VOTO INDIRETO

Entenda como funcionam as eleições presidenciais nos Estados Unidos

Conheça as principais regras do sistema eleitoral dos EUA e saiba como ocorrerá a disputa entre Trump e Biden

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Trump tem questionado o voto à distância em meio à pandemia e afirma que modalidade favorece fraudes; EUA registram mais de 176 mil mortes e 5,6 milhões de infecções pela covid-19 - Foto: Getty Images/AFP

disputa pela Presidência dos Estados Unidos entre Donald Trump e Joe Biden, que acontece no próximo dia 3 de novembro, repercute em todo o mundo e ganha a atenção da imprensa brasileira. 

Apesar de ser realizada de quatro em quatro anos, como no Brasil, a eleição presidencial estadunidense ocorre de maneira completamente diferente. A começar pela modalidade do voto, que é facultativo para os cidadãos do país. 

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As principais diferenças, no entanto, concentram-se na forma como se dá a escolha do candidato. Entenda quais são os principais elementos das eleições dos EUA:

Voto indireto

O sistema eleitoral dos Estados Unidos é indireto. Isso significa que o voto do cidadão não é creditado diretamente ao candidato e, sim, em representantes dos políticos a serem escolhidos. São os chamados delegados. 

Os partidos Republicano e Democrata são os responsáveis por definir quem vai desempenhar esse papel em cada estado e votará na escolha final do futuro presidente no chamado Colégio Eleitoral, instância que reúne todos os delegados. 

O número de cada representante em nível estadual é calculado proporcionalmente à população local e ao número de parlamentares que os representam na Câmara dos Representantes – equivalente à nossa Câmara dos Deputados – e no Senado.

Dessa forma, os estados possuem pesos diferentes na disputa. A Califórnia, por exemplo, possui 36 milhões de habitantes e 55 delegados – o maior número entre os estados norte-americanos. Já Washington DC possui apenas três delegados.

Ao todo, são 538 votos dos representantes eleitos nos distritos no Colégio Eleitoral. Para vencer a eleição, o candidato deve receber 270 deles.

“O vencedor leva tudo”

Depois que os cidadãos votam no delegado que representa seu candidato presidencial, as escolhas são contabilizadas em nível estadual. Porém, o presidenciável que teve a maioria dos votos populares por meio de seus delegados fica com os votos de todos os representantes atribuídos ao estado.

Ou seja: o candidato que vence em um estado fica com todos os seus delegados, independente de ter conquistado ou não a maioria dos votos diretos da população. É o chamado "The winner takes all" ("O vencedor leva tudo", em português).

Se um estado com 40 delegados eleger 23 representantes de um presidenciável republicano, por exemplo, todos os 40 delegados do distrito votarão no candidato republicano no Colégio Eleitoral.

A regra é válida em 48 estados e na capital Washington DC, com exceção dos estados de Nebraska e Maine, onde os votos podem ser divididos. 

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No Colégio Eleitoral, os delegados não são obrigados a seguir a indicação do estado, mas tradicionalmente a obedecem. Normalmente, a eleição final no Colégio Eleitoral ocorre em dezembro.

Dessa forma, um candidato à presidência pode ser eleito mesmo sem ter a maioria absoluta de votos, bastando conseguir o maior número de delegados. Por mais que candidato A obtenha mais votos totais do que o candidato B, caso não tenha sido mais votado em estados mais populosos e, por consequência, com mais delegados, A perderá a disputa. 

Foi o que aconteceu em 2016. A apuração mostrou que Hillary Clinton, candidata democrata, perdeu a presidência para Trump mesmo recebendo 337.636 votos a mais do que o republicano.

Em 2000, Al Gore (democrata) também ganhou no voto popular, mas foi derrotado por George W. Bush (republicano) no Colégio Eleitoral. A vitória de Bush suscitou debates sobre a necessidade de uma reforma do sistema, mas como o Colégio Eleitoral está consagrado na Constituição dos EUA, mudá-lo exigiria uma reforma constitucional.


Donald Trump e Mike Pence, candidatos à reeleição presidencial nos EUA / Foto: Getty Images/AFP

Estados decisivos 

Existem dezenas de partidos nos Estados Unidos, mas, os democratas e republicanos historicamente dominam a máquina eleitoral e são os únicos com estrutura partidária para garantir presença em todos os distritos.

Neste cenário, é possível identificar como cada estado vota tradicionalmente e estimar qual candidato terá mais delegados a partir de um mapeamento nacional. 

Mas, em alguns estados, não há um claro favorito. São os chamados swing states, que oscilam a depender da conjuntura política e estão divididos politicamente, tornando-se os campos de batalha mais intensos entre os presidenciáveis.

