Sinal vermelho

"Sem atenção ambiental, Brasil patina no mesmo lugar", alerta pesquisadora da Unicamp

No programa Bem Viver, Maria Cristina Souza faz alerta sobre emissão de gases no país, que segue no contrafluxo mundial

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Brasil teve queda de 33% entre março e abril na emissão de dióxido de nitrogênio, gás poluente associado à queima de combustíveis fósseis, mas emissão deve subir entre 10% e 20% ao final de 2020 - Arquivo/Agência Brasil

Entre março e abril deste ano algumas regiões metropolitanas registraram queda de 33% em relação ao mesmo período do ano passado no que se refere à emissão de dióxido de nitrogênio, gás poluente associado à queima de combustíveis fósseis. São Paulo (SP), Curitiba (PR), Rio de Janeiro e Vitória (ES) estão entre os pontos do país que sofreram esse impacto, no embalo da retração econômica.  

Apesar disso, os prejuízos ambientais não param de se acumular: as projeções indicam um aumento de 10% a 20% nas emissões de gases de efeito estufa no Brasil ao final de 2020 no comparativo com 2018 – último ano para o qual há dados disponíveis. Paralelamente, as emissões mundiais tendem a registrar baixa de 8% no período.

Nesta sexta-feira (17), data celebrada como o Dia de Proteção às Florestas, a reportagem do Brasil de Fato mostra como os efeitos da pandemia de coronavírus no Brasil chegaram também ao meio ambiente.

O descompasso brasileiro em relação ao cenário mundial é um dos destaques dos últimos boletins produzidos pelo Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade de Campinas (Unicamp).

Em conversa com o programa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato, a respeito do tema, a pesquisadora Maria Cristina Oliveira Souza tratou sobre esse e outros pontos e alertou: “Temos que pensar na parte social e ambiental porque, sem isso, o Brasil vai ficar patinando sempre no mesmo lugar”. Confira a seguir a entrevista na íntegra.

Brasil de Fato: Qual a relação entre o dióxido de nitrogênio e o chamado “efeito estufa”?

Maria Cristina Oliveira Souza: O dióxido de nitrogênio não é um gás de efeito estufa, mas é poluente e emitido pela queima de combustíveis fósseis e pela atividade industrial e de produção energética. Então, ele é considerado um dos principais indicadores de nível industrial do país. Uma vez que os gases de efeito estufa são emitidos pelas mesmas atividades, é possível argumentar que se tenha conseguido uma redução, assim como a do dióxido de nitrogênio.

Essa baixa foi um fenômeno pontual ou ela vem se mantendo? O que vocês têm observado nas pesquisas?

No Brasil, foi bem pontual, mais no começo da pandemia, que teve uma pausa mesmo da atividade industrial. As pessoas começaram a utilizar menos transporte, então, a gente viu que foi bem pontual e, agora, começou a aumentar.

Apesar dessa diminuição no setor de transporte e da atividade industrial, o Brasil teve um percentual maior das emissões se comparado com o ano de 2018, que é o último ano que a gente tem acesso aos dados. Isso devido muito ao uso da terra, tanto no setor de agropecuária quanto no setor de mudanças dentro da Terra, principalmente por causa do desmatamento. 

Em 2018, o Brasil foi o 6º maior emissor de gases de efeito estufa (GEE) no ranking mundial e conta agora com uma previsão de crescimento de 10% a 20% nesse quesito este ano por conta do desmatamento, que continua mesmo na pandemia. Que alertas isso nos traz?

Essa porcentagem é muito preocupante porque nos últimos anos já teve aumento do desmatamento no Brasil, e, no momento, todos os países estão regredindo suas emissões, tanto que a média mundial é de decréscimo de 6%, e aqui tem esse efeito de crescer. É muito preocupante pro país. Se a gente pensar nas metas que o Brasil tem pro Acordo de Paris, que traz como uma das principais propostas a redução do desmatamento na Amazônia, o país não está fazendo nada pra conseguir atingir essa meta.  

Qual o impacto que esse cenário traz pra Amazônia? E qual o impacto também que os prejuízos à Amazônia trazem pra todos nós?

A gente percebe que, no caso da Amazônia, as populações vulneráveis ficam mais vulneráveis ainda porque o desmatamento, a partir das queimadas, pode produzir uma fuligem que é prejudicial pra quem tem problemas respiratórios e, portanto, pode aumentar a demanda da população [junto] aos hospitais.

