Paraíba

SÉRIE RELIGIÕES

Conheça a luta de Pai André por respeito e a resistência no Candomblé

Apesar dos preconceitos, ele segue firme lutando pelo direito de expressar sua fé

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Pai André de Oxalá. - Joel Cavalcante

Vivenciar a religião sem correr riscos de preconceitos é muito raro no Brasil de hoje, especialmente se a expressão de fé estiver relacionada com as de matriz africana. Pai André de Oxalá enfrenta cotidianamente desafios por ser sacerdote do candomblé e, além disso, conviver com uma igreja evangélica ao lado de seu Terreiro.
 
O Ilè Ajagunan Asé Òdò ti Fádáká fica localizado em Gramame, na zona sul de João Pessoa, bem próximo ao bairro de Valentina de Figueiredo. Pai André mora no mesmo espaço desde 2002, mas somente no ano de 2004, ele iniciou as atividades com a iniciação de seu primeiro filho de santo. 

Ele conta que desde o primeiro momento sofre preconceitos na vizinhança. Já jogaram pedras e bombas no Terreiro durante os toques. A polícia foi acionada várias vezes, mas não fez nada. Muitas vezes, durante as cerimônias religiosas, fiéis da igreja ao lado ligam caixa de som amplificada com música evangélica, fazem atividades ao mesmo tempo, com o intuito de atrapalhar as atividades da religião afro. 

Nem sempre a relação foi assim. Pai André ressalta que a igreja evangélica era numa rua contígua a do Terreiro, mas a pastora trouxe para o lado. Chama a atenção o fato de as portas dos dois templos serem bem próximas, ladeadas. 

“Isso gera constrangimento, até na hora que não está havendo culto. Tem momentos particulares da vida que a gente sai de casa, sai de casa, chega em casa, e todos os adeptos estão na frente nos momentos de cultos. Todo mundo olha pra gente com aquele olhar pejorativo. Além de ter tido diversas formas de inibir a gente, nossas funções. Em dias de função, eles fazem manifestações, orações desde às 5h, 6h horas, e passam o dia todo com ensaios. Às vezes tem atividades da igreja todos os dias da semana”, relata. 


Igreja Pentecostal A Terra é Santa ao lado do Ilè Ajagunan Asé Òdò ti Fádáká, sem nome devido uma reforma no terreiro. / Joel Cavalcante

Durante um tempo, Pai André negociou com a pastora para evitar os embates. No momento das cerimônias e festividades do candomblé, que são poucas durante o ano, não haveria atividades na igreja, e vice-e-versa. Contudo, não durou muito esse acordo. 

“As atividades do Ilè têm algumas que não tem toque, não tem o som dos instrumentos sagrados do candomblé. Mas tem as rezas, tem consultas de búzios pra clientes, pras  pessoas que procuram axé pra conforto espiritual e até material. Isso atrapalha muito (as atividades da igreja). Eu não quero ser intolerante. Eu gostaria de ter oportunidade de ter um espaço do meu tempo que fosse respeitado, que nas horas dos meus rituais o espaço fosse respeitado, e a porta da igreja que fica porta com porta com meu terreiro fosse relocada

Pai André com 43 anos de idade, foi iniciado no candomblé em 1998 na Casa Fanti-Ashanti, por Pai Euclides de Talabyan, em São Luis, capital maranhense. Viveu sua infância no bairro dos Novais, em João Pessoa, e relembra a convivência amistosa existente na época entre evangélicos, católicos, umbandistas e candomblecistas. Sua avó, católica, lhe arrumava para ir as festividades de Cosme e Damião, onde ganhava doces. Hoje, conta ele, isso é impensável na rua que mora. Tem vizinhos que não falam com ele, outros nem calçada do Ilè passam, e ainda os que ligam o som alto durante as atividades religiosas e saem de casa. 

Na região chegou a ter outros dois Terreiros. Um foi fechado porque o pai de santo morreu. O outro fechou as portas devido os preconceitos e a violência, chegando a receber disparos de armas de fogo. Segundo Pai André, a intolerância é muito forte em João Pessoa. “Eu viajo, vou pra São Luis, Recife, a gente vai pra outros lugares e não é tão violento quanto João Pessoa. Em momentos de rituais já foi jogado pedra de estrondar. Só sabe quem sente na pele, você dentro da sua casa, processando seu culto religioso e ser vilipendiado, violentado com uma pedra, uma bomba, com som ligado.”

Na Paraíba, de acordo com o Fórum de Diversidade Religiosa, nos últimos quatro anos ocorreu um aumento no número de casos envolvendo intolerância religiosa no estado. No ano de 2019, aumentou 5% em comparação com 2018. Uma pesquisa realizada pela Casa de Cultura Ilê Asé D'Osoguiã, junto com o Governo do Estado por meio da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (Semdh), revelou que na região metropolitana de João Pessoa existem 251 espaços religiosos funcionando em 107 bairros. Os dados são referentes ao cadastro socioeconômico e cultural de povos e comunidades tradicionais de matriz africana e comunidades de terreiros

O candomblé, para Pai André de Oxalá, “é uma filosofia de vida, é uma religião que trata das forças da natureza. Os orixás não mais são do que forças da natureza. Demonizar os orixás é demonizar a natureza, é demonizar a terra, o ar, o fogo, o vento. Orixá pra mim é divindade da natureza, é emanação de Olodumaré, Deus. Deus pode ser chamado por diversos nomes, nós chamamos de Olodumaré. No candomblé a gente aprende a lidar com a natureza, com essas energias, com as folhas, com as comidas que a gente faz pros orixás”.

Pai André, criado no Bairro dos Novais em João Pessoa, relembra as diferenças existentes durante a sua infância e os dias atuais. “Na frente da casa de minha avó tinha um terreiro, e tinham outros terreiros no bairro, tinha igreja evangélica, católica. Minha avó era católica. Naquela época a gente não percebia esse processo de intolerância com tanta violência. Minha mãe arrumava a gente para ir nas festas de Cosme e Damião, as festas da criança, e a gente ia. Hoje em dia não adianta fazer essas festividades porque as mães não deixam as crianças irem. É um processo de violência fora do comum.”

Diante de uma conjuntura social e política adversa, Pai André segue lutando no seu espaço para ter o direito de exercer sua fé sem qualquer intolerância e violência, lembrando que os antepassados lutaram bem mais do que hoje, sofreram bem mais, contudo resistiram. “Só quero ter meu direito respeitado”, finaliza. 
 

Edição: Heloisa de Sousa