Venezuela

Leia em português a íntegra da entrevista exclusiva de Nicolás Maduro ao Opera Mundi

Presidente da Venezuela conversou com Breno Altman no programa 20 Minutos; assista à íntegra da entrevista em vídeo

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Maduro conversou com o jornalista Breno Altman em uma edição especial do programa 20 minutos - Presidencial Venezuela/Twitter

O Brasil de Jair Bolsonaro é o novo centro do trumpismo no mundo, após a saída de Donald Trump da Casa Branca. A análise foi apresentada pelo presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, durante entrevista exclusiva que concedeu ao jornalista Breno Altman, nesta segunda-feira (1º), para o programa 20 Minutos, do Opera Mundi.

Leia, a seguir, a íntegra da entrevista, traduzida para o português.

Breno Altman: Bom dia. Hoje é 1º de fevereiro de 2021. Começa o programa 20 Minutos Especial. Teremos a honra de entrevistar Nicolás Maduro, presidente da República Bolivariana da Venezuela. Militante da Liga Socialista, condutor do metrô de Caracas e líder sindical, Maduro se uniu ao Movimento Quinta República e participou com destaque da campanha eleitoral vitoriosa do comandante Hugo Chávez em 1998. Foi deputado constituinte, parlamentar, chanceler e vice-presidente. Eleito chefe de Estado e de governo pela primeira vez em 2013, foi reeleito para um segundo mandato em 2018. Presidente Maduro, muito obrigado por aceitar nosso convite. Para nós, é muito importante a oportunidade de conhecer suas opiniões e experiências, muitas vezes ocultadas ou distorcidas pela imprensa de direita no Brasil e no Mundo.

Nicolás Maduro: Breno, muito obrigado pelo seu convite. Estou às suas ordens. Me permite? 

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Vamos tirar a máscara, assim ficamos em pé de igualdade. Muito obrigado, presidente. Bem, vamos começar. Apesar das sanções dos Estados Unidos e as graves dificuldades econômicas, a Venezuela possui a taxa de mortalidade mais baixa por covid-19 na América do Sul e ajuda o Brasil com fornecimento de oxigênio ao estado do Amazonas. Como explica a possibilidade desses feitos tão positivos no combate à pandemia na Venezuela? 

Bem, em primeiro lugar, porque na Venezuela temos um sistema público de saúde, gratuito e de qualidade. É um sistema público que foi construído em 20 anos de revolução e que suportou os últimos dois anos de agressão econômica brutal por parte do governo de saída dos Estados Unidos, governo supremacista de Donald Trump. É um sistema público que possui um poderoso fundamento na medicina primária, na medicina preventiva, na medicina familiar. Ali se começou a constituir um sistema na medicina de promoção preventiva.

No ano de 2003, chegaram à Venezuela quase 20 mil médicos cubanos e, a partir daí, fomos construindo uma medicina baseada na medicina preventiva. Nós graduamos quase 30 mil médicos e temos um sistema de medicina que chega ao bairro, que chega à comunidade para poder enfrentar essa pandemia, tomamos várias medidas. A primeira medida, as preventivas: algo muito simples, usar máscara simples, guardar a distância, respeitar todas as medidas extremas de segurança no espaço público, no espaço de trabalho, o espaço familiar. Nós tivemos, desde março, 11 semanas de quarentena radical, profunda, total. E foi uma quarentena nacional voluntária, consciente. Nunca fizemos através da força, não fizemos pela força.

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A partir de julho, começamos a aplicar um método que descobrimos, que difundimos muito, mas a imprensa mundial não diz nada. Deve ser porque é um método exitoso e vem da Venezuela, então, se mantêm calados, os manipuladores de sempre, os que sempre mentem. O método 7+7, Breno, 7+7. Combinamos 7 dias de quarentena radical, consciente, voluntária e logo vem 7 dias de flexibilização segura, em que as pessoas saem para trabalhar e fazer suas atividades sociais. É um método que combinamos até o dia de hoje e nos permitiu controlar, bem, o que foi uma onda que chegou até mil e tantos casos, 1.200 casos no máximo, lá pelos meses de setembro/outubro. Logo em novembro/dezembro houve uma diminuição. Agora em janeiro nós tivemos um pequeno crescimento nos casos, que chegou até 600 casos, e já começamos a controlar isso totalmente com o método 7+7. Além disso, garantimos 14 mil brigadas médicas, que vão procurar os casos, Breno, vão procurar os casos na rua, na comunidade, com os testes PCR diariamente, incansavelmente. De casa em casa procurando os casos. Se uma pessoa se sente mal, telefona e vão as brigadas médicas. E todos os casos, todos os casos que testamos na Venezuela — sejam assintomáticos, sintomáticos leves, sintomáticos moderados — todos os casos possuem hospitalização em lugares seguros, de acordo com o nível de gravidade, e a todos os casos são dados tratamento, Breno, tratamento gratuito, todos os remédios que precisa. O protocolo de tratamento, o fizemos em conjunto com a Organização Mundial da Saúde, são protocolos internacionais de tratamento. Tivemos uma grande colaboração científica com China, Índia, Turquia, Rússia, Cuba, Vietnã. E os tratamentos são garantidos. O tratamento médico, o tratamento médico gratuito. Assim, bem, fizemos um grande esforço.

