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Assembleia Constituinte finaliza trabalhos sem propor nova Constituição na Venezuela

Atual Carta Magna completa 15 anos no mesmo dia que a ANC finaliza trabalhos com cerca de 30 reformas aprovadas

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

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Os 545 deputados constituintes realizaram um balanço dos três anos de ANC que finalizará atividades sem propor uma nova carta magna. - Reprodução

Nesta terça-feira (15), a Assembleia Nacional Constituinte realizou sua última sessão com um balanço de seus três anos de trabalho. O organismo composto por 545 deputados foi eleito, em julho de 2017, por 8,89 milhões de venezuelanos como solução à onda de violência no país. A proposta era dirimir as diferenças políticas entre os venezuelanos na escrita de uma nova Carta Magna. 

A sessão marca também os 21 anos da promulgação da atual Constituição, aprovada por plebiscito popular ainda no início da gestão de Hugo Chávez. O presidente da ANC, Diosdado Cabello, afirmou que os trabalhos finalizam em dezembro, porque no dia 5 de janeiro tomará posse a nova legislatura da Assembleia Nacional. O parlamento será composto por 253 deputados chavistas e 21 de oposição. 

"Não é que eu não gostasse da ideia de mudar essa Constituição, mas essa é a Constituição de Chávez, do povo. E estava muito consciente de que o chamado à Assembleia Nacional Consttuinte era o estabelecimento da paz", assegurou o deputado eleito pelo Psuv, Diosdado Cabello.


Diosdado Cabello foi o último presidente da ANC e assumirá como deputado da próxima Assembleia Nacional, assegura que as eleições legislativas só aconteceram pelo trabalho dos constituintes. / Reprodução

Nos últimos três anos, cerca de 30 reformas e adendos constitucionais foram aprovados pelo organismo. O último foi a lei antibloqueio, proposta pela administração de Nicolás Maduro. Com críticas dentro do próprio chavismo sobre a falta de uma política clara de valorização da moeda nacional (o bolívar soberano) e dos salários, a legislação terminou sendo aprovada por unanimidade. 

A advogada constitucionalista e deputada constituinte María Alejandra Díaz destaca que além de restabelecer a paz no país, o organismo plenipotenciário também foi fundamental para exercer as funções do Poder Legislativo, que durante os últimos cinco anos atuou em desacato com a justiça venezuelana. 

"Houve uma reinstitucionalização, porque assumimos o papel da Assembleia Nacional para legislar, para aprovar orçamentos, para que a vida do país não fosse detida", afirmou Díaz. 

A ANC tomou posse em agosto de 2017, depois de quatro meses de guarimbas - atos violentos opositores que terminaram com um saldo de 142 falecidos. Leopoldo López, braço-direito de Juan Guaidó, foi detido por ser considerado responsável pela morte de 13 pessoas. A oposição decidiu boicotar o processo, por isso, mais de 90% da Assembleia é composta por chavistas.

Logo depois de instalada a ANC, também foi criada uma comissão da Verdade para investigar os crimes cometidos durante os meses de guarimbas. O grupo, presidido pela atual vice-presidenta venezuelana Delcy Rodríguez, entregou um relatório ao Ministério Público indicando que mais de 50% dos falecidos não participava das manifestações, apenas caminhavam em ruas próximas aos atos. Até o momento não houve reparação formal às vítimas e alguns dos condenados receberam um indulto do presidente Nicolás Maduro.


Na Venezuela, 15 de dezembro é o dia do poder popular constituinte que celebra o dia de aprovação da atual constituição com mais de 71% do voto popular. / Reprodução

O decreto de criptoativos, que criou o Petro, a criptomoeda venezuelana ancorada no valor do barril de petróleo; a lei de criação dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP); a incorporação das Brigadas Bolivarianas às Forças Armadas; assim como a abertura ao investimento estrangeiro para atividades petrolíferas e mineiras na região do Arco Mineiro do rio Orinoco são exemplos do que foi aprovado pela ANC.

No entanto, outros setores importantes não tiveram suas reivindicações atendidas pelos constituintes. É o caso dos movimentos feministas e LGBTQ, que exigiam leis para legalização do aborto, reconhecimento de novas identidades de gênero a pessoas trans, direito à união homoafetiva, entre outros. 

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María Alejandra Díaz afirma que as exigências foram ouvidas pelas comissões internas da Assembleia, mas reconhece que poderia ter sido feito mais. "É uma discussão difícil em uma sociedade conservadora. Corresponderá à Assembleia Nacional revisar se há um ambiente adequado e se há preparação cultural para atender essas demandas", comenta.

Questionada se a ANC ficou em dívida com os cidadãos venezuelanos ao finalizar os trabalhos sem entregar uma nova Constituição, Díaz acredita que poderiam ter feito muito mais.

"Eu queria ter aprofundado a Constituição que Chávez nos deixou, blindá-la para torná-la irreversível. Essa era uma das nossas tarefas. Lamento que isso não se cumpriu", afirmou a advogada constitucionalista.
 

Edição: Luiza Mançano