Queda de braço

Crise no PSL: por que a sigla rachou e o que querem as alas bolsonarista e bivarista

Apoiadores de Jair Bolsonaro e Luciano Bivar compartilham suas versões sobre o conflito que desidratou o partido

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Bolsonaro e Bivar se cumprimentam na primeira reunião dos deputados federais do PSL: em menos de um ano, a parceria desmoronou
Bolsonaro e Bivar se cumprimentam na primeira reunião dos deputados federais do PSL: em menos de um ano, a parceria desmoronou - Reprodução/Facebook Luciano Bivar

O Partido Social Liberal (PSL) está em disputa. Jair Bolsonaro, presidente da República, que se desfiliou há um mês, e Luciano Bivar, presidente da sigla, vivem uma queda de braço que pode proporcionar à sigla uma queda tão avassaladora quanto foi sua ascensão.

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Brasil de Fato ouviu representantes das diferentes alas -- bolsonarista e bivarista -- para entender o racha e as perspectivas para a sigla.

Antes e depois

Desde que o capitão reformado entrou para o PSL, em 2018, o partido atingiu um nível de expressividade eleitoral até então inimaginável. O número de parlamentares na Câmara dos Deputados saltou de um, em 2014, para 52, após as eleições do ano passado. 

Após o anúncio da desfiliação de Bolsonaro em rede nacional, no dia 12 de novembro, cerca de 25 parlamentares eleitos também ensaiam sua saída.

Sem o presidente da República no partido, a ala bivarista defende que o “novo PSL” deixe de lado o aspecto beligerante e autoritário associado à ala bolsonarista. Ainda assim, segundo os representantes desse setor, as pautas continuarão "liberais na economia e conservadoras nos costumes".

“Deixa eu contar um trem pra você: as nossas pautas de direita não nasceram e nem acabam com o Bolsonaro”, afirmou à reportagem o deputado federal Delegado Waldir (PSL-GO). 

"O PSL será realmente alinhado com as bandeiras liberais na economia, e não um partido nacionalista travestido de liberal. A parte do partido que está saindo é militarista, nacionalista, e não liberal de fato", reforçou a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) ao Estadão. “São xiitas que desrespeitam a democracia e atacam as instituições", completou.

 


Hasselmann: líder do partido e próxima do PSDB, de João Doria. (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Com olhos voltados para as eleições municipais de 2020, a sigla deve se aproximar de partidos e governadores para formar alianças que antes eram limitadas pela resistência bolsonarista.

Em São Paulo (SP), Hasselmann se aproxima do prefeito Bruno Covas (PSDB) para uma possível chapa para o próximo pleito. A dupla tem as bênçãos do governador João Doria (PSDB), um nome ventilado pela direita como possível adversário de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022. 

Com a cisão, a bancada do PSL na Câmara deve diminuir de 52 deputados para cerca de 30. No Senado, dos três representantes eleitos, somente Flávio Bolsonaro deixou o partido para fazer parte do Aliança pelo Brasil. Dos três governadores, nenhum, por enquanto, flertou com essa possibilidade. 

As dissidências não afetam o tempo de propaganda eleitoral na TV nem os R$ 358 milhões que a sigla tem direito de usar no pleito de 2020 – R$ 245 milhões do fundo eleitoral e R$ 113 milhões do fundo partidário –, uma vez que o cálculo é feito com base nas eleições de 2018. 

:: Leia também: Parlamentares que saírem do PSL ao partido de Bolsonaro não levam fundo partidário ::

“Perseguidos e punidos”

No dia 3 de dezembro, o PSL anunciou punições para 18 deputados da ala bolsonarista, entre eles Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e a dissolução do diretório estadual de São Paulo, comandado pelo filho do presidente. 

Além de Eduardo, Bibo Nunes (PSL-RS), Alê Silva (PSL-MG) e Daniel Silveira (PSL-RJ) receberam a punição de máxima de 12 meses de suspensão, incluindo afastamento da atividade parlamentar. Carlos Jordy (PSL-RJ) recebeu suspensão de sete meses; Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF), de seis. Aline Sleutjes (PSL-PR) e Hélio Lopes (PSL-RJ) foram somente advertidos.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, assinou na última terça-feira (10) a suspensão das atividades parlamentares dos membros suspensos pelo partido. Com isso, Eduardo deixa a liderança do partido na Câmara para dar lugar à ex-líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann. A suspensão foi derrubada no dia seguinte (11) após liminar da 4ª Vara Civil de Brasília.

A deputada, que tornou-se alvo da ala bolsonarista e fez acusações à família Bolsonaro em depoimento na CPI das Fake News, não respondeu aos pedidos de entrevista.

Em conversa com o Brasil de Fato, Nunes ironizou a punição. “Estou chateado porque eu fui suspenso por um ano. Acho que deveriam me punir por três anos. Quanto mais me punirem, mais eu fico bem com o meu eleitorado”, disse. 

Esse cálculo político é feito por quase todos os deputados da ala bolsonarista: afastar-se de um partido mergulhado em denúncias de corrupção não é, necessariamente, um mau negócio. Ainda mais, se a saída representar um distanciamento da ala de Bivar, indiciado pela Polícia Federal (PF) por suposta fraude na aplicação de recursos financeiros destinados a candidaturas laranjas em seu estado, Pernambuco. 