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Você me perguntava sobre o tema do oxigênio que mandamos ao Brasil. O Brasil deve saber que a solidariedade com o Amazonas é nossa obrigação. Somos povos irmãos, entre povos irmãos deve existir a boa vizinhança, a solidariedade, a cooperação, o encontro fraterno, uma fronteira de paz, uma fronteira de amor entre os povos. Não uma fronteira como fez Bolsonaro, que envia equipes militares, milícias, ameaças de que vão nos invadir, porque lá estava Mike Pompeo, no Amazonas, em Manaus, Boa Vista. Não, a fronteira Brasil-Venezuela não deve ser para a guerra, deve ser para cooperação, a solidariedade. Esse oxigênio, você sabe quem me propôs enviá-lo?

Não.

A classe trabalhadora da indústria siderúrgica Sidor. Porque eles possuem um setor de oxigênio muito vigoroso. Eles nos disseram: “Temos uma grande quantidade de oxigênio". E eu falei com eles, porque eu falo com a classe trabalhadora diretamente, falei pelo telefone, e disse: “Se já os tem prontos, vão os caminhões!” Aí fizemos o anúncio. Assim, esse oxigênio quem o enviou foi a classe trabalhadora do estado de Bolívar ao povo do Amazonas. E, bem, estamos fazendo uns acordos para fornecer oxigênio permanentemente a Manaus. Um gesto de amor.

A resposta que deu Bolsonaro foi uma resposta mesquinha, de ódio. A única coisa que precisava dizer era “obrigado”, “muito obrigado”. A única coisa que tinha que dizer Bolsonaro e pronto. Pronto. Ele tem que colocar as coisas ideológicas de lado, essa luta ideológica entre o Trump do Brasil, Jair Bolsonaro, e nós, a esquerda. Bem, é o momento de salvar vidas. Temos que colocar isso de lado. E colocar no centro o ser humano, salvar a vida do ser humano. Essa é a modesta experiência que eu posso narrar a você nestes 20 minutos de programa. Estes 20 minutos que nunca são 20 minutos.

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Presidente, quais as principais políticas econômicas e sociais que o governo venezuelano adotou para dar sustentação à estratégia contra a pandemia, à estratégia da quarentena 7 por 7?

Bem, em primeiro lugar, assumimos o pagamento de toda a folha de pagamento das empresas privadas venezuelanas durante seis meses. Assumimos o pagamento de bônus especial para os trabalhadores da economia informal porque, bem, toda essa primeira etapa tivemos mais de onze semanas de quarentena total. E logo seguimos combinando a quarentena 7 dias (de isolamento) e 7 dias de trabalho, no que chamamos de 7+7, que é um método que precisa ser estudado, dá grande resultado. Também, bem, isentamos o pagamento de juros e de capital aos empréstimos no país para que o empresariado tivesse um colchão, um respiro. E estávamos pendentes do apoio econômico, financeiro a todo o setor empresarial. Estamos, através de um sistema que temos que chamamos de carnê da pátria, em que respaldamos a mais de 20 milhões de venezuelanos, quase toda a população adulta.

Estamos respaldando diretamente com bônus do carnê da pátria mais de 7 milhões de famílias. Estamos garantindo, de maneira consequente, o alimento. Levando uma cesta de alimentos mensal completa, a 7 milhões de famílias. Apoiando. E são programas permanentes de apoio através do carnê da pátria, através do programa de alimentação chamado CLAP e através de todos os programas. E o mais importante de tudo, a saúde, em uma pandemia que surpreendeu o mundo, o mais importante de tudo é a prevenção, a liderança.

