Lutas populares

Bioconstrução: conheça um dos diálogos entre Agroecologia e Reforma Agrária Popular

Projetos de casa totalmente ecológicas estão sendo ampliados pelo país por coletivos que defendem direitos populares

Ouça o áudio:

O PDS Osvaldo de Oliveira, em Macaé (RJ), vai utilizar a técnica do BTC (Bloco de Terra Compactada) para construção de moradias - Coletivo de Comunicação MST-RJ
A bioconstrução é esse resgate de técnicas antigas e ancestrais da forma a se construir

O que é necessário para a construção de uma casa? Se essa pergunta for feita para quem domina as técnicas da bioconstrução a resposta vai incluir materiais como argila, bambu, cipó, pedras e produtos reciclados.  

Na bioconstrução, quem coloca a mão na massa, feita com materiais disponíveis no próprio ambiente, propõe questões que foram esquecidas ou minimizadas na civilização moderna.

:: Programa habitacional de Bolsonaro deixa de fora os mais pobres, criticam movimentos ::

O olhar para a territorialidade favorece o uso da energia local, a exemplo do sol, do vento e das chuvas, a utilização de técnicas de tratamento de resíduos e as características climáticas locais, como explica a mestre em Agroecologia, Sophia Sol.

"A bioconstrução é esse resgate de técnicas antigas e ancestrais da forma a se construir, reunir, aprender. É a solução do momento de trabalhar com os recursos que temos disponíveis no lugar e também de planejar ambientes harmoniosos com técnicas e materiais que não explorem tanto a natureza", define.


PDS Osvaldo de Oliveira realizou aulas de bioconstrução / Coletivo de Comunicação MST-RJ

Alguns exemplos dessas técnicas são o pau-a-pique (ou casa de taipa), cob, adobe, superadobe, hiperadobe, taipa de pilão e tijolo de solo. Geralmente se utiliza argila, pura ou misturada, junto a outros materiais que ofereçam sustentação.

:: Luzia Simões é a pedreira que desconstrói o machismo no Sertão do Pajeú (PE) ::

Sophia Sol participa dos projetos Das Nobres Bioconstrução Coletiva e Coletivo Sonhos da Terra, ambos com atuação em Minas Gerais. Ela conta que o trabalho no setor é feito geralmente em mutirões trazendo vantagens que vão além da importante relação harmoniosa com a natureza.

"O trabalho muitas vezes é em mutirão, em coletivo, criando um momento pedagógico educativo, com troca de saberes fora do campo tradicional de construções, o que também é muito vantajoso. As bioconstruções estão relacionadas a moradias que tenham baixo custo, com temperatura interna agradável e que sejam viáveis sobre o ponto de vista da sustentabilidade", explica.    

Contra-hegemonia   

Com esses princípios há uma proposta contrária ao consumo de materiais que vem da mineração e do petróleo. Na perspectiva da agroecologia, por exemplo, Pablo Vergara, da coordenação estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Rio de Janeiro (MST-RJ), avalia que é necessário também um olhar para o setor da construção nas lutas populares por direitos e justiça social.

:: Em Macaé (RJ), MST organiza comercialização de cestas com alimentos agroecológicos ::

Ele participa também do Coletivo Terra, que junta arquitetos, engenheiros e técnicos que tenham aproximações com a Reforma Agrária Popular

“A gente entende que assim como o agronegócio temos o 'construbusiness', que é essa forma de construir as cidades com base no cimento, tijolo,  queimadas e com alto impacto para o meio ambiente. Então a proposta que nós estamos construindo é exatamente a partir da autoconstrução da autogestão e o cooperativismo, de se relacionar com o meio ambiente de uma forma mais humana, com base nos assentamentos da reforma agrária Popular”, salienta.

Pablo Vergara afirma que o Coletivo Terra está desenvolvendo um debate permanente para consolidar as relações entre agroecologia e construção de moradias. Um dos espaços que abriga os trabalhos e sonhos do grupo é o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) de Macaé (RJ)

"Este projeto visa a construção de um canteiro escola, que seria um uma espécie de um galpão experimental onde não estamos praticar diversas tecnologias da construção no campo da Bioconstrução fazendo uma contra-hegemonia aos modelos estruturantes da sociedade nem da construção civil", apresenta a iniciativa que é realizada junto ao Conselho de Arquitetura do Rio de Janeiro, no edital de Assistência Técnica em Habitação Social (Athis).  

São diversas tecnologias da bioconstrução sendo desenvolvidas no PDS de Macaé. Outro exemplo que junta as propostas de agroecologia e Reforma Agrária Popular dentro do tema está sendo executado no Acampamento do MST Marielle Vive, localizado em Valinhos (SP). 

:: Agroecologia é resistência popular no Acampamento Marielle Vive, em Valinhos (SP) ::

O agrônomo Edson Hiroshi é um dos apoiadores da bioconstrução no Acampamento Marielle Vive. Ele afirma que as técnicas apresentam vantagens funcionais e estéticas para diversas situações de moradia no país.  

Ao mesmo tempo, Hiroshi pontua que há um resgate de saberes com a bioconstrução, que pode ser confundida como algo ultrapassado pelo olhar da modernidade. 


O Acampamento Marielle Vive, em Valinhos (SP) realizou um curso de bioconstrução em dezembro de 2020 / Romeu Escanhoela - Fotos Públicas

"Beethoven é do passado. Acupuntura é do passado. Ioga é do passado. Mas para uma civilização saudável e independente essas coisas são eternas. Então a bioconstrução é uma coisa eterna”, analisa. 

O agrônomo apoiador do Marielle Vive projeta uma expansão das técnicas de bioconstrução pelo país a partir dos diálogos entre Agroecologia e Reforma Agrária Popular. Ele defende que a junção de bandeiras de lutas populares favorecem a consolidação de projetos contra-hegemônicos. 

"O MST funcionou como uma lente de aumento na agroecologia e agora é algo que existe no Brasil inteiro. Eu posso dizer que 1977, quando a Doutora Ana [Maria Primavesi] passou na ESALQ [Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz] Piracicaba, os meus professores de agronomia falaram que a agroecologia seria restrita apenas a quintais. Olha que profecia mal feita, porque a agroecologia hoje está em todo lugar", compara.    

O acampamento Marielle Vive e o PDS Osvaldo de Oliveira realizaram recentemente cursos com as técnicas da bioconstrução.

Edição: Douglas Matos