Governabilidade

Por que Bolsonaro busca aliança com centrão, grupo que considerava "o que há de pior"

Brasil de Fato conversou com parlamentares do Centrão, da oposição e da base para saber mais sobre essa aproximação

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

Das eleições em 2018 para o primeiro semestre de 2020, no entanto, o tom de Bolsonaro mudou em relação ao Centrão - Antonio Cruz/Agência Brasil

Desde a sua campanha presidencial nas eleições de 2018, Jair Bolsonaro critica o bloco de partidos conhecido como “centrão” do Congresso Nacional.

Quando o então candidato pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Geraldo Alckmin, recebeu apoio do bloco, o capitão reformado afirmou que o tucano havia se cercado “do que há de pior” da política brasileira.

No mesmo tom, em uma entrevista para a Band, em julho de 2018, Bolsonaro afirmou que as negociações com o centrão como forma de “segurar a governabilidade” deveriam acabar. “Ou a gente quebra ou não quebra. 'Ah, mas vão cassar seu mandato e pedir impeachment'. Não vai ser por omissão e nem corrupção. Esse é o recado que estou dando."

Das eleições em 2018 para o primeiro semestre de 2020, no entanto, o tom mudou: Bolsonaro não aparece mais criticando o bloco de parlamentares. Pelo contrário, a fim de aumentar a sua base de apoio no Congresso Nacional, ele começa a lotear os órgãos de segundo escalão do governo, o que já ocorre em algumas nomeações ligadas ao centrão, desde o início de maio. 

No Ministério da Educação, Garigham Amarante Pinto foi nomeado para a Diretoria de Ações Educacionais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), cujo orçamento é de R$ 55 bilhões. Pinto tem como padrinhos políticos o deputado federal Wellington Roberto (PL-PB) e Valdemar Costa Neto, ex-deputado federal e ex-líder da sigla por 13 anos.

Para o Ministério de Desenvolvimento Regional, o líder do Partido Progressista, Arthur Lira (AL), e o senador da sigla, Ciro Nogueira (PI), apadrinharam Tiago Pontes de Queiroz para a Secretaria Nacional de Mobilidade, que será o gestor de um orçamento de R$ 17,2 bilhões.

No Departamento Nacional de Obras Contra Seca (Dnocs) do ministério, Fernando Marcondes Araújo Leão, por indicação também de Lira e do deputado Sebastião Oliveira (PL-PI), irá administrar um fundo de R$ 1 bilhão.

Para a Superintendência de Trens Urbanos do Recife, Carlos Fernando Ferreira da Silva Filho vai gerenciar R$ 1,1 bilhão, por indicação do líder do Partido Social Cristão na Câmara (PSC), André Ferreira (PE). 

Juntas, somente as quatro indicações do centrão irão gerenciar R$ 74,6 bilhões em recursos públicos, sem contar as nomeações para o Conselho da Usina Hidrelétrica Itaipu Binacional do ex-ministro do governo de Michel Temer, Carlos Marun, e o ex-deputado federal, José Carlos Aleluia (DEM-BA), citado na delação da Odebrecht. 

Qual é a avaliação dos parlamentares sobre a relação de Bolsonaro com o centrão?

O deputado federal João Campos (GO), do Partido Republicanos, sigla considerada por muitos como integrante do bloco, avalia a mudança de tom com “bons olhos, de forma positiva” e considera que ela “ocorre em favor do país”.

Ele defende que esse tipo de aliança ocorre em todas as democracias do mundo e aqui não seria diferente, principalmente devido ao fato de que “os partidos chamados partidos de centrão são de direita ou centro-direita, logo, são partidos que, de alguma forma, do ponto de vista, portanto, de ideologia, têm identificação com aquilo que defende o presidente da República”.

Outro deputado federal de um partido considerado do centrão, Ricardo Barros (PR), do Partido Progressista (PP), afirma que Bolsonaro se deu conta de que governar com as frentes parlamentares “não resolve o problema de articulação do governo” e defende que é necessário conversar diretamente com os partidos e líderes das siglas.

Em fevereiro de 2019, Barros já havia de pronunciado sobre o assunto, relacionado à governabilidade, ao postar em seu perfil no Twitter um recado a Bolsonaro: “ouvir o que líderes do Congresso já manifestaram ajudaria muito para um Brasil melhor”, na época da votação da Reforma da Previdência e do Pacote Anticrime.

Barros, que também foi ministro da Saúde no governo de Michel Temer, afirma, no entanto, que “não há na prática nenhuma mudança no comportamento do presidente" em sua relação com o parlamento.