É muito importante a liderança porque, quando a família de um país, o povo de um país, enfrenta uma situação como essa, a primeira coisa que se busca são os olhos, a visão do líder. O que diz o líder, o que diz a liderança de seu país e se a liderança de um país o orienta corretamente. Se diz “cuide-se, use a máscara, cuide de sua família, cuide de sua comunidade, cuide quando sai à rua, se você se sente mal, telefona e procuramos um médico. E se estiver doente, cuidamos de você e de sua família”.

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As pessoas ganham confiança e se motivam. Veja, em todos esses primeiros seis, oito meses da pandemia, eu aparecia na televisão em atos públicos entre quatro ou cinco vezes, sempre de máscara e sempre orientando as pessoas. A liderança orienta a levar a sério a pandemia, a chamar pela disciplina social, chamar a motivação social a todos, sem distinção de nenhum tipo de raça, nem de religião, nem de ideologia, nem de classes sociais, porque o coronavírus não respeita nem aos multimilionários, os super-ricos, nem as pessoas que vivem na pobreza. O coronavírus é capaz de contaminar a todos.

A liderança tem por responsabilidade o que aconteceu. Por exemplo, nos Estados Unidos, onde o presidente que que saiu, Donald Trump, desprezou a máscara sempre. Disse que isso não servia. Acontece que, como Donald Trump disse que se podia sair às ruas sem problemas, bem, você tem uma tragédia nos EUA. O país com mais casos do mundo.

Agora, com a chegada do novo presidente, Joe Biden, ele tem uma situação em que o coronavírus está fora de controle. A liderança que atua de maneira irresponsável, subestimando a pandemia, dizendo que a pandemia é uma gripe, dizendo que é mentira e etc., etc. As consequências são trágicas, trágicas, como têm sido nos Estados Unidos, por exemplo.

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Presidente, como enfrenta a Venezuela a esta nova onda de infecção pelo coronavírus? Há organização para a vacinação massiva? Conte-nos, também, o desenvolvimento desse antiviral sobre o qual você tem falado faz uns dias.

Bem, nós estamos renovando energia, força. Agora, com as festividades de Natal, de final de ano, desde dezembro, demos uma flexibilização em todo o mês de dezembro. Pudemos fazer isso e foi tudo muito bem. Uma grande atividade comercial, econômica entre a população. Se quintuplicaram as atividades comerciais, impressionante. Isso não diz a mídia mundial a imprensa mundial, a atividade econômica tremenda que houve, e posso dizer que o povo da Venezuela passou um dos natais mais seguros, felizes, e posso dizer hoje.

Mas isso teve um efeito, em janeiro houve um crescimento de casos para cada 100 mil habitantes. Sabe que isso é uma medição mundial, subimos de 12 casos para cada 100 mil habitantes para 20 casos, agora em janeiro, para cada 100 mil habitantes. Já estamos baixando isso, já me dizem que ao final desta semana, baixamos. Assim, estamos reanimando as brigadas para a procura, reavivando a campanha pública. Agora o slogan é o seguinte: “Se eu me cuido, eu cuido de você. Se você se cuida, você cuida de mim”.

E assim vamos nos cuidando, nos cuidemos e, bem, isso nós explicamos e a população o assume e vamos renovando a energia porque, você sabe que as coisas às vezes se esgotam. É verdade que as pessoas podem se cansar - “não sigo lutando contra a pandemia!” - ou alguma pessoa negacionista - “Não, a pandemia é uma mentira!” - e volta a aglomerar, como aconteceu na Europa, nos Estados Unidos. Lamentavelmente, no Brasil e na Colômbia, está começando a terceira onda. Não é segunda onda, já é a terceira com um lamentável número de falecidos. Assim que estamos reanimando as brigadas médicas, eu pessoalmente me ocupo de onde estão as brigadas médicas, qual foi o resultado do dia, quantas pessoas visitaram, quantos testes fizeram, quantos resultados. Um presidente tem que se dedicar aos problemas do povo de verdade, senão, para que esse presidente? Não é?

Presidente, já começou a vacinação massiva?

As vacinas estão por chegar. Eu calculei, desde o ano passado, que a vacinação verdadeiramente massiva iria realmente acontecer no mês de abril. Porque, bem, como as análises dos nossos especialistas e cientistas, eles nos diziam que iria acontecer algo que está acontecendo. Não há capacidade de produção de nenhuma vacina no nível que necessita o mundo e que o que iria acontecer era a reserva das vacinas pelo norte. E assim aconteceu.

Dez países reservaram para si 95% das vacinas do mundo. Então, eu acredito que em fevereiro devemos começar uma vacinação crescente e já em abril será a vacinação massiva.

