Educação

Mobilização pelo adiamento do Enem marca um ano do Tsunami da Educação

Protesto será na sexta-feira (15); UNE entrou com um mandado de segurança no STJ pedindo a mudança do cronograma

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Entidades argumentam que manutenção do calendário da prova prejudicará estudantes mais pobres; 52% da população das classes D e E não tem acesso à internet - Tomaz Silva/Agência Brasil

Na próxima sexta-feira (15), a União Nacional dos Estudantes (UNE) está organizando uma mobilização nacional por meio das redes sociais contra a manutenção do calendário do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano. A organização defende o adiamento da data da prova por conta da pandemia do coronavírus.

A data escolhida para a mobilização, marca um ano do protesto de 2019 que ficou conhecido como o Tsunami da Educação, que registrou as maiores manifestações de rua do último ano. 

Nesta segunda-feira (11), o Ministério da Educação abriu as inscrições para o Enem, em meio a pedidos de adiamento por todo o país, em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus.

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De acordo com Iago Montalvão, presidente da UNE, a decisão da pasta não considera as condições enfrentadas pelos estudantes, principalmente aqueles das redes públicas de ensino, durante a pandemia. 

“São milhões de estudantes que se preparam para essa prova e com uma insensibilidade total do Ministério da Educação em não adiar as datas, sendo que os estudantes estão com as aulas suspensas. E justamente aqueles estudantes mais pobres é que, nesse momento, se prejudicam, porque não têm as condições necessárias para estudar em casa”, argumenta Montalvão.

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A entidade estudantil propõe o adiamento das provas e a criação de um grupo de trabalho formado por entidades da educação, estudantes, professores, pesquisadores em educação e secretários de educação dos estados para discutir novas datas que levem em consideração condições de estudo mais adequadas. “A nossa proposta é justamente esse adiamento por algum tempo para que se tenha uma redução das desigualdades”, defende Montalvão. 


Segundo a apuração da Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE), mais de um milhão de pessoas participaram das manifestações de 15 de maio de 2019 / Caroline Oliveira

Isonomia e falta de diálogo

Para João Carlos Salles, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o Enem “precisa garantir condições de isonomia de oportunidades, preparação adequada e não pode ser um instrumento de afastar pessoas que poderiam estar entrando na universidade”.

A Andifes, junto com outras entidades, também deve lançar um documento em breve solicitando a suspensão do cronograma do exame. Afinal, defende Salles, “é uma ilusão imaginar que todos os estudantes estão tendo acesso e preparação adequada para o exame”.

A nossa proposta é justamente esse adiamento por algum tempo para que se tenha uma redução das desigualdades

O presidente da UNE alerta também para a postura autocrática do Ministério da Educação, que se nega a dialogar com a sociedade civil. “Absolutamente todos os setores que dialogam sobre esse tema, sejam as entidades de estudantes, de professores, Conselho Nacional da Educação, parlamentares da educação, todo mundo já se posicionou pelo adiamento. Quer dizer, o único que fica defendendo [a prova] de forma absolutamente isolada é o próprio ministro”.

Sobre isso, o reitor da UFBA afirma que a posição do MEC expressa um "interesse ideológico". "A comunidade científica está se posicionando sobre isso. Um governo que volta as costas à orientação da comunidade científica corre o risco de ter uma prática obscurantista”, explica o professor. 

 “[Manter o calendário é] um risco à saúde ao acesso à universidade e, aliás, um prejuízo à própria imagem que o Enem tem como forma de nacionalmente ter um parâmetro comum para ingresso dos estudantes nas universidades”.

Na mesma linha, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), ao lado dos alunos, também solicitou a mudança do calendário divulgado em decorrência da pandemia de covid-19. Em nota, o órgão afirmou que a manutenção das provas aprofundarão as desigualdades entre os estudantes das escolas públicas e aqueles de instituições particulares. 

“Mesmo considerando as soluções e ferramentas que estão sendo implantadas nas redes privadas e públicas para minimizar as perdas do período de suspensão das aulas presenciais, elas não chegarão para todos os estudantes brasileiros, especialmente os mais carentes", afirmam os secretários.

Mandado de segurança

Nesta segunda-feira (11), a UNE, ao lado da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), protocolou um mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ), solicitando o adiamento do Enem.

Montalvão explica que as entidades fundamentaram o pedido com base na “questão da desigualdade, da dificuldade do acesso à internet, até nas próprias inscrições, e esperamos que isso também possa dar algum resultado".

"Tudo isso depende também da pressão da sociedade, do envolvimento da sociedade, que é como a gente tem tentado construir essa luta, envolvendo os estudantes e o máximo de setores possíveis para defender essa pauta”, finaliza. 

Também nesta segunda-feira, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu um prazo de cinco dias para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão responsável pelo Enem, se manifestar sobre o cronograma das avaliações. O ministro do TCU, Augusto Nardes, afirma, no despacho, que a pandemia causada pelo novo coronavírus implica na necessidade alteração do calendário das provas.

A manifestação de Nardes responde a uma representação dos deputados Idilvan Alencar (PDT-CE) e Túlio Gadêlha (PDT-PE) na qual pedem a suspensão do cronograma. “[Uma] geração de novos profissionais não será perdida por atrasar, em alguns meses, o calendário do Enem. Mas milhões de estudantes sem acesso à internet serão prejudicados se o calendário for mantido”, afirmou Gadêlha no Twitter. Alencar defendeu que “manter a data prejudica milhões de estudantes que não têm acesso à internet para fazer sua inscrição e se preparar para o exame”. 

Tudo isso depende também da pressão da sociedade, do envolvimento da sociedade, que é como a gente tem tentado construir essa luta.

Segundos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de agosto de 2019, pouco mais da metade da população mais pobre do Brasil não tem acesso à internet: 52% das classes D e E. Diante da situação de desigualdade socioeconômica, que se reproduz em outros lugares do mundo, entre os 19 países que têm avaliações semelhantes ao Enem, apenas cinco mantiveram o cronograma. Um deles é o Brasil.

Edição: Rodrigo Chagas