Conspiração

Tomar ou não tomar a vacina? Eis a questão nos Estados Unidos

Um em cada quatro cidadãos estadunidenses se recusa a tomar a injeção contra a covid-19

Brasil de Fato | Los Angeles (EUA) |

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Protesto contra quarentena obrigatória e vacinação em frente ao Capitólio, em Washington, em maio de 2020 - Jason Redmond/AFP

No dia em que as primeiras doses da vacina contra a covid-19 começaram a ser distribuídas na Inglaterra e, em São Paulo, se discute o calendário estadual de vacinação, os Estados Unidos se deparam com um desafio impensável: parte da população não quer receber nenhuma dose.

Segundo uma pesquisa feita pela consultoria Suffolk Poll, em parceria com o jornal USA Today, um em cada quatro estadunidenses não pretende tomar o imunizante contra o novo coronavírus em hipótese alguma. Já dois terços dos entrevistados disseram que pretendem tomar o antivírus, mas não imediatamente. 

Esse é o caso do empresário Nerses Ajemian, de 56 anos. Embora ele enfrente alguns problemas musculares que poderiam lhe colocar na dianteira da imunização, ele prefere ceder sua vez. "Quero esperar passar alguns meses e não ser o primeiro a tomar a vacina, para ver quais são os possíveis efeitos colaterais", disse Ajemian em entrevista ao Brasil de Fato. "Meu corpo pode reagir à vacina de uma maneira diferente, e há muitas receitas sendo produzidas, então prefiro esperar", completou.

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Para Paul Offit, imunologista, diretor do Centro de Vacinação do Hospital Infantil da Filadélfia e professor da escola de medicina da Universidade da Filadélfia, a desconfiança pública é aceitável apenas até a comprovação científica. "Acho que você pode ser razoavelmente cético em relação a qualquer coisa que coloquem em seu corpo. Quando você recebe uma vacina, está sendo injetado um agente biológico que induz uma resposta imunológica. Mas como qualquer produto que tenha efeitos positivos, às vezes estamos sujeitos a efeitos colaterais. É algo bastante sério e, portanto, acho que é bom ser cético em relação às vacinas, só acho que não é bom ser cínico", disse ao Brasil de Fato.

Membro do conselho que vai aprovar a vacina contra a covid-19 nos Estados Unidos, Offit revela que ainda não tem em mãos todos os dados necessários e que não está interessado em aprovar o processo por pressão pública ou política. "Pedimos dois meses de dados de segurança após a segunda dose e não vamos abrir mão dessa condição. Não vou aprovar uma vacina que não estaria disposto a aplicar em mim ou em minha família", afirma.

O médico afirma ainda que não há qualquer distinção na avaliação das apostas desenvolvidas nos Estados Unidos, na Inglaterra, na China ou qualquer outro país. Cada receita é submetida aos mesmos critérios de aprovação e é infundado pensar que uma ou outra injeção é mais ou menos eficaz por conta do país que a desenvolveu. Tanto é assim, que os Estados Unidos já asseguraram 800 milhões de doses de seis laboratórios diferentes – nem todos locais.

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Marcha antivacina em Londres, Inglaterra, em 5 de dezembro de 2020 / Justin Tallis/AFP

Já a desconfiança quanto ao tempo "recorde" de produção dessa vacina, o doutor Offit garante que não é algo excepcional. "A vacina da poliomielite, hoje bastante popular, também foi desenvolvida em um ano", explica o imunologista, acrescentando que os protocolos de segurança não são flexibilizados e que a agilidade acontece porque o governo tira o risco financeiro das farmacêuticas.

"É como se o Estado dissesse: 'A gente vai pagar pela terceira fase de testes', que custa centenas de milhões de dólares. O governo vai também pagar para produzir em massa essas vacinas a seu próprio risco, ou seja, sem saber se elas serão seguras ou eficazes. Caso os dados mostrem que elas não são seguras ou eficazes, jogaremos milhões de doses fora. É disso que estamos falando quando aceleramos o processo, não enfraquecer os protocolos de segurança", explica.

Embora admita que não haverá doses suficientes para sequer discutir a obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19, o médico é irredutível quanto às políticas firmes de aplicação impostas no país, onde crianças só podem frequentar a rede pública de ensino com certas vacinações comprovadas. "Você é um membro da sociedade e, portanto, não é seu direito pegar e transmitir uma infecção potencialmente fatal. Quando você se recusa a vacinar seus filhos contra, por exemplo, sarampo, está colocando em risco os filhos de outras pessoas. Quando se trata de infecções potencialmente fatais, a decisão não é sua. Desculpe".

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A fala do especialista inflama o debate entre grupos que se definem como "pró-escolha", que fazem parte do movimento popularmente conhecido como "antivacina". Para o doutor Offit, grupos de pessoas que se colocam contra uma determinada droga sempre existiram e sempre existirão. O principal argumento desse movimento é que vacinas causam autismo ou doenças como diabetes, esclerose múltipla ou até déficit de atenção.

O médico explica que, ao longo da história, algumas vacinas tiveram alguns efeitos indesejáveis, mas nada como alardeiam os adeptos de teorias da conspiração. Além disso, o imunologista lembra que quem opta por não tomar a vacina não está se livrando de um risco, mas escolhendo correr outro.

"É fato que estamos enfrentando um vírus altamente contagioso que, só nos Estados Unidos, matou mais de 250 mil pessoas em menos de um ano. Seria bastante óbvio assumir que uma vacina contra essa doença seria vantajosa, não? A escolha de não tomar a vacina, não é uma escolha sem risco. É apenas uma escolha de assumir um risco diferente. Sobretudo porque todos os dados que temos até o momento apontam que a injeção é segura e eficaz, então a escolha de não tomar a vacina é indiscutivelmente a escolha mais arriscada", defende.

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Para entender o raciocínio de quem opta por ignorar a ciência, a reportagem ouviu o cientista político e professor da Universidade de Tulane, Geoff Dancy, especialista em teorias da conspiração. "Se você tem uma crescente desconfiança nas instituições e nas elites, misturada com incerteza sobre o futuro e combina isso com eventos caóticos, então você terá teorias de conspiração", disse. "Todas as teorias da conspiração são um tipo específico de explicação, usada em demasia, que depende de um pequeno grupo de pessoas agindo em uma trama secreta para se beneficiar às custas de todos".

Isso explica as "hipóteses" que circulam pelas redes, dizendo que o novo coronavírus faz parte de uma estratégia chinesa para o controle mundial, que a nova vacina será aplicada com um chip para monitoramento e outras tantas possibilidades absurdas.

Para cada uma delas, o doutor Offit tem uma única resposta: "Quer dizer que temos que convencer as pessoas de que a SARS CoV-2 foi uma doença contagiosa, que causou um enorme sofrimento, hospitalizações e mortes? Eu ainda me surpreendo com a capacidade das pessoas de ignorar tudo que está ao seu redor, e fico ainda constrangido com a disposição de certos governos de negar a gravidade disso".

Edição: Vivian Fernandes