Qual é a vacina que vocês estão importando?

Nós aprovamos a vacina Sputnik, a russa, porque fizemos testes na Venezuela e houve 100% de efetividade da vacina russa. Fez a prova clínica e todas as provas foram de 100% de efetividade para a vacina russa. E além disso, é “inócua”, não provocou nenhum problema, felizmente.

Também com a China, estamos fazendo os testes de várias vacinas, e esperamos a vacina cubana. Cuba possui quatro vacinas, avançou muito em duas delas. Uma, chamada Soberana 2, é muito efetiva, e a outra chamada Abdala. Ficam as quatro vacinas cubanas, duas que estão muito avançadas, e essa vacina, a vacina russa, mais a vacina chinesa.

Decidimos pela Aliança Bolivariana para os Povos da nossa América, a ALBA, criar um fundo de vacinas. Teremos um fundo de vacinas para distribuir vacinas para todos os países da ALBA, da América Latina, Caribe e, mais para frente, a países que precisem de nossa região. Também, você me perguntou do antiviral.

O antiviral. O tenho nas mãos. Este antiviral, é um antiviral poderoso, muito poderoso. Aqui estão todas as indicações. É um antiviral descoberto na Venezuela. Aqui estão todas as indicações. Durante nove meses fizemos todas as provas biológicas, químicas, clínicas. Foram feitos testes em hospitais, foram feitos testes com doentes assintomáticos, com doentes com sintomas leves, moderados, graves e muito graves.

E teve 100% de efetividade contra o vírus. Agora, teimam em dizer que eu anunciei uma campanha mundial, em todas as TVs do mundo. Eu vejo na Espanha, em Miami, na Colômbia, no Peru, na Argentina. Eu somente digo, aqui está a prova, o informe científico vai ser publicado em uma prestigiosa revista mundial e estamos solicitando a OMS sua certificação. Foi feita por mentes brilhantes e foi efetiva.

Nesta semana começamos a sua produção massiva para que possamos baixar a taxa de mortalidade, a taxa de mortos por coronavírus a zero. Bem, eu peço a Deus que consigamos. Também temos um segundo antiviral muito poderoso, que chamamos de R10. Muito poderoso. Já passaram todos os testes. Muitos destes testes de Carvativir e de R10 foram feitos em outros países. Isso vai se saber quando publicarmos o trabalho científico. Em outros países se fizeram testes biológicos, químicos e se validaram as provas clínicas. Em outros países, vai ser uma surpresa para vocês, vão ver.

Agora, como faz Venezuela? Venezuela tem um bom grupo de cientistas. E por que a Venezuela não poderia fazer isso? Eu saio em defesa dos cientistas venezuelanos, das instituições científicas de 60 anos, 80 anos de existência, com as melhores capacidades tecnológicas. Assim que, bem, demos esse passo, e ponho à disposição do mundo como bem público global, os dois antivirais feitos pelas mentes brilhantes dos cientistas e das cientistas da Venezuela.

Os coloco à disposição de quem quiser, a organização científica que quiser no mundo, pública ou privada. O governo que queira certificar, está às ordens e vocês verão que é uma contribuição solidária científica da Venezuela para combater essa pavorosa pandemia.

Presidente, a respeito da situação econômica mundial que, como se vê, muito afetada pela pandemia, inclusive a economia venezuelana, sob um forte bloqueio dos EUA e da Europa já por vários anos. Qual é o programa de recuperação que se está aplicando ou se aplicará à economia venezuelana? O fundamental deste programa.

Primeiro, precisa saber que temos sido vítimas da perseguição financeira, econômica, comercial mais brutal que se tem conhecimento em 100 anos. Brutal, perseguiram contas bancárias, congelaram e roubaram todas as nossas contas bancárias no mundo. Nos roubaram mais de 40 bilhões de dólares. Cancelaram as contas bancárias. O Estado venezuelano, a indústria petroleira não possui contas bancárias no mundo. Inclusive, alguns setores empresariais privados tiveram cortadas suas contas bancárias no mundo. Além disso, se sancionou a indústria petroleira, a indústria do ouro, as criptomoedas, aos petros, a toda economia, perseguiram até o último barco.