“Apenas em vez dessa relação ser com as frentes parlamentares está sendo com os partidos, mas ele já vinha se relacionando e fazendo esta articulação e parceria com ex-parlamentares e pessoas indicadas pelas frentes parlamentares”.

Diferente dos dois deputados considerados do centrão, a deputada Alê Silva (MG), do Partido Social Liberal (PSL), que levou Bolsonaro à Presidência, acredita que houve uma mudança no comportamento do Poder Executivo e que vê tal fato como “um mal necessário” para avançar nas votações das pautas da Presidência no Congresso Nacional.

“Nós tentamos por mais de um ano lutar contra o centrão. Não conseguimos. Agora o negócio também não é se unir a eles, não. Em nome do país, para que as pautas do governo federal sigam adiante, eu compreendo perfeitamente que devem haver concessões para o país não falir. É um ato de legítima defesa”, afirma Silva.

A deputada defende que o PSL tentou convencer os parlamentares do bloco político “que o mais honesto seria eles entenderem que as nossas demandas eram as mais justas, republicanas. Mas infelizmente eles não entenderam. É um pessoal que não vota de acordo com as suas próprias convicções”. 

Para ela, quem tem de ser criticado por isso não é o presidente da República, “é quem exige essa negociação". Quando questionada se a aproximação parte do centrão em direção ao presidente, ela diz: “Com certeza”.

“Mas volto a te dizer: é ilegal? Não é. Pode ser imoral. Agora, essa imoralidade não reside no presidente da República, vamos deixar bem claro isso. Essa imoralidade pode estar residindo junto a essas lideranças do centrão, junto a esses deputados que sempre estão exigindo esse tipo de benesse”, afirma Silva. 

Por fim, a parlamentar mineira classifica essas concessões "como um ato de legítima defesa". "Se você fosse presidente da República, o que você faria? Você deixaria o seu país falir ou você cederia a essa pressão?”, questiona. 

Outro deputado federal do PSL, Bibo Nunes (RS), que uma vez “brigou feio” com um líder do centrão ao defender o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, como afirmou em seu Twitter, no dia 27 de abril, considera “normal” um governo ceder cargos para que partidos também possam governar.

Nunes nega, no entanto, qualquer cargo político quando relaciona indicações diretamente a dinheiro.

“Eu, por exemplo, não me importo com cargos. Eu não tenho nenhum cargo. Nenhum cargo até hoje eu usei. Eu sou o deputado federal mais votado do Rio Grande do Sul do governo e nunca peguei um cargo sequer. Nunca indiquei ninguém para cargo nenhum. Eu não vejo fazer política com cargo e com dinheiro. Isso eu não faço.”  

Nunes vê a aproximação entre o presidente e o bloco de forma diferente. Para o gaúcho,“o governo não pratica o toma lá da cá, não tem toma lá da cá. É normal que eu preencha cargos com pessoas que estão me apoiando, eu não vou dar cargo para a Maria do Rosário, para o Freixo, por exemplo”.

Seja vista como parte de um “toma lá da cá” pela ótica da imoralidade ou de uma aproximação natural de interesses, a relação do governo com o centrão divide opiniões entre os parlamentares.

Para o deputado federal e ex-líder do governo na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO), o Palácio do Planalto tem motivos para a aproximação: as derrotas recentes em votações de medidas provisórias, como a MP 910, e o avanço das investigações de uma suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, que pode desembocar em um processo de impeachment no Congresso Nacional

“O governo viu que tem a necessidade de dobrar os joelhos para o centrão, porque não vai conseguir conviver sem o centrão, e para isso tem disponibilizado espaços estratégicos, onde se administra alguns milhões, é uma mudança de postura”, defende Waldir, para quem o governo e o bloco “devem ter tido uma indigestão muito grande” para superar os conflitos. 

Para Waldir, o que fica “muito evidente” a partir desse novo rearranjo de forças na política é o afastamento da pauta do combate à corrupção.

“Eu acredito que faça parte do pacote, essa parceira com o centrão, o afastamento do Sergio Moro e do ex-diretor da Polícia Federal, isso faz parte do mesmo pacote.”

Segundo o delegado, Bolsonaro manteve Moro como “uma primeira dama, alguém sem expressão”, e isso ficou claro quando o governo “em nenhum momento trabalhou para aprovar o pacote anticrime”, como já havia demonstrado o deputado Ricardo Barros, no Twitter.

“O governo usou isso [Moro e a pauta anticorrupção] enquanto foi produtivo para ele. Mas nesse momento, quando os amigos e os filhos estão em perigo, ele se afasta completamente”, afirma o parlamentar do PSL. 

Da oposição, o senador Humberto Costa (PT-PE) vai na mesma linha do Delegado Waldir ao apontar que cresce, entre os parlamentares, o sentimento da necessidade do afastamento do presidente da República por meio de um impeachment.

