Economia

Governo está perdido e medidas vão causar pandemia social, avalia economista

Especialista ouvida pelo Brasil de Fato afirma que as ações da equipe econômica vão agravar a crise do coronavírus

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Guedes, Bolsonaro e Mandetta em coletiva de imprensa - Sergio Lima/AFP

“A equipe econômica está completamente perdida”. A frase da economista Ana Luiza Matos de Oliveira, da Fundação Perseu Abramo, resume a percepção não só de especialistas, mas certamente de parte da população brasileira. Diante da crise global causada pela pandemia do coronavírus, as expectativas apontam para uma desaceleração consistente da economia mundial e o governo brasileiro não tem conseguido dar respostas à altura do desafio. 

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A insistência em optar por medidas que continuam a seguir no caminho da austeridade preocupa. Em todo o mundo, até mesmo representantes mais tradicionais do mercado defendem ações econômicas de amparo social. O Fundo Monetário Internacional (FMI) informou nesta segunda-feira (23) que vai ampliar fortemente os financiamentos emergenciais e que está pronto para usar toda a sua capacidade de empréstimos, que chega a US$ 1 trilhão. Mais de 80 países já pediram ajuda ao Fundo.

Na semana passada, a diretora gerente do FMI, Kristalina Georgieva, ressaltou a necessidade de ações coordenadas. “À medida que o vírus se propaga, a necessidade de um estímulo fiscal global coordenado e sincronizado é cada vez mais forte”, disse ela.

Anteriormente, a diretora de pesquisa do Fundo, Gita Gopinath, já havia dito que era necessário adotar medidas para garantir proteção à rede de relações econômicas e financeiras entre trabalhadores, empresas, financiadores, tomadores de empréstimos, fornecedores e consumidores. Gopinath foi além, afirmou que países ricos devem ajudar os que estão mais economicamente fragilizados. 

No Brasil, em transmissão online que reuniu representantes de grandes empresas, o fundador da XP Investimentos, Guilherme Benchimol, foi ainda mais radical e chegou a citar as medidas tomadas pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial para reconstrução dos países europeus. “Precisamos de um plano Marshall, uma bomba atômica, para que o Brasil não entre em caos social”, sentenciou.

Se até mesmo o mercado parece perceber a importância de ações consistentes, coordenadas e que levem em consideração a necessidade de investimentos públicos, a equipe econômica de Jair Bolsonaro (sem partido) patina. Para a economista Ana Luiza Matos de Oliveira, as respostas não são apenas insuficientes, mas também perigosas.

“As medidas que o governo vem tomando vão no sentido de agravar essa crise sanitária e aprofundar o abismo social e econômico que pode ser gerado. A gente tem uma pandemia causada pelo vírus e a forma com que o governo faz a gestão dessa questão internamente, vai nos levar a uma pandemia social e econômica também”, afirma.

Contramão do mundo

O Ministério da Economia brasileiro anunciou um plano emergencial de R$ 147,3 bilhões. No entanto, a maior parte das medidas antecipa receitas que já seriam gastas ao longo do ano e posterga despesas para os empresários. Não há injeção significativa de novos valores na saúde, e o ministro Paulo Guedes já informou que o governo não cogita rever o teto de gastos. Isso significa que os investimentos em saúde e em outras áreas sociais continuarão congelados por vinte anos, como determina a emenda do teto de gastos (EC 95), aprovada no governo de Michel Temer e defendida por Bolsonaro e sua equipe

Enquanto isso, países da União Europeia aprovaram a suspensão de regras da disciplina orçamentária, o que vai permitir que os governos aumentem gastos públicos em saúde. Ana Luiza Matos de Oliveira afirma que a resposta do Brasil vem sendo a pior possível.