Ficamos 14 meses sem vender uma gota de petróleo ao mundo. Passamos de 56 bilhões de dólares de arrecadação anual a 700 milhões dólares no ano de 2020 que acaba de terminar. Verdadeiramente é uma política, como declarava Donald Trump, como declarava Mike Pompeo, como declarava o secretário do tesouro, todos esses funcionários se aliaram uma política para asfixiar e render a Venezuela. E tem conseguido causar grande dano. Mas jamais nos rendemos, nem nos renderemos. Agora há uma política econômica para equilibrar as contas. O principal problema que temos é o orçamento nacional e temos uma política para o recuperar neste ano de 2021 que arrancou bem neste primeiro mês de janeiro.

A política de recuperação do orçamento nacional. Porque o orçamento nacional é que termina permeando toda a economia e sustenta os direitos sociais do povo, o direito ao trabalho, o direito ao salário, o direito à segurança social, o investimento em saúde, em educação, em cultura, em habitação. Assim, que o fundamental da política econômica nesta etapa é a recuperação dos investimentos porque nós já temos um sistema de equilíbrio econômico, temos um sistema de distribuição de riqueza. Assim que, estamos concentrados nisso que na Venezuela posso te dizer, este período de um tremendo ataque 2019/2020.

Na despedida do demônio, Trump se despediu. Você viu o filme O Exorcista? O Trump se despediu como se despede o demônio no quarto da moça, Linda Blair. Se despediu destruindo tudo. Nestes últimos dois anos, subimos a produção de alimentos. Temos superado o problema de abastecimento de alimentos que tivemos nos anos anteriores. Há um bom nível de abastecimento.

Elevamos e mantivemos um bom nível de resistência no funcionamento do aparato industrial, que é bem importante na Venezuela para a satisfação das necessidades (do país). Conseguimos apoio dos setores privados. Posso dizer que hoje em dia na Venezuela, em consequência dessas agressões, surgiu um setor empresarial privado nacionalista que ama o país e quer bem à Venezuela, trabalhando com seu próprio fôlego, com seu capital e que isso seja uma conquista que temos nesta etapa.

A eleição da nova Assembleia Nacional, inclusive com o boicote de parte da oposição, representa o fim da crise política que começou em 2019?

Representa uma nova era política, um novo ciclo político. Nós, em 2017, quando houve a insurreição chamada guarimba, de violência e morte de gente a quem jogaram gasolina e queimaram gente viva.

Queimaram pela cor da sua pele, por parecerem chavistas. Nesse ano de 2017, eu convoquei uma Assembleia Nacional Constituinte com o voto do povo e prometi a paz e a paz chegou. A Constituinte trouxe paz. Agora esta Assembleia Nacional, dizemos que trará estabilidade e recuperação.

E assim vai ser, bem, um novo ciclo de estabilidade e recuperação. Já se sente a estabilidade política. Já começa o que se chama jogo político do debate democrático na nova Assembleia. É extraordinário, a nova Assembleia está funcionando. Nomeamos uma nova comissão de diálogo, que está dialogando com todos os setores do país para buscar um acordo nacional no econômico, no social, no político lateralmente a Assembleia Nacional cumpre, cobre todo seu espaço político. Começou uma nova era, um novo ciclo e é uma realidade que Venezuela superou essa etapa dessa Assembleia Nacional que se pôs de joelhos aos interesses estrangeiros, interesses do Império Gringo. Dessa Assembleia Nacional que chamou a invasão de Venezuela através do Tiar. Chamou as sanções e o bloqueio da nossa economia. Dessa Assembleia nacional que teve a ‘louco bobolongo’, como chamamos aqui. Não tem tradução, ‘bobolongo’, que se autoproclamou presidente de um país.

Bem, ficará para a história. Não esqueceremos o que estavam tentando fazer contra a Venezuela e não puderam. Com a Venezuela, com o país, suas instituições. Seu povo pôde mais porque as pessoas querem paz, estabilidade, recuperação. E as pessoas querem voltar ao estado de prosperidade que tivemos, que nos deixou Chávez, que nos deixou um Estado de bem-estar e prosperidade que nunca antes nosso povo havia vivido em 200 anos. As pessoas querem voltar a isso.

Qual análise você faz, presidente, sobre o êxito do processo bolivariano na resistência ao golpe de Estado e ameaças externas quando praticamente todos os demais governos progressistas da América do Sul foram, em algum momento, derrotados nos últimos anos? A que você atribui essa capacidade de resistência do processo venezuelano, ainda que tenha o processo mais cercado, mais ameaçado, mais sabotado pelos seus adversários internos e externos?

