Economia

Dois anos de Petro: criptomoeda ajuda Venezuela a driblar bloqueio econômico dos EUA

Aposta do governo Maduro, a moeda digital já é usada pela população como alternativa à desvalorização do bolívar

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Lojas Traki e CLAP são duas gigantes que já aceitam pagamento em Petro
Lojas Traki e CLAP são duas gigantes que já aceitam pagamento em Petro - Monocoin

O petróleo é a maior riqueza, mas também pode ser a maior perdição venezuelana. Em meio à disputa pelas reservas petroleiras, governos caíram e outros se alçaram ao poder. Das crises no mercado petroleiro, surgiram crises políticas e, da bonança, triunfou o chavismo.

É justamente no petróleo que o governo de Nicolás Maduro busca uma saída para a crise econômica atual. A criptomoeda Petro é a aposta da Venezuela para furar o bloqueio financeiro imposto pelos Estados Unidos e, mais recentemente, superar a hiperinflação induzida no país.

Para isso, o Estado venezuelano emitiu uma licença de 30 milhões de barris de petróleo para respaldar a criptomoeda, que tem seu valor estipulado de acordo com o preço do barril de petróleo venezuelano e de minerais exportados pelo país, como ferro, ouro e diamante.

Com esse novo fundo, o Executivo venezuelano busca dar estabilidade ao valor da sua criptomoeda. Atualmente, o Petro, assim como o barril de petróleo venezuelano, é cotado em euros no mercado internacional e custa entre €$53 e €$59 (cerca de R$265).

A cotação é feita em euros, porque o Estado venezuelano está impedido pela Casa Branca de realizar transações em dólares.

Aliado a isso, o chefe de Estado anunciou que enviará bimestralmente uma remessa de 1 milhão de petros para todos os governos locais. O valor pode representar entre R$5 e R$20 milhões.

 

Petro ganha corpo; bolívar perde espaço

Apesar de o governo já pagar pensões e alguns bônus sociais em Petros -- há mais de um ano --, essa foi a primeira vez que o dinheiro digital foi usado no lugar do Bolívar para financiamento direto de novos projetos e obras públicas a nível nacional.

A hiperinflação, induzida através do bloqueio econômico e do câmbio paralelo, enfraquece a moeda nacional, o bolívar, que tem deixado de ser um meio de pagamento comum no país. Com o aumento da quantidade de zeros, o papel moeda perde circulação, já que qualquer compra corriqueira exige uma dezena de bilhetes.

Desde junho, o Banco Central da Venezuela (BCV) passou a emitir bilhetes de 10 mil, 20 mil e 50 mil bolívares. Mas, de la pra cá, o câmbio entre dólar e Bolívar Soberano já chegou à marca de 1 para 46 mil. Ou seja, o bilhete mais valioso em circulação vale pouco mais que um dólar.

Como esse processo hiperinflacionário já dura cerca de dois anos, as transações econômicas online ou com uso de cartão de débito e crédito se popularizaram no país. Qualquer quiosque, feira livre ou comerciante autônomo tem sua máquina de cartão, dispõe de uma alternativa para pagamento com transferência bancária ou ainda por mensagem de texto.

 


O principal uso do Bolívar soberano é o transporte. Ônibus privados cobram entre 3 e 5 mil bolívares cada viagem (Foto: Michele de Mello/Brasil de Fato)

“Estamos numa etapa de ensaio e desenvolvimento para chegar a uma primeira etapa da economia digital”

Aproveitando essa sistematização da economia, o governo investiu na criação de novas plataformas que facilitem o acesso ao Petro. Também incentivam comércios a aceitarem a criptomoeda como forma de pagamento.

Recentemente, Maduro anunciou que já existem 100 mil estabelecimentos comerciais no país que aceitam a criptomoeda, incluindo uma nova parceria com a empresa Veneven, uma das maiores do sistema de emissão de cartões e sistemas de vale alimentação.

“Estamos numa etapa de ensaio e desenvolvimento para chegar a uma primeira etapa da economia digital”, reconhece o chefe de Estado. O próximo passo será criar um cartão de débito e crédito em petros, que já está em desenvolvimento. Essa poderia ser uma alternativa às constantes ameaças de que os sistemas VISA e Mastercard deixarão de operar no país.

A Associação Nacional de Criptomoedas propõe que os impostos sejam pagos em petros para incentivar o uso da moeda.

O governo também envia incentivos diretos para a circulação do dinheiro digital. Para o final de 2019, todos os aposentados do país receberão meio Petro de bonificação, assim como os trabalhadores da saúde e os servidores públicos.

 

Manuel Quevedo, ministro de Petróleo, Delcy Rodríguez, vice-presidenta, Nicolás Maduro, presidente e Tarek El Aisami, vice-presidente para economia durante novos anúncios sobre o Petro (Foto: Divulgação)

Plataforma Pátria

Dessa forma, junto ao Petro, criado em 2017, o governo lançou um plano de poupança em bolívares ancorados no rendimento da criptomoeda, que atualmente tem 3 milhões de pessoas inscritas. Uma delas é Tatiana Arcos Murillo, educadora, comuneira, que aprendeu como ter rendimentos financeiros através dos bônus sociais que recebe do governo nacional.

“Eu abri minha carteira em Petro [wallet] e no início não tinha entendido que o Petro iria valorizar e que poderia aumentar de valor com o tempo. Até que recebi uma mensagem pela própria plataforma Pátria que explicava que eu poderia passar minhas economias em Petro do sistema Pátria para minha wallet e foi o que eu fiz. Então me dei conta que era o mais acertado, porque com o tempo pagaram o rendimento que essa poupança havia gerado”, conta Murillo.

