Direita

Com discurso negacionista e fake news, direita organiza protestos na Argentina

Oposição é representada pelo macrismo e tenta ganhar evidência forçando a reabertura do país durante a pandemia

Brasil de Fato | Buenos Aires (Argentina) |

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Direita impulsiona protestos antiquarentena na Argentina e busca desestabilizar governo de Alberto Fernández - Agência Télam

As manifestações com policiais armados na Argentina, desde o início desta semana, levantaram receios sobre as possíveis motivações políticas em gerar uma instabilidade no governo de Alberto Fernández (Frente de Todos). Além das analogias com o golpe na Bolívia, as análises têm apontado para a atuação de forças políticas de oposição na organização dos protestos.

A direita argentina tem apostado na mobilização popular, nas ruas e nas redes. Desde o início da pandemia, a agenda da direita tem sido marcada pela oposição ao governo de Fernández. Para isso, propaga discursos negacionistas e fake news com uso de robôs nas redes sociais.

As pautas são variadas, que vão desde o combate à agenda do governo, como a expropriação da empresa de cereais Vicentin ou o recente projeto de lei da reforma judicial, até medidas relacionadas à pandemia, ainda que sejam recomendações sanitárias globais, como as da Organização Mundial da Saúde.


Um dos frequentes protestos antiquarentena na capital de Buenos Aires / Agência Télam

As manifestações começaram com panelaços frequentes nas janelas e varandas contra medidas do governo. Depois, as convocatórias avançaram às ruas, e são cada vez mais numerosas.

Esta semana, um protesto antiquarentena na capital federal terminou com uma queima coletiva de máscaras. A cena, gravada no celular de manifestantes, mostrava pessoas retirando suas máscaras e depositando-as em uma pequena fogueira improvisada no centro da cidade.

A destruição de um dos principais instrumentos de proteção para evitar contágio do coronavírus simboliza um dos principais lemas da direita organizada atual no país diante da quarentena: o direito pela liberdade.

"O governo atual começou com uma posição muito firme de restrições à circulação e às atividades, que renderam resultados muito bons", analisa o analista político Jorge Bernetti.

"Mas, a pressão da direita levou a uma liberação progressiva de atividades na cidade de Buenos Aires, governada pela direita, e que está pressionando também em todo o país, principalmente nas províncias onde a direita governa", completa.

O liberalismo atual chega ao cúmulo de lutar pela liberdade de se contagiar.

Uma análise realizada pelo cientista político Ernesto Calvo aponta que pessoas alinhadas a governos que tomam medidas contra o coronavírus percebem a crise sanitária como mais ameaçadora, enquanto as que seguem a políticas negligentes à covid-19 têm mais preocupação pela economia e a perder o emprego.

Representada atualmente pela coalizão Juntos por el Cambio e o macrismo, em referência ao ex-presidente Mauricio Macri (PRO), a direita atual ganhou corpo em 2015 a partir dessa aliança que o jornalista e analista político Jorge Bernetti classifica como inédita. Após a derrota eleitoral no ano passado, o grupo voltou a ganhar evidência nos últimos meses de pandemia.

"O liberalismo atual, de alguma maneira, não acredita no coletivo, mas no 'salve-se quem puder', e chega ao cúmulo de lutar pela liberdade de contagiar-se", afirma o sociólogo Ezequiel Saferstein. Ele é pesquisador da relação entre as direitas e produções culturais na Argentina, e atenta para um aspecto importante das direitas no país: a validação de discursos.

Modos de legitimar narrativas

Golpes recentes na América Latina e a própria eleição de Jair Bolsonaro em 2018, no Brasil, evidenciam como a disputa de narrativas é central na política atual. Para isso, atuam fortemente nas redes sociais. Essa organização virtual, na Argentina, é representada pro dois grupos, segundo o pesquisador Ernesto Calvo: um mais ligado à agenda política e ao PRO, e outro que é mais ativo e ligado à inteligência e à direita internacional, como o uso de robos.

"A direita tem sido muito mais eficiente para utilizar essas ferramentas e ativar sua base", analisa Ernesto Calvo. "Os discursos são nacionalistas, xenofóbicos, e representam a minoria do voto. No entanto, não apenas elegem presidentes como Trump, como dominam as discussões no debate público", ressalta.

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 A exemplo disso, observa-se no Brasil a crescente difusão por WhatsApp de fake news sobre a quarentena na Argentina, e tweets frequentes da família Bolsonaro dando uma roupagem de autoritarismo ao governo Fernández.

Aliado às estratégias virtuais, recursos tradicionais como a publicação de livros se revelam como modos efetivos de validação de discursos. Na Argentina, nomes de jovens como Agustín Laje e Nicolas Márquez surgem como a nova direita, possuem muitos seguidores e publicam livros.

O mundo do livro é um mundo de autorização, de legitimidade.

"Não são pessoas que seriam reconhecidas na academia, mas que possuem seus próprios circuitos de legitimidade", afirma Saferstein.

"Nos eventos de apresentação dos livros, assim como outros eventos políticos, há uma proposta de sociabilidade e militância. São práticas que talvez estivessem reduzidas às esquerdas, e, hoje, as direitas incorporam e são efetivas. É preciso prestar atenção a esse movimento, e não subestimá-lo ou ridicularizá-lo, mas tentar compreender como são construídas essas articulações de discursos, crenças e imaginários."

Edição: Rodrigo Chagas