Isolamento Social

Entenda por que e quando uma cidade precisa de bloqueio total, o chamado lockdown

Fortaleza se tornou a terceira capital do país a aderir à medida nesta sexta-feira (8), depois de São Luís e Belém

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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A adoção do lockdown ajuda a diminuir a quantidade de pessoas que vão precisar de hospital - Michael Dantas/AFP

O Brasil bateu o recorde no números de novas mortes por covid-19 em 24 horas: foram registrados 610 óbitos em todo o país. Na madrugada desta sexta-feira (8), o Brasil atingiu a marca de 9.159 falecimentos e 136.623 casos confirmados, conforme dados do Ministério da Saúde. São aproximadamente 65 casos por 100 mil habitantes, com uma letalidade de 6,7%. 

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Em algumas regiões do País, a situação é mais crítica e vem impondo às autoridades públicas o chamado lockdown. O termo é uma expressão em inglês e, ainda que não tenha uma definição única, pode ser traduzido para o português como “fechamento total” ou “confinamento”.

No Brasil, Fortaleza começou a colocar em prática a medida nesta sexta-feira (8), sendo a terceira capital a adotar o lockdown, depois de Belém e São Luís. Na capital cearense, já foram registrados 694 óbitos, 9.669 casos confirmados e uma letalidade de 7,2%. Ao todo, são 15 cidades dos três estados: Pará, Maranhão e Ceará.

O que é

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Quando é imposta pelo poder público, cada governo deve decidir como se dará o lockdown, definindo, por exemplo, quais são os serviços essenciais que permanecem abertos. Em Fortaleza, por exemplo, podem funcionar transporte público, farmácias, supermercados, padarias, bancos, lotéricas e clínicas veterinárias. Para sair de casa, no entanto, é necessário portar alguns documentos, como comprovante de residência, para as autoridades verificarem se o trajeto é curto ou longo, e crachá, fardamento ou declaração do empregador para aqueles profissionais de serviços essenciais.

Raquel Stucchi, integrante da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que o momento de se pensar em lockdown é quando há um aumento expressivo do número de casos e, consequentemente, de óbitos, e uma estrutura hospitalar insuficiente para atender à demanda.

“É necessário o lockdown porque, na hora que se tira forçosamente as pessoas, obrigando a todas que fiquem em casa, há a diminuição da velocidade de transmissão; logo, a diminuição das pessoas que vão precisar de hospital”, afirma Stucchi.

Ela alerta, no entanto, que as autoridades e a população brasileiras precisam compreender que a medida não tem um efeito imediato. Isso porque, mesmo depois de duas semanas da implementação do lockdown, ainda irão aparecer novos casos de covid-19, uma vez que o diagnóstico pode acontecer até 15 dias após a contaminação. 

Stucchi afirma que o isolamento social como tem sido praticado seria suficiente se a população respeitasse à risca a medida, o que não tem ocorrido. As taxas de isolamento que deveriam se manter entre 60% e 70% estão entre 40% e 50%, por exemplo, no estado de São Paulo, onde a implementação do lockdown não está descartada. 

Isso mostra que “o lockdown é adotado quando começa a aumentar muito o número de casos e depois que o isolamento social foi tentando, porque aí se tem com o bloqueio total a proibição e mecanismos de punir aqueles que estão saindo”. E ela faz um pedido à população: mesmo com o bloqueio total, é necessário manter o distanciamento social, a lavagem das mãos e o uso de máscaras.

Punições

Para aqueles que descumprirem a decisão, em Fortaleza, por exemplo, serão enquadrados no artigo 268, do Código Penal, que trata de “infração de medida sanitária preventiva”. De acordo com a legislação, “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa” pode resultar em “detenção, de um mês a um ano, e multa”. Stucchi, no entanto, traz críticas para a decisão de aplicar multas. “As pessoas estão na fila do banco porque precisam dos R$ 600,00 muito para sobreviver, então não adianta uma multa de dinheiro”, afirma a especialista.

Ainda assim, com exceção das medidas punitivas adotadas, ela acredita na necessidade de implementação do lockdown “porque, até agora, ao que parece, mesmo em lugares que tem uma tragédia de número de óbitos, parece que as pessoas não perceberam que deveriam fazer uma adesão como deveria ser”, lamenta. 

Lockdown em outros municípios

Na próxima semana, a medida começa a valer também em Niterói, no Rio de Janeiro, mas apenas entre os dias 11 e 15 de maio, com a possibilidade de prorrogação. Quem furar o lockdown pode receber uma multa de R$ 180. Outras cidades têm estudado a possibilidade de implementar a medida, como São Paulo e Rio. O governador carioca Wilson Witzel (PSC) afirmou, na noite dessa quinta-feira (7), que "está elaborando um estudo com propostas para subsidiar uma possível adoção de medidas mais restritivas de isolamento” no estado. Entre as possíveis propostas estão o bloqueio de estradas e a proibição de circulação de pessoas e veículos particulares, com exceção daqueles que se deslocam para atividades essenciais. 

Um dia antes, na quarta-feira (6), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) enviou ao Ministério Público do Rio (MPRJ) uma recomendação para a adoção de lockdown do estado, onde foram registrados 1.394 óbitos e 14.156 casos até a madrugada desta sexta-feira, de acordo com o Ministério da Saúde. Os dados revelam uma das maiores taxas de letalidade do País, 9,8%.

Na cidade de São Paulo, o prefeito Bruno Covas não descartou a possibilidade de lockdown. "O critério objetivo é a recomendação da Secretaria de Saúde, eles que analisam os índices, os números, a evolução da doença, o que é necessários ser feito, sabem o que o lockdown significa, quais sãos os efeitos para além da questão sanitária, para área econômica, então, assim que a secretaria de saúde apontar que deve ser feito isso ou dever ser feito aquilo, nós faremos", explicou em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (6). A capital paulista tem sido o epicentro da doença no País, com 1.986 óbitos, 24.273 casos confirmados e uma letalidade de 8,2%.

Brasil no ranking

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em um estudo divulgado no último domingo (3), apontou que o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking dos países com mais casos em 24 horas. Diante do cenário, o Comitê Científico do Consórcio Nordeste publicou um boletim no qual recomenda, aos estados e municípios que atingiram 80% da capacidade de atendimento nos hospitais, medidas mais restritivas de circulação, como o lockdown.

Na mão contrária, o presidente da República, Jair Bolsonaro, ao lado de empresários e ministros, caminhou até o Supremo Tribunal Federal (STF) para solicitar ao presidente da Corte, Dias Toffoli, que tome alguma medida para ajudar na reabertura das atividades econômicas. Para Raquel Stucchi, medidas que sinalizem para tal objetivo são um “desserviço” para a população.

Edição: Camila Maciel