Qualquer venezuelano pode se cadastrar na plataforma Pátria, que serve para receber bônus sociais, que imediatamente podem ser transferidos para uma conta poupança em Petros, na mesma plataforma, é a chamada wallet.

Nessa wallet o valor depositado em bolívares aumenta ou diminui de acordo com a cotização do Petro. O Banco Central da Venezuela repassa essa variação para os afiliados ao plano nacional de poupança em Petros.

Caso o usuário não queira mais deixar seu dinheiro vulnerável às variações do mercado, pode transferir esse valor para a sua conta do sistema Pátria.

Nessa fase de desenvolvimento do sistema, o maior desafio é a popularização das criptomoedas. Para isso, Alejandro Blanco Toro, técnico em informática criou grupos em redes sociais para orientar usuários a render seu dinheiro através da criptomoeda venezuelana.

Em pouco mais de um ano, já possui quatro grupos na rede social WhatsApp e outro na rede social Telegram, todos com o mesmo nome: Petro Trading. Por ali Alejandro envia as cotações diárias do Petro, que são oferecidas pelo Banco Central da Venezuela, e orienta os usuários a enviarem suas economias para a sua wallet – quando o Petro está em alta – ou transferi-lo para outra conta – quando o Petro está em baixa.

 

 

Foi de dessa forma que, em menos de um mês, Talita investiu 30 mil e ganhou 338 mil bolívares (cerca de R$38).

É um trabalho de formiguinha pra fazer com que o Petro seja conhecido desde as bases.

“O que queremos com o Petro Trading é dar usabilidade e ressaltar a importância das criptomoedas”, afirma Toro. O sucesso foi tanto que um dos beneficiários do grupo financiará a criação de um site para o Petro Trading. No entanto, Alejandro Toro reconhece que ainda falta maior divulgação da moeda digital venezuelana.

“O Petro, distinto de outras criptomoedas, como o Bitcoin, não tem essa cobertura mediática. É um trabalho de formiguinha pra fazer com que o Petro seja conhecido desde as bases. Em um período a única pessoa que falava do Petro era o presidente Nicolás Maduro, por isso decidimos fazer algo. E que melhor forma de fazer isso senão pelas redes sociais? E além disso explicando da maneira mais coloquial possível, da maneira mais simples, porque as criptomoedas têm termos muito técnicos que nem todas as pessoas compreendem”, explica Toro, que começou a aplicar sua fórmula rendimento com bônus que recebiam seus familiares.

Formas de comprar Petro

Outra opção é comprar através do sistema Remessas Pátria, por onde as pessoas podem receber remessas financeiras do exterior em BitCoin ou LiteCoin, o Estado cobra uma taxa de 5% e em seguida deposita o valor do câmbio em Bolívar, respaldado em Petros.

Além do sistema Pátria, o governo também criou um aplicativo, o PetroApp, que foi banido das lojas GooglePlay, por conta do bloqueio econômico. Então também foram habilitadas as plataformas online dos bancos estatais para que os mesmos usuários possam manusear uma conta à parte, em Petros.

Pelo aplicativo, os usuários podem realizar compras, cambiar seus Petros por outras criptomoedas, divisas, bolívares ou até mesmo adquirir um novo imóvel, já que desde outubro o Executivo nacional autorizou a compra de bens imobiliários com o Petro.

“Eu acho muito interessante. O rendimento é tão bom que é superior ao que você pode conseguir em bancos públicos ou privados. Ao invés de gastar esse dinheiro que ganho com os bônus posso economizá-lo. Então essa plataforma termina sendo um incentivo à economia”, comenta Talita Murillo, moradora da Comuna Alivaca, no bairro Simón Rodríguez, zona central de Caracas.

Os venezuelanos ainda podem optar pela compra direta de Petros por meio da Superintendência de Criptomoedas (Sunacrip) para a modalidade de poupança ou podem adquiri-lo numa modalidade de compra e venda em 11 casas de câmbio autorizadas no país, as chamadas exchanges.

O rendimento é tão bom que é superior ao que você pode conseguir em bancos públicos ou privados.

Moeda paralela

Há quem compare o Petro ao Peso Conversível Cubano (CUC), uma alternativa criada em Cuba a partir da circulação descontrolada do dólar no país, que entrava pelo turismo ou envio de remessas. Um problema para um país que também sofre um bloqueio econômico e financeiro, que multa o Estado caso utilize a moeda estadunidense.

Desde 1994, circula na ilha o Peso Cubano Nacional (CUP) e o CUC, que equivale a um dólar ou um euro. No entanto, nenhuma das duas moedas cubanas têm aceitação no mercado exterior, diferente do Petro, que poderia ser a alternativa para o comércio nacional e internacional da Venezuela.

Por isso há quem diga que o Petro veio para substituir o Bolívar Soberano. Alejandro Toro desestima àqueles que acreditam que o Petro veio para enfraquecer a moeda nacional.

“O Petro não vem para substituir o Bolívar, vem para reforçar e dar o valor real à nossa moeda, porque sem o Bolívar não há Petro. Por isso dizemos que o Petro vem para salvar nosso Bolívar. O Petro é uma solução, quem não acredita no Petro não acredita em soluções”, conclui o técnico em informática.

Edição: Rodrigo Chagas