Isso é muito preocupante porque a gente sabe que o Brasil todo já está trabalhando com uma carga muito alta de leitos [preenchidos], precisando de mais leitos por causa da covid.  

A biodiversidade da Amazônia também é muito importante pra barrar doenças. Então, isso quer dizer que a gente tem muito a ganhar preservando a Amazônia e também os outros biomas brasileiros.

E, pras outras regiões, é importante porque a Amazônia é riquíssima na flora e na fauna. Além disso, ela é um termostato, ajuda também na preservação da temperatura em outras regiões do país e também ajuda no nível de pluviosidade, os níveis da chuva.

A biodiversidade da Amazônia também é muito importante pra barrar doenças. Então, isso quer dizer que a gente tem muito a ganhar preservando a Amazônia e também os outros biomas brasileiros.  

Diante de tudo o que vocês têm pesquisado, algumas reflexões se sobressaem. Qual seria o alerta principal pra nós, cidadãos do Brasil, levando em conta que todos estamos direta ou indiretamente relacionados a esse debate?

Eu diria que a gente tem que ter mais união e pensar realmente que a Amazônia e todos os outros biomas brasileiros são uma preciosidade pra nós. Em outros países não se consegue pensar tanto em biodiversidade como a gente tem aqui no país. E [temos] que pensar também que a Amazônia é um patrimônio mundial. Se ela virar uma savana, um deserto, vai alterar tanto o clima do Brasil quanto o clima do mundo, e a gente não pode fazer agora, no nosso novo normal, um desenvolvimento econômico a todo custo. A gente tem que pensar na parte social e ambiental porque, sem isso, o Brasil vai ficar patinando no mesmo lugar. A gente percebe que há novos tipos de economia que podem ser colocados em foco e que não visam somente ao lucro.

Qual o peso do agronegócio neste cenário? O setor é tido como um braço importante do governo Bolsonaro, tanto nos aspectos político quanto econômico...

Um peso muito grande porque foi através dele também que a gente viu a discussão de medidas infralegais em 2020. A gente viu que o Ministério do Meio Ambiente fez vários decretos que podem favorecer o agronegócio, mas também deslegitimar todas as lutas que as populações mais vulneráveis e também a sociedade tiveram com o meio ambiente.

Por exemplo, a gente teve, em fevereiro, a anulação de uma regra que define a autarquia da autorização para a venda de carregamento de madeiras no país.

Em abril, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicou uma instrução normativa autorizando o encurtamento da distância entre áreas povoadas e aquelas em que ocorre a pulverização de defensivos agrícolas [agrotóxicos]. A gente teve a MP [Medida Provisória] da Grilagem também, então, precisa realmente pesar o favorecimento do agronegócio perante todos os biomas, não só a Amazônia.

O salto que vem sendo projetado pra emissão de gases no Brasil nos permite algum tipo de comparação com outros países? Como está o país naquilo que se refere aos movimentos mundiais relacionados a essa questão?

A repercussão brasileira no cenário internacional está muito ruim. A gente percebeu, desde junho, que vários investidores em ativos brasileiros promulgaram declarações nas embaixadas em outros países [dizendo] que, no caso de o Brasil não fazer leis mais severas contra o desmatamento, eles vão parar de investir aqui.

Além disso, como o Brasil é o 6º maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, é uma preocupação mundial que ele consiga atingir as metas que promulgou no Acordo de Paris, como o desmatamento zero na Amazônia e no cerrado. Então, a opinião pública fica muito preocupada sobre como se seguirão os próximos passados deste governo.  

Na ausência dessas políticas, a gente pode ter, logo adiante, um mal-estar ainda maior dos investidores com o cenário brasileiro. Há todo um contexto de exportações que pode ficar prejudicado por um efeito cascata...

Sim, exatamente. Teve até uma notícia de que, em cartas, ex-ministros da Fazenda defenderam uma retomada da economia com preservação ambiental. Então, a gente percebe que esse movimento está sendo nacional e internacional, pra que o governo se interesse mais pelo desenvolvimento econômico, mas que alie [isso] à preservação do meio ambiente.

Qual é o papel do poder público nisso tudo, diante da pandemia?  

Não só diante da pandemia, mas desde que esse governo se formou, porque o governo já deu várias declarações de que a legislação ambiental brasileira representa obstáculo ao desenvolvimento econômico do país. Isso é de acordo com as leis que o Trump está promulgando nos Estados Unidos. Ele também já dispensou várias medidas protetivas ambientais visando ao desenvolvimento econômico do país, mas até que ponto a gente vai levar isso? A que custo?

Edição: Leandro Melito