Bem, aguentamos quatro anos de política extremista supremacista e de agressão do governo de Donald Trump. Desde que chegou em 2017, até o mês de janeiro de 2021. Uma tentativa permanente de violência, insurreição, desestabilização, ameaças em agosto de 2017, ameaça aberta de invasão militar. Primeira vez que um presidente dos EUA ameaça invadir a Venezuela. Em sua mansão, em Mar-a-Lago, na Flórida, saiu de uma reunião a ameaçar. Todas as opções estavam à mesa, incluso a opção militar contra Venezuela. E sabemos que em setembro desse ano de 2017, propôs a vários presidentes - ao presidente Santos, da Colômbia, ao presidente Varela, do Panamá e outros presidentes - uma invasão conjunta à Venezuela.

Aguentamos tentativas de assassinato e a ordem saiu de Donald Trump, da Casa Branca, em 4 de agosto de 2018. Tentativa de impor um presidente. Eles creem que é assim. Imagens de documentos deles, que se vai conhecer algum dia, serão um dia retirados do sigilo. Eles diziam que em 72h, disseram a um presidente europeu, ligaram para ele. Não direi o nome, mas você pode imaginar quem. Ligaram para ele, da Casa Branca e disseram que Maduro não aguentaria 72h, não fique para trás. E esse presidente me deu 48h para que saísse. E logo veio a tentativa de golpe de Estado de 30 de abril de 2019 e nós atuamos, como venho dizendo, com nervos de aço.

Eu disse a muitos presidentes do mundo e a líderes que nos visitam: ante essa tentativa de golpe que passamos, com os EUA, uma tentativa de golpe com gente armada em uma avenida principal da capital. Que houvesse passado no Brasil ou na Colômbia. Ou que houvesse passado na Alemanha ou na Espanha. Haviam enviado as forças militares, não é?

Eu tinha pronta as forças militares, as forças especiais, e disse: ‘nervos de aço, quietos todos, esperemos’. ‘Vamos fazer as manobras para que isso acabe e não haja nenhum ferido.’ Lamentavelmente eles dispararam e houve feridos, houve falecidos, mas policiais que estavam perto, no perímetro da situação. Mas estávamos com nervos de aço frente a uma tentativa descarada de golpe de Estado, apoiado pela Casa Branca. Saiu John Bolton a declarar da Casa Branca que apoiava esse golpe de Estado. Saiu Mike Pompeo e depois saiu Trump. E depois tiveram que sair segurando seu vidro quebrado porque os derrotamos e triunfou a paz.

Bem, não vou seguir com esta comprida lista. Qual é a chave? É a consciência, liderança e a força moral do povo bolivariano, do povo de Chávez. Chávez formou um povo com valores e nós nos mantemos com esses valores, nos mantemos mobilizados permanentemente. Qual é a chave? A união cívico-militar poderosa, assim, poderosa, cívico-militar, de consciência, de valor. Um projeto pátrio, da pátria que temos na Constituição. Esta constituição fez o povo, com o povo, a aprovou o povo no ano de 1999. O povo a defende com o seu coração. Essa é uma chave fundamental, fundamental.

A força própria da liderança, da mobilização permanente, a consciência e o desejo de lutar, de não se dar por vencido jamais. E batalhar, batalhar, batalhar. E colocar a nossa vida, nossa vida, minha vida diante da batalha.

A outra chave, sem dúvida, é a incoerência política da extrema-direita. Não tem futuro na Venezuela e acredito que no mundo as políticas extremistas da direita não têm futuro. São políticas fantasiosas. Quem poderia dizer, por favor, quem conhece a democracia venezuelana e suas instituições, que eles poderiam impor um presidente de fantoche, um presidente fantasioso, um presidente de mentira. Então, se os adversários, os inimigos da revolução vêm com políticas fora da realidade, fantasiosas, baseadas em desejos extremistas, se pode esperar que fracassem. Então, são duas grandes razões que eu poderia dar a você e que deu como resultado importantes vitórias, ainda que isso não seja para se vangloriar. Eu sempre digo aos companheiros e ao povo, não nos vangloriemos.

Não tem que se vangloriar, eu digo à Força Armada Nacional Bolivariana, patriota, revolucionária, anti-imperialista, antioligárquica. A força armada nacional bolivariana é uma força de serviço à pátria e não uma força de serviço do império estadunidense, nem de embaixada gringa. Essas amarras se romperam. É uma chave para a América Latina. É necessário construir poderosos laços com as forças militares sobre a base dos valores nacionais, os valores patrióticos da história nacional e da democracia. É fundamental.

O governo venezuelano, presidente, é acusado por seus opositores de ser antidemocrático e muitos chamam você de ditador. Como você responde a essas críticas?