 


Deputada Alê Silva diz que "faria tudo de novo", apesar da punição. (Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados)

O envolvimento com milícias no Rio de Janeiro e as suspeitas de corrupção e de participação no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), que rondam a família Bolsonaro, não parecem incomodar os representantes da ala bolsonarista. Pelo contrário, eles falam com orgulho do setor que representam dentro do PSL.

:: Leia também: Na contramão do discurso eleitoral, Bolsonaro sufoca estrutura de combate à corrupção ::

Para Alê Silva, a punição se deu porque os parlamentares ligados a Bolsonaro decidiram brigar por “transparência e honestidade” dentro do partido. A deputada ajudou a denunciar o laranjal mineiro e pernambucano, que resultou em acusações contra o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e no indiciamento de Bivar. “Se eu tivesse que recomeçar e fazer tudo de novo, eu faria”, ressaltou.

“Desde então, eu senti que a cúpula do partido queria ver o capeta mas não queria me ver pela frente. Aí, começaram as perseguições. Quando fui ver, percebi que eu não estava sozinha, que outros colegas meus estavam sofrendo perseguições, e aí resolvemos nos juntar e nos rebelar”, disse a parlamentar ao Brasil de Fato. A rebeldia se concretizou na escolha de Eduardo Bolsonaro para a liderança da Câmara, deixando de fora o Delegado Waldir.

O destino daqueles que se movimentam para sair do PSL é o Aliança pelo Brasil. Todos os 18 parlamentares já sinalizaram a intenção. Os advogados do futuro partido entrarão, nos próximos dias, com um pedido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de desfiliação por “justa causa” dos deputados punidos por Bivar. A defesa alegará que houve perseguição política. 

De acordo com a legislação brasileira, os políticos devem comprovar que houve "grave discriminação política pessoal" ou "mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário" para que a desfiliação não seja configurada como infidelidade partidária, o que poderia levar à perda do mandato. Se forem expulsos, a perda de mandato é imediata e eles não podem sequer migrar para o Aliança fora da janela eleitoral -- aberta seis meses antes das próximas eleições.

“Não é bem assim”

O Delegado Waldir assegurou à reportagem que nenhum parlamentar será expulso do PSL. “Eles vão abandonar o mandato deles? Seis meses antes da eleição tem uma janela eleitoral, quando o parlamentar pode sair. Antes disso, não existe a possibilidade. Não posso dar o doce que a criança quer. A pretensão deles é a expulsão”, declarou.

O ex-líder do partido na Câmara contou que existe um grupo "mais moderado", do qual afirma ser parte, e um grupo "beligerante". Este, segundo ele, teria como horizonte tomar o Supremo Tribunal Federal (STF), derrubar os presidentes Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) e acabar com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Esse é o grupo deles, ok?” 

Ele também afirmou que, “na verdade”, Bolsonaro queria ter o controle do partido e de todos os diretórios estaduais para a designar aos cargos pessoas de sua alçada -- “radicais em cada estado controlando a chave do cofre”.

Em sua visão, o que existe é uma briga pelo controle do partido e pelo fundo partidário. O racha teria começado, segundo ele, quando Bivar decidiu frustrar os planos do capitão reformado, impedindo que ele monopolizasse as nomeações.

 


Delegado Waldir foi um dos mais expressivos defensores de Bolsonaro durante as eleições de 2018. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

A narrativa é endossada pelo deputado federal Júnior Bozzella (PSL-SP). Ele acusa os advogados de Bolsonaro de incitarem uma movimentação entre os parlamentares para, pouco a pouco, ocuparem os principais cargos na burocracia interna do PSL: “Eles queriam a Secretaria-Geral e a Tesouraria do partido, e aí começaram a cooptar deputados. Essa é a verdadeira história”.

O tripé que defende a família Bolsonaro nos tribunais é composto pelos advogados Karina Kufa, o rosto mais conhecido na mídia, Frederick Wassef e o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Admar Gonzaga. Em entrevista à revista Época, Kufa, que tem um histórico de embates jurídicos contra Bivar, revelou seu temor: “A gente não sabe o que tem no partido. Se alguma coisa estourar, ninguém vai dizer que é do partido do Bivar. Ninguém sabe quem é Luciano Bivar. Vão vir atrás do presidente Bolsonaro”.

Até o momento da publicação desta reportagem, a equipe da advogada não respondeu aos pedidos de entrevista.

Para Bozzella e Waldir, a cobrança por "transparência" e "honestidade", que vem à tona nas declarações de Alê Silva, é parte de uma narrativa falsa, que instrumentaliza o "combate à corrupção" como ferramenta contra a ala bivarista. Bozzella cita como exemplo o investimento feito para realização da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) Brasil, evento "importado" por Eduardo Bolsonaro dos Estados Unidos para São Paulo, que ocorreu em outubro deste ano. “Para o evento do Eduardo lá em São Paulo, o partido deu R$ 1,5 milhão. Então, não tinha problema de transparência”, ironizou.

A reportagem aguarda o retorno de Eduardo Bolsonaro para comentar as acusações.

Edição: Daniel Giovanaz