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Arizona, Michigan, Pensilvânia, Wisconsin e Carolina do Norte são alguns dos estados apontados por especialistas como swing states, mas nesta equação, a Flórida é o estado com mais poder decisório nos últimos anos. 

Com uma grande população, o estado possui 29 votos no Colégio Eleitoral e representa um peso relevante na votação final dos delegados. Entretanto, a maioria da população votou em Bush nos anos 2000 e em Barack Obama em 2008, o que reforça sua imprevisibilidade. 

Quando e como ocorrerá o pleito eleitoral?

A eleição ocorrerá no próximo dia 3 de novembro em todos os estados, que têm autonomia para escolhar as regras de votação. O voto impresso em papel e presencial é a opção da maioria deles, mas, em meio à pandemia, a opção de voto pelo correio se fortalece. 

Embora milhões de americanos votem por essa modalidade há anos, inclusive integrantes das Forças Armadas, Donald Trump tem questionado frequentemente essa modalidade de votação como uma possível fonte de fraude. 

Joe Biden aparece com uma média de dez pontos a frente nas pesquisas eleitorais, o que torna um esvaziamento da votação interessante para Trump. Em 13 de agosto, o atual presidente bloqueou uma proposta do partido Democrata para incluir recursos ao serviço postal do país no orçamento em meio à pandemia.


Joe Biden e Kamala Harris, candidatos à presidência pelo partido Democrata / Foto: Olivier Douliery/AFP

Pelo outro lado, políticos democratas tentam contornar os problemas financeiros da instituição, que relatou um prejuízo líquido de US$ 2,2 bilhões (R$ 11,8 bilhões) no último trimestre, e garantir a segurança do voto por correio.

Diante dos ataques de Trump, a democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, interrompeu o recesso para votar uma lei que proíbe mudanças em qualquer serviço prestados pelo órgão. 

Mudanças operacionais recentes em meio à crise causaram atrasos de entregas em nível nacional, o que traz empecilhos para a votação à distância e é usado por Trump e apoiadores como argumento. 

Em entrevista à emissora CNN, Mark Meadows, chefe de gabinete do candidato republicano, afirmou no dia 16 de agosto que a Casa Branca teme que a votação pelos correios atrase os resultados da eleição de novembro.

“Isso é um desastre no qual não saberemos os resultados em 3 de novembro e talvez não saibamos por meses. É problemático porque a Constituição diz que então Nancy Pelosi [Democrata] é quem de fato escolheria o presidente em 20 de janeiro”, disse.

Três debates eleitorais entre Trump e Biden já estão agendados, sendo o primeiro marcado para 29 de setembro. A previsão é que um segundo debate ocorra em 15 de outubro e o terceiro no dia 22 do mesmo mês.

Já o debate entre os candidatos à vice-presidência, Mike Pence e Kamala Harris, acontecerá em 7 de outubro. 

Restrição aos votos

A democracia estadunidense apresenta contradições. Existe uma série de pré-requisitos que a cada pleito eleitoral impedem parte da população do exercício ao voto. Entre eles, a exigência de apresentação de um documento com foto no dia da eleição, sendo que a maioria dos documentos obrigatórios em uso nos Estados Unidos não inclui a imagem.

Como o voto é facultativo, exceto em estados que gozam de sua autonomia para implementar outra regra, é preciso que o cidadão se registre para votar. Porém, a ausência de informações amplas sobre prazos e alternância dos documentos requisitados se consolidam como um impeditivo.

Já a tradicional realização da eleição em uma terça-feira, dia útil, também afasta os trabalhadores das urnas. O número de abstenção nas eleições seria ainda maior sem a opção do voto pelo correio. Em 2016, uma em cada quatro pessoas manifestou sua escolha por meio da modalidade.

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Ao longo dos últimos anos, estados cruciais para uma vitória no Colégio Eleitoral propuseram ou aprovaram medidas restritivas à votação. 

Na Flórida, por exemplo, onde pessoas que cumpriram pena no sistema carcerário ou estavam em liberdade condicional tinham direito ao voto, parlamentares republicanos, da ala conservadora, criaram mais uma empecilho. 

A Câmara e o Senado do estado aprovaram, em maio, um projeto de lei que determinou que as pessoas que foram privadas de liberdade devem pagar multas judiciais pendentes para restaurar o direito ao voto como “parte da sentença”. 

Segundo reportagem da NBC News, a medida revogada adicionaria até 1,4 milhão de cidadãos ao pleito eleitoral, o que representa cerca de um quarto dos eleitores que poderiam votar, sendo uma grande parcela deles negros, o que faria diferença para os democratas, com posições mais progressistas em relação aos republicanos no que tange os direitos civis.

Edição: Leandro Melito