Estão há vários anos nisso. Também chamaram o Chávez de ditador. Essa é a forma deles de justificar suas políticas golpistas, extremistas. Chávez foi o grande democratizador da vida nacional. A primeira coisa que fez o comandante foi convocar uma Constituinte popular, e fazer uma Constituição garantista, profundamente democrática, aqui está ela. E pela primeira vez na história da Venezuela, uma Constituição debatida com o povo e aprovada em um referendo, com 74% dos votos. Chávez foi um grande democratizador, construtor dos novos poderes públicos, das novas instituições.

Chávez foi o impulsor e construtor do poder social, do poder cidadão, do poder popular. Não pode existir democracia maior que o cidadão estar empoderado, que ele tenha poder em sua comunidade, seu bairro, seus sindicatos. E esse poder vai se elevando até as decisões fundamentais do Estado e do governo do país. 

O poder popular na Venezuela é muito poderoso. Então eu herdo, entre os legados do comandante Chávez, esta mesma acusação, de ditador. Veja você, eu estou aqui por ter sido eleito e reeleito com o voto do povo. Nesses 20 anos, nós fizemos 25 eleições, Breno. 25! Nós ganhamos 23 eleições. A oposição ganhou duas, que nós reconhecemos imediatamente. Uma eleição em 2007, para uma reforma da Constituição, e o Comandante Chávez disse, imediatamente, que nós perdemos. E outra eleição, a da Assembleia Nacional, em dezembro de 2015, que eu perdi. E disse imediatamente, reconheçamos o triunfo da oposição. 

E, depois, tudo o que se passou nos últimos cinco anos... 25 eleições! Um poderoso poder popular, uma vida democrática com plenas liberdades. Agora, o que eu também posso dizer é que eu não sou um presidente bobo, chantageável, ameaçável, que se assusta com quatro gritos vindos da Casa Branca… não me assusto! Nem nos assustamos. Não somos nem um presidente nem um povo bobo. E isso é o que querem que nós paguemos. A conta que querem nos fazer pagar. É porque eu não deixei que me derrubassem, Breno. Não deixamos eles nos golpearem, não deixamos eles nos colonizarem. Então querem nos fazer pagar essa conta. A direita, a centro-direita, e algum setor progressista e de esquerda covarde, dos que existem no mundo, e que existem. Tentam, então, se justificar, e pagar suas contas ao império, para que os perdoem, e permitam que eles sejam candidatos em alguns países. Falando mal da Venezuela, falando mal do Maduro, mas eu estou tranquilo com a minha consciência, com a consciência do povo, e na Venezuela nós temos uma vigorosa democracia popular, participativa, protagonista, constitucional, e que seguirá… 

Este ano nós teremos eleições de governadores e governadoras. São 23 Estados… Atualmente, Breno, todas as pesquisas dizem que estamos a ponto de ganhar nos 23 estados através do voto... através do voto... No próximo ano teremos eleições em 335 prefeituras. Na última eleição municipal, entre essas 335 prefeituras, nós ganhamos em 307. Eu acho que nas próximas eleições municipais nós vamos ganhar o mesmo, pouco mais de 300 prefeituras. E tudo através do voto! Tudo isso é através do voto, com participação, debate público…

Felizmente, agora nós temos uma boa Assembleia Nacional. Está chegando café… Café venezuelano, Breno, o melhor do mundo…

Não, não, não, o café brasileiro é melhor que o venezuelano.

[risos] Me manda de presente.

Vou te mandar de presente… Presidente, seus críticos insistem em indicar, como "graves falhas" de seu governo, a imigração massiva de venezuelanos e a suposta falta de respeito aos direitos humanos. Um exemplo é o Informe Bachelet. Essas críticas procedem?

Primeiro, pela primeira vez, devido a essa guerra econômica brutal, desta asfixia econômica, nos últimos anos, se produziu um fenômeno importante de imigração. Os institutos calculam que cerca de 600 mil e 800 mil venezuelanos migraram nos últimos quatro anos. Aqui, na Venezuela, é importante saber, nós temos cerca de 6 milhões de colombianos.

Todos os anos, cerca de 200 mil colombianos entram na Venezuela, isso o mundo deve saber. Temos 600 mil peruanos, 600 mil equatorianos, 1 milhão de árabes, 600 mil portugueses, 500 mil italianos, temos 600 mil espanhóis, a Venezuela é um país receptor de migrantes.