“Quando isso tudo passar, o Brasil liderado por Jair Bolsonaro vai ficar conhecido como o país que ofereceu a pior resposta possível à crise, em termos sanitários, econômicos e sociais. O Brasil está tomando medidas na contramão de todos os outros países, na contramão do que o FMI está pregando, na contramão do que o Banco Mundial está falando. São órgãos comprometidíssimos com a questão da austeridade fiscal e estão dizendo que agora que é preciso gastar com saúde, gastar em proteção social e que a gente precisa proteger os vulneráveis”, analisa.

Confiança do mercado

O discurso recorrente do ministro Paulo Guedes para justificar medidas de austeridade sempre foi a necessidade de criação de uma suposta confiança no mercado. Se antes da crise do coronavírus o crescimento pífio do PIB já demonstrava que a tática não estava surtindo efeito, agora as coisas pioram. Ana Luiza avalia que a falta de comprometimento com a proteção social em um momento de crise global passa o pior dos recados para investidores.

“Há algumas semanas alguém perguntou ao Paulo Guedes sobre os impactos do coronavírus na economia do Brasil. Ele respondeu que as pessoas não precisavam se preocupar porque nós temos um sistema financeiro muito consolidado. Eu achei curioso, porque a pergunta não estava falando de sistema financeiro. A economia é muito mais do que o sistema financeiro. Economia diz respeito a conseguir colocar comida na mesa da sua família, conseguir pagar as contas e ter perspectivas de melhora na situação econômica. Se para essa economia real, as coisas já não andavam bem, agora, com todo esse caos que está se formando, a gente percebe que esse outro lado financeiro também está se desfazendo”, aponta.

Na opinião da economista da Fundação Perseu Abramo, Paulo Guedes não tem conhecimento e experiência em gestão pública. “Por trás dessa tentativa de criar otimismo nos mercados, que em parte é sim o papel de um ministro da economia, está uma leitura descolada da realidade”.

Futuro incerto

Frente aos impactos econômicos do coronavírus, o governo revisou a previsão de crescimento do PIB brasileiro. As expectativas, que já foram de 2,1%, foram praticamente zeradas, e agora estão em 0,02%. A economista avalia que o país chega enfraquecido ao enfrentamento das consequências que a crise global vai gerar. 

“Todas essas reformas que o Brasil fez desde 2016, a partir do arcabouço da austeridade, fizeram com que a gente chegasse a essa crise de uma forma muito mais vulnerável. Temos menos instrumentos para combater  a vulnerabilidade social, para combater debilidades que temos no Sistema Único de Saúde. Esse cenário de desmontes com a reforma trabalhista, a reforma da Previdência e a Emenda Constitucional do teto de gastos contribuem para que a gente esteja mais fragilizado perante à crise”, afirma.

A economista destaca ainda que, com a crise atual, fica cada vez mais nítido para a população que as medidas de austeridade prejudicam os interesses sociais. “Esse momento que a gente está mostra que várias forças estão se unindo e estão vendo que muitas dessas regras que foram colocadas são medidas que nos impedem de tomar decisões necessárias em momento de crise”.

Durante a conversa de Ana Luiza Matos com o Brasil de Fato, o governo enfrentava as repercussões de uma decisão que permitiria a suspensão de salários por quatro meses e deixava a cargo do trabalhador a negociação com os patrões sobre essa possibilidade. Ao longo da manhã, o termo Bolsonaro Genocida, chegou a figurar entre os assuntos mais comentados do Twitter. No meio da entrevista, a economista foi informada de que Bolsonaro havia voltado atrás na decisão. Novamente um recado de que o governo está desorientado.

“Uma MP que não durou nem 12 horas. O governo está perdido! Tentando ajudar o governo a pensar, tem vários grupos de economistas que estão se juntando e apresentando propostas. Houve um manifesto dos professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, um manifesto da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um estudo do Instituto de Economia da Unicamp. A gente elenca algumas medidas que a gente entende que deveriam ser tomadas no longo prazo e no curto prazo para passar por essa crise de uma forma mais suave. A gente está tentando falar e pressionar sobre isso, porque parte desse 'volta atrás' do Bolsonaro, é também por pressão e nós temos que continuar”, defende.

Edição: Vivian Fernandes