ENTENDA A TRAMITAÇÃO

PL 529: como a oposição resiste ao desmonte do estado pelo governo Doria

O combate ao projeto que fecha serviços, demite servidores e aumenta impostos uniu esquerda e direita

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Governistas não conseguem votos necessários para colocar em votação o PL 529 - Foto: Sérgio Galdino/Alesp

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), atropelou o regimento para acelerar a aprovação de seu Projeto de Lei (PL) 529/2020, enviado à Assembleia Legislativa em 13 de agosto. O que ele não esperava é que seria tão difícil colocar o projeto em votação. Pela segunda semana consecutiva, deputados do PT, Psol, PCdoB, PDT, PSB, PTB, Republicanos, Avante e PSL, que se uniram para combatê-lo, conseguiram impedir que a propositura fosse colocada em votação.

Entenda o caminho do polêmico projeto:

Doria interferiu na tramitação?

Sim. Mesmo o PL 529 sendo um projeto que tramita em regime de urgência, deveria ter passado por comissões que tratam dos temas correlatos abarcados pela proposta. Essas comissões, por sua vez, deveriam convocar pelo menos uma audiência pública para discutir com população e servidores. Mas nada disso foi feito. Deputados da oposição chegaram a pedir as audiências, mas os requerimentos não foram aprovados.

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Para impedir que os parlamentares debatessem o projeto, o presidente da Assembleia, Cauê Macris (PSDB), guardou o PL por alguns dias. E colocou em pauta perto do fim do prazo para discussão. E em resposta a obstruções na chamada das comissões para avaliar o texto, o governista nomeou um relator especial, Alex de Madureira (PSD), conforme acertado com o Palácio dos Bandeirantes. “Seu relatório não acolheu nenhuma das 630 emendas apresentadas pelos parlamentares, apesar do curto prazo. Tampouco convocou audiência para ouvir a população”, disse a deputada Márcia Lia (PT).

O que são as emendas, no valor de R$ 30 milhões, oferecidas por Doria?

São recursos adicionais às emendas impositivas previstas em lei. Uma espécie de recompensa do governo para os parlamentares que votarem a favor do PL. Pelas contas da oposição, Doria não tem os 48 votos necessários para aprovar seu projeto. Para convencer parlamentares indecisos a votar a favor, o governador está usando recursos do próprio orçamento para pagar pelo voto. “É o uso do dinheiro público para financiar a aprovação de projeto contrário ao povo”, diz o deputado Carlos Giannazi (Psol), que na semana passada denunciou a prática na Assembleia.

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O valor dessas emendas pode ser elevado caso a votação torne-se ainda mais difícil?

Pode. Como o PL 529 é abrangente, prevendo a extinção de autarquias, a demissão de servidores e o aumento de impostos entre outras coisas, acabou ganhando antipatia de deputados de partidos de direita, ultradireita e até de governistas. Daí a pressão. O aumento do valor do agrado ao parlamentar que decidir votar favoravelmente, que hoje é de R$ 30 milhões, não é descartado. Tudo vai depender do interesse do governador, acredita Giannazi.

Quem vota contra não recebe nada?

Recebe apenas as emendas impositivas previstas no orçamento, conforme a Constituição Estadual. Essas emendas são um instrumento pelo qual os deputados influem na alocação de recursos para projetos em municípios onde estão sua base. É o caso de destinação de recursos a um hospital para ampliar seu número de leitos. Ou para a melhoria de alguma estrada. Em 2017, a Assembleia aprovou uma emenda ao artigo 175 da Constituição do estado, incorporando as emendas parlamentares impositivas ao orçamento. Cada deputado estadual tem direito a R$ 4.850 mil, sendo que metade do valor deve ser destinado obrigatoriamente à área de saúde.

Que outras manobras têm sido feitas para colocar o PL em votação?

O presidente da Assembleia, o tucano Cauê Macris, tem usado vários artifícios. Convocou sessões extraordinárias para segunda-feira passada (28), o que é incomum. E não comunicou o Colégio de Líderes para tentar pegar a oposição desprevenida. A Mesa tem rejeitado questionamentos da oposição quanto à tramitação do PL, mas encaminhou do governista Itamar Borges (MDB), que pedia uma nova interpretação de pontos do regimento para tentar calar as críticas dos opositores, que têm tomado a tribuna para criticar a proposta. Na prática, o parlamentar não pode se manifestar em duas sessões seguidas. A nova regra foi adotada em meio à discussão do PL. “Macris quer trocar o pneu do carro que está em movimento”, diz Marcia Lia.

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Por que o PL 579 tem sido chamado de “boiada do Doria”?

O termo “passar a boiada” virou sinônimo de encaminhar, na surdina, de propostas de medidas governamentais impopulares, que retiram direitos, serviços públicos e enfraquecem a legislação, para ampliar as chances de aprovação. O termo foi popularizado pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Em reunião ministerial em 22 de abril, ele sugeriu que o governo de Jair Bolsonaro deveria aproveitar a atenção da imprensa voltada para a pandemia e assim “ir passando a boiada”. Ou seja, encaminhando o afrouxamento de regras ambientais que dificilmente seriam aprovadas em situação normal.