando.

Não estou dizendo que nosso Judiciário seja bom: ele é perverso desde o início da república. Somos o único país que tem eleições diretas para o Judiciário. Não encontramos uma forma de transformá-lo completamente. Mas isso tornou mais difícil para o imperialismo controlá-lo.

Embora não controle, têm certo grau de influência, porque têm dinheiro – podem comprá-lo. Mas, de qualquer forma, os integrantes do Judiciário não são serviçais [dos EUA] como eram antes. Agora não há sequer embaixador [estadunidense na Bolívia].

Eles não têm muito mais acesso a esse âmbito, senão comprando algumas consciências, mas isso não tem causado grandes danos, no caso da Justiça. Mas, sim, causam danos nos meios de comunicação, nas redes, nas estruturas policialescas, em algumas estruturas militares.

Há uma construção cultural que leva a ter como paradigma o modelo norte-americano. “Liberdade”, “democracia”… assim eles atuam. 

Diante de tudo isso, o povo é que vai nos defender, o povo é quem luta. E agora aqueles que abrem a boca para falar em democracia, aqueles que dizem que nós somos autoritários e antidemocráticos estão tentando chamar os quartéis para mudar o governo.

O governo liderado por Evo Morales é capaz de manter seu horizonte revolucionário?

Você quer que eu seja sincero ou otimista?

Sincero.

Então, eu creio que todos os processos se desgastam, todas as gestões de governo se burocratizam. A gestão te leva ao centro, faz com que você deixe a máquina funcionar… e a máquina é capitalista. É capitalismo puro. A máquina reproduz o capitalismo, não pode reproduzir outra coisa.

Nós nos burocratizamos à medida que fomos cumprindo as metas iniciais desse processo. Por que lá no começo foi fácil, foi potente? Porque o povo mobilizado disse: queremos uma Constituição em que ninguém me discrimine, em que ninguém me diga que eu não sou um boliviano igual aos outros! [Nacionalização dos] Hidrocarbonetos, industrialização…

O povo nos deu uma tarefa, e tínhamos que cumpri-la porque devíamos isso ao povo.

Mas, à medida que vão se cumprindo as metas, o que resta? Qual a nova tarefa? Qual o horizonte? Como vamos encarar o desafio de superar a burocracia do Estado?

Eu digo honestamente: tenho a sorte de viver este momento. Eu peguei em armas contra um governo porque tinha a ilusão que esse país fosse um dia… o que é hoje. O que mais posso pedir ao mundo, à vida?

Mas essa foi a minha geração. Combater a pobreza, para nós, era revolucionário, era algo pelo qual valia a pena dar a vida. E isso fizemos. Pedíamos soberania: ninguém de fora pode mandar no nosso país! Hoje, não tem nem embaixador norte-americano por aqui. Fomos conquistando tudo isso. Não tem FMI (Fundo Monetário Internacional) por aqui ditando o que devemos fazer, como hoje fazem no Equador, na Argentina. Essas eram as minhas lutas, as lutas da nossa geração!

Você sabe que os gráficos de demografia mostram que nossa população que era assim se tornou assim [mostra uma pirâmide cuja base se torna cada vez mais ampla e a ponta, cada vez mais fina]. Ou seja, temos a insurgência de novas gerações.

Os eleitores aptos a votar com idade entre 18 e 36 anos eram 50% do eleitorado. Para nenhum deles, é um problema a pobreza, é um problema a fome, a soberania, porque não conheceram a pobreza, a fome e a falta de soberania. Então, qual o problema deles? O que os comove? Há companheiros que nem sabem o que aconteceu aqui em 2003. Acham que as imagens são montagem. E só 16 anos atrás!

Eles se acostumaram a outro país e não conseguem imaginar o que foi antes. E que bom que não viveram aquilo. Mas o que os move? O que vem desde o seu âmago? Em troca de que eles estariam dispostos a morrer? Até que não descubramos isso, vai ser muito difícil caminhar para uma revolução.

E isso não é pessimismo. Eu pergunto aos jovens: por que você estaria disposto a morrer?