“Por essa razão agora ele vai em busca do centrão que foi amaldiçoado pelos bolsonaristas durante toda a campanha eleitoral, que foi utilizado como exemplo de que tipo de política não poderia ser praticada no nosso país, e agora se vê em busca do centrão para tentar evitar o processo de impedimento. É o fim de um discurso de que esse segmento da extrema-direita praticaria um tipo de política diferente”, afirma Costa.

A aproximação entre Bolsonaro e centrão na visão de cientistas políticos

Para Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria, a reversão de discurso e prática bolsonaristas se devem ao risco de interrupção do mandato presidencial. 

“Mais do que uma coalizão propositiva de implementação de programas, me parece que é mais uma busca de apoio para se contrapor ao movimento marcado por alguma perda de popularidade e por questionamentos e disputas no âmbito jurídico", afirma.

Na mesma linha, também para Humberto Dantas, cientista político e coordenador da pós-graduação em Ciência Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), para barrar possíveis processos de impeachment, Bolsonaro se associa ao centrão por uma questão de sobrevivência se associa, justamente o bloco “que este governo afirmou sempre como sinônimo absoluto e indissociável de corrupção que nunca sentaria para negociar”, ressalta.

Para Dantas, associar a política, mais do que o centrão, à corrupção é um “discurso populista, fácil para ganhar os corações das pessoas. 

“Política é, sim, sinônimo de negociação, não existe política sem negociação. O que pode existir é política sem negociações corrompidas ou corruptíveis ou extremamente corrompidas ou corruptíveis”, afirma Dantas. 

Contra isso, ele defende que “a gente precisa de Justiça”. “E um presidente da República nunca será o sujeito a ofertar Justiça, mas o presidente da República pode ter semblante de justiceiro, e é o que nós temos claramente o Brasil: um justiceiro tomando conta do país e demonizando a política como se dela ele não fizesse parte há cerca de 30 anos.”

Afinal, o que é e o que representa o centrão no sistema político-partidário brasileiro?

As explicações sobre a aproximação de Bolsonaro ao centrão, ou o contrário como defende a deputada Alê Silva, giram em torno do significado desse bloco dentro do sistema político-partidário brasileiro.

Segundo o cientista político Rafael Cortez, o centrão, formado também pelo o que é conhecido como baixo clero, de onde surgiu Bolsonaro, é um ator fundamental, uma vez que representa a maioria dentro das casas legislativas. Na Câmara dos Deputados, onde a divisão do bloco é mais explícita, são cerca de 200 dos 513 parlamentares.

Ao se organizarem, têm um papel fundamental na governabilidade do Poder Executivo, explica Cortez.

“Uma vez pensando no governo, a governabilidade passa por essa capacidade de fazer a mobilização dessas legendas para buscar maiorias. A incapacidade dos líderes em mobilizarem esses partidos é quase que um sinônimo de perda de agendas”, explica o cientista político.

Segundo Cortez, o Centrão ganhou muito espaço na maneira como a política é estruturada. Esse bloco não tem ambição de disputar pela cadeira do Executivo. Ao contrário, foca no Legislativo, sem uma identidade partidária e com o menor “custo reputacional”, o que permite um trânsito mais dinâmico de apoio a governos e agendas.

Isso “retrata dilemas em relação ao sistema partidário brasileiro”, porque este não é formado por legendas “com capacidade organizacional ou identidade minimamente reconhecida pelo eleitorado”, na maioria das vezes, o que faz surgir um bloco como o centrão.

“A força dessas legendas retrata justamente essa fragmentação, o impacto dessas legendas no sistema reforça justamente o efeito dessa fragmentação e da falta de partidos com identidades junto ao eleitorado”, afirma Cortez.

O termo “centrão” surgiu depois da Constituinte de 1988, quando, no governo de José Sarney, começou-se a trocar as agendas de parlamentares por concessões de rádio e televisão, sob o comando do então ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães.

A configuração mais atual do Centrão reúne o Partido Progressista (PP), Partido Liberal (PL), Republicanos, Solidariedade, Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Social Democrático (PSD), Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Democratas (DEM), Partido Republicano da Ordem Social (PROS), Partido Social Cristão (PSC), Avante e Patriota.

Alguns parlamentares dessas siglas negam fazer parte do centrão, mas a trajetória política no Congresso Nacional mostra afinidade com o bloco.

Foi esse mesmo bloco que deu apoio decisivo ao impeachment da ex-presidenta petista Dilma Rousseff e à derrubada do processo de impedimento contra o ex-presidente emedebista Michel Temer.

Edição: Leandro Melito