Retrocesso

A mesma lei que suspendeu contratos na pandemia vai reduzir 13º salários

Pesquisador da UFRJ afirma que Bolsonaro mirou benefício para empregadores e esqueceu empregados

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Carteira de trabalho
Além de impacto no 13º salário para quem teve contrato suspenso, trabalhadores poderão se surpreender com ausência de depósito de FGTS e INSS - Marcos Santos/USP Imagens

Calculado a partir dos meses trabalhados ao longo de um ano, o 13º salário no final de 2020 poderá sofrer redução. Isso porque a Medida Provisória (MP) do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) permitiu, no contexto da pandemia da covid-19, que os empregadores suspendessem temporariamente o contrato de trabalhadores e trabalhadoras.

Quem não tiver trabalhado ao menos 15 dias no mês vai sentir no bolso a redução do 13º e ainda poderá ter a desagradável surpresa de não ver depositadas as parcelas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do INSS (previdência social). Bolsonaro também desobrigou as empresas a pagarem esses dois direitos trabalhistas na pandemia.

Para o professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ) e coordenador do Núcleo de Estudos Trabalho e Sociedade (NETS-UFRJ), Marco Aurélio Santana, a MP 936, transformada na Lei 14.020, foi criada para atender mais aos empresários.

“As políticas do governo frente à pandemia visavam proteger as empresas e, mesmo nesse caso, deixaram parte desse setor, principalmente as pequenas, em dificuldades. O programa de proteção de emprego e renda praticamente obrigou os trabalhadores aceitarem as medidas. ‘É isso ou desemprego’”, afirma o pesquisador da UFRJ.

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Segundo dados do Ministério da Economia, 17 milhões de acordos como esses foram assinados, sendo 51% por mulheres e 48% por homens. De todos os acordos assinados, cerca de oito milhões são de suspensão de contratos. Serviços (8,7 milhões), comércio (4,3 milhões) e indústria (3,7 milhões) lideram os setores econômicos.

Desmobilização 

Para Marco Santana, mesmo sabendo das perdas futuras para os trabalhadores, o governo federal nada fez para atenuar o problema. “Eram essas as únicas medidas que se poderia tomar para proteger emprego e renda no setor formal?”, questionou o professor da UFRJ.

Ele acrescenta que Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e a cúpula do Congresso Nacional surfaram oportunamente na onda que tirou o debate de algumas esferas públicas. 

“Essa discussão tem áreas sensíveis, já que os servidores continuaram ganhando sem cortes, ao menos até aqui. E a mídia, o presidente da Câmara [deputado Rodrigo Maia, DEM] e o ministro da Economia têm usado isso, defendendo cortes também. As possibilidades de resistência acabam ficando restritas”, avalia Santana.

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Com 12,7 milhões de pessoas desempregadas no Brasil, segundo dados recentes do Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e em um contexto de aumento da informalidade promovido pela reforma trabalhista após o golpe de 2016 e de políticas regressivas do governo atual, a piora da realidade se tornou visível, argumenta Santana.

“Não é de hoje que as condições de vida e trabalho da classe trabalhadora passam longe das preocupações de governos e legisladores. A pandemia apenas agravou um quadro grave já pré-existente e serviu de espaço para que muitas medidas estejam sendo impostas”, afirma o professor de sociologia do trabalho.

Direito

Estabelecido por lei em 1962 e garantido pelo artigo 7º da Constituição de 1988, o décimo terceiro salário cobre trabalhadores urbanos, rurais e domésticos com carteira assinada, no regime CLT. Para parcela da classe trabalhadora, o 13º tem sido tradicionalmente uma importante ajuda no período de final de ano.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Jaqueline Deister