Porque a revolução se faz nas ruas. Não no Twitter, nem nos escritórios. Ela se faz dizendo: aqui estou eu; não vou permitir que se faça tal coisa.

Não estou dizendo que a gente deve sair às ruas, matando. Porém, falta que as novas gerações se façam essas perguntas.

É difícil. Não significa que não estejamos tentando. Tem jovens que dizem: “Vamos defender os animais”, “vamos plantar árvores”, mas a gente sabe que eles não dariam a vida por isso. Não é disso que estamos falando. Talvez a atual geração não encontre essas respostas, e esse vazio é que nos faz voar em piloto automático. E isso se esgota. Porque não é ação, transformação: é rotina, inércia.

Nada disso é fácil. Estamos tentando instalar um sistema de saúde universal em um país com PIB per capita de US$ 3,5 mil, enquanto a Argentina e o Uruguai conseguiram universalizar a saúde depois de atingir US$ 20 mil de PIB per capita. Saúde é um investimento tremendo do Estado. Ela só funciona em economias tão potentes que permitem investir – ou, em termos capitalistas, pode-se gastar sem retorno. Quero dizer, dá retorno social, mas não econômico. Não é um dinheiro que volte com juros.

Todos os setores que apoiam o governo têm essa compreensão das necessidades econômicas, materiais? Hoje se fala muito, por exemplo, no custo socioambiental dos investimentos em mineração e infraestrutura no interior do país. Como o senhor encara esse desafio?

As esquerdas e o marxismo, às vezes, se transformam num certo voluntarismo. “Queremos preservar todas as florestas”. Claro que sim! Mas o que comeremos? “Não queremos prejudicar a natureza com a extração de petróleo”. E de onde tiraremos nossa renda? Como manteremos as políticas de distribuição de rendas, os salários, os investimentos?

O que essas pessoas não entendem é que lutávamos contra a exploração do petróleo pelas transnacionais justamente porque elas vinham a sugar nossas riquezas sem se importar com nada. Se destruíssem o meio ambiente, não estavam nem aí, porque não era sua terra nem sua casa. Quando o Estado assume, começa a predominar outra mentalidade: aqui é minha casa, aqui vou ficar, e essas terras são dos nossos irmãos camponeses. Então, precisamos evitar danos ambientais; se há danos, precisamos reflorestar.

É como na nossa casa. Você não vai deixar de pendurar quadros para preservar a parede – mas vai colocar com cuidado. Se for uma casa alugada, que você pretende sair logo, o cuidado não é o mesmo: “Depois vem o dono e pinta a casa toda”. Era o que faziam as transnacionais. Vinham como inquilinos, destruíam tudo para ter maior lucro. Contra isso nós lutamos! Lutamos para que a produção de petróleo fosse o mais ecologicamente responsável possível. Mas precisamos desses recursos.

Dizem que precisamos superar nossa condição de economia primária exportadora. Será que têm ideia do que estão falando? Será que sabem que vamos levar muitas décadas para isso? Passamos cinco séculos fornecendo minérios ao mundo. A Bolívia existe porque encontraram prata em Potosí.

O mundo não compra o que você quer vender. O mundo compra o que precisa para que as pessoas mantenham ou melhorem suas condições de vida. E o que o mundo precisa da Bolívia são minerais e hidrocarbonetos. Se não precisassem, não comprariam nem isso!

Claro que queremos fazer hidrelétricas. É uma fonte de energia muito melhor que o petróleo, porque é renovável. Mas aí precisaríamos criar barragens, inundar lagos… e aí veremos como não causar tanto dano às pessoas e à natureza. Busquemos uma solução, pensemos em turismo ecológico… Estamos de acordo!

Mas como nos tornamos competitivos internacionalmente hoje? O que venderemos: carinhos, afetos? De que viveremos? As pessoas não querem extrair e exportar hidrocarbonetos, mas querem seguir com seus telefones celulares – comprados a dólar. E o dólar vem das exportações.

É complexo, mas o desafio está dado. O que se produz, como se produz, como geramos divisas, como gastamos essas divisas, como evitamos dano ambiental. E o mais importante, que já temos decidido: que tudo isso seja destinado à distribuição das riquezas.

Edição: João Paulo Soares