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O centro imaginário não vai derrotar Bolsonaro. Só a esquerda

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Só a esquerda pode derrotar Bolsonaro. Porque essa derrota não se constrói em poucas semanas de campanha eleitoral - Roberto Parizotti / Fotos Publicas
Ninguém pode prever com antecipação o resultado mais provável de uma luta

Não se pode agradar a todos / A atividade faz mais fortuna do que a prudência / A barriga faz a perna andar

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(Sabedoria popular portuguesa)

A eleição de Biden trouxe de volta a discussão da Frente Ampla. Ou seja, a ideia de que a esquerda no Brasil não pode derrotar Bolsonaro em 2022, e deveria se preparar para apoiar uma candidatura de centro. Ela se apoia na premissa que a rejeição à esquerda é maior do que a rejeição a Bolsonaro. Esta tese é falsa.

A mídia comercial burguesa repercute com banda de música e tapete vermelho as noticias de almoços e jantares entre Doria, Moro e Huck. Depois vemos a celebração da vitória de Kalil em BH, do DEM em Salvador, Curitiba, Florianópolis, ou a ida de Covas e Paes para o segundo turno como antecipação de 2022. E há uma ofensiva para desqualificar Guilherme Boulos como um radical extremista em Sâo Paulo.

Está em curso uma operação política para legitimar a velha direita como o centro, mas, também, para posicionar Ciro Gomes e seu nacional desenvolvimentismo como esquerda, contra os dois extremos, Bolsonaro e o perigo representado pelo PT/PSol e PCdB.

Neste mundo imaginário de infantilismo e manipulação ideológica os dois extremos são ruins, e nada é mais lindo do que a moderação, o equilíbrio, e a estabilização fantasiosa dos dois centros – um centro-direita e um centro-esquerda – que unem firmeza fiscal e empatia social, um capitalismo de “rosto humano”. Só que não.

É uma fraude escandalosa. A ideia de que os dois extremos têm muito em comum é uma armadilha para enganar os incautos. Não há nada em comum entre a esquerda e a extrema-direita. A teoria do “demônio de duas cabeças” é um insulto à inteligência de qualquer pessoa, razoavelmente, bem informada.

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A verdade é que é a direita liberal que oferece governabilidade a Bolsonaro. Rodrigo Maia e suas notas de repúdio não são oposição ao governo de extrema-direita. Ao contrário, o bloco DEM, MDB, PSDB ofereceu quadros ao governo Bolsonaro, e colabora com a aprovação dos projetos do governo no Congresso Nacional, com descontos. E são poucos.

Este contexto coloca um desafio para a esquerda. A vida ensina que a tática deve estar sempre ao serviço da estratégia, e não o contrário. A política parece o império de um eterno presente, da resposta imediata, do posicionamento instantâneo, o aplauso fácil, respondendo à consciência média do senso comum, mas o que ela pede de nós é coragem. Não é cedendo, capitulando e se dobrando à pressão dos inimigos de classe que se abre um caminho.

Não é assim que se ganham vitórias. Passamos dois anos ouvindo o elogio de uma vitória fantasma que Ciro Gomes teria podido conquistar em 2018, se ele e não Haddad tivesse ido para o segundo turno, porque a rejeição à esquerda favoreceu Bolsonaro. Acontece que nas eleições de domingo, os aliados de Ciro Gomes, Márcio França e Marta Rocha sucumbiram em São Paulo e no Rio de Janeiro e, mesmo em Recife e Fortaleza, o desenlace do segundo turno é incerto.

Mas a eleição nos EUA é usada para legitimar a farsa de que só a direita poderia derrotar o neofascista. Na verdade, nunca foi assim em lugar nenhum do mundo em momento algum da história. Bolsonaro só será derrotado se uma imensa maioria popular for construída para derrotá-lo. E isso exige uma oposição com mão que não treme.

Só a esquerda pode derrotar Bolsonaro. Porque essa derrota não se constrói em poucas semanas de campanha eleitoral. Não há marketing, não há operação de publicidade que possa fazer essa mágica.

Na verdade, embora não seja possível cravar qualquer tipo de prognóstico eleitoral com esta antecedência, o mais provável, no terreno das hipóteses, é que só a esquerda poderá chegar ao segundo turno em 2022, como aconteceu em 2018, com chances de derrotar Bolsonaro.

São muitos os fatores que estabelecem essa probabilidade. Os mais importantes são as pressões de um processo objetivo de desgaste, mais intenso de Bolsonaro, mas que atinge, também, o bloco PSDB, MDB, DEM. Nas grandes cidades o bolsonarismo vem perdendo força, ainda que mantenha influência. Em São Paulo, por exemplo, a rejeição a Bolsonaro já está em 50%. Mas não é gratuito que Bruno Covas se proteja escondendo Doria. Há, também, um imenso cansaço com os tucanos nas grandes cidades.

Tudo dependerá da evolução da relação de forças sociais e políticas. Essas posições de força das classes e das organizações que as representam oscilam, flutuam e mudam. Depende, essencialmente, da capacidade de iniciativa.

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As comparações entre a disputa eleitoral contra Trump e a necessidade de derrotar Bolsonaro são, portanto, disparatadas. Os EUA não são o Brasil. A diferença fundamental é que a esquerda é, incomparavelmente, mais forte no Brasil que nos EUA, e não pode ser silenciada. Aqui a esquerda, ainda que vinda de um processo de acumulação de derrotas, e apesar da operação Lava Jato, não foi destruída e mantém posições, com até um importante fortalecimento do PSOL. Mas é importante lembrar, também, que, sem a explosão nas ruas do Black Lives Matter, Biden dificilmente teria vencido, porque foi decisivo para que a juventude fosse às urnas em massa. Abriu o caminho.

Ninguém pode prever com antecipação o resultado mais provável de uma luta. A vida é o domínio da incerteza. Há sempre incontáveis riscos e, na luta política, não é possível prever os movimentos de todos os adversários e inimigos.

Mas se a esquerda tiver mente aberta para aprender as lições das eleições norte-americanas e municipais, a principal lição é que há uma fermentação molecular que se acelera com a pandemia e a crise social, e que se expressa na audiência dos movimentos feministas e negros, ambientalistas e de direitos humanos, sindicais e populares. Se a esquerda confiar na juventude, a juventude abraçará a esquerda. E a juventude é o futuro.

Edição: Rodrigo Chagas