Sempre foi. Gente do Haiti, de Trinidad [e Tobago], de muitos países. E continua sendo assim, e migram e ficam por aqui. Agora, devido à asfixia econômica, esta guerra brutal um grupo de descendentes desses colombianos, peruanos e equatorianos migrou, e outro grupo de venezuelanos, de nascidos aqui, também migrou. Não se deram nada bem. Nós fizemos um estudo, porque agora, devido à pandemia, quase 300 mil regressaram a pé. E nós acabamos lançando o plano "volta à pátria", que utiliza aviões do Estado, da empresa Conviasa. Regressamos milhares de migrantes, nós temos uma lista [de migrantes] para regressar do Equador, Peru, Chile… Por avião, quase 80 mil venezuelanos, nas listas das embaixadas e consulados.

Bom, isso é um fenômeno, pois estamos atendendo… Sua resposta? Bom, econômica. Lamentavelmente, a xenofobia, a perseguição, como está ocorrendo agorinha no Peru. No Peru, fizeram decretos contra a imigração venezuelana, enquanto nós tratamos os migrantes peruanos aqui pela lei, com amor, com carinho bolivariano, porque o (Simón) Bolívar foi o libertador do Peru. Nós amamos o Peru, e agora eles nos perseguem publicamente, com um decreto de proibição de entrada dos venezuelanos no Peru. É toda uma controvérsia, tenho certeza que a maioria dos venezuelanos e venezuelanas que tiveram problemas que passaram dificuldades, que viveram a dor do trabalho escravo, da xenofobia, da perseguição, a maioria regressará a sua pátria, uma vez que essa pandemia esteja superada, e quando o país esteja estabilizado.

Sobre a segunda parte da tua pergunta, bom, existe o Informe Bachelet. A Bachelet sabe muito bem qual é a nossa opinião, ela sabe que lamentei diante dela, pessoal e publicamente, em várias oportunidades, que ela ecoou informes já elaborados por esse departamento. Lamentavelmente, durante anos, foi um departamento nas mãos de uma pessoa muito perversa, de uma pessoa inimiga da Revolução Bolivariana, militante público da causa antibolivariana e que minou o caminho para que esse departamento tivesse uma visão objetiva sobre a Venezuela.

Na Venezuela há respeito pleno aos direitos humanos, e quando há alguma violação por parte de algum organismo do Estado, a promotoria atua imediatamente, captura, processa e castiga judicialmente aquela pessoa que, em algum momento, tenha abusado do seu cargo, ou abusado do seu poder. Essa é a verdade. Agora, com a Bachelet, nós estabelecemos um escritório de cooperação na Venezuela e temos uma comunicação melhor. Eu espero que, no futuro, seus informes sejam mais objetivos, não sejam baseados, como foram no passado, no ódio que ficou nesse departamento, e em reportes de ONGs financiadas pelo governo dos EUA, ou da imprensa digital absolutamente financiada pelo governo dos EUA…

É uma batalha pela verdade! É uma batalha permanente, mas o povo do Brasil e os que nos escutam nessa entrevista devem ter a segurança de que a Venezuela é um país garantista das liberdades públicas e dos direitos humanos.

Nos últimos dois anos, presidente, foram eleitos governos progressistas no México e na Argentina. O golpe boliviano foi derrotado e o MAS, com Lucho Arce, regressou ao governo. No Chile e no Equador se produziram verdadeiras rebeliões populares… O pêndulo sul-americano volta a girar à esquerda?

Creio que vem uma nova onda, começa uma nova onda de governo de avançada, governos progressistas, governos valentes, patrióticos. De governos de esquerda, de governos revolucionários. A América Latina vai retomando seu curso normal, é como um rio, um rio que tem seus afluentes naturais e que tentam parar, que seus afluentes não sigam correndo, a terra… O rio vai buscando seu curso até que o encontra o rio da revolução latino-americana, caribenha, o rio das mudanças profundas, está buscando seu próprio curso há 200 anos, dois séculos buscando o curso.

Vivemos uma primeira onda gloriosa, com a união dos líderes: Hugo Chávez, Lula, Kirchner, Tabaré (Vázquez), Pepe (Mujica), Evo, Daniel (Ortega), Rafael Correa, Fidel, Raúl (Castro), Díaz-Canel, a Frente Farabundo de Libertação Nacional (El Salvador) etc… essa primeira onda nos levou à criação da PetroCaribe, da Alba, da Unasul… A Unasul foi golpeada pela ultradireita, mas vai reviver, vai renascer.

Da Celac… Foi um momento brilhante. Entre o ano 2002/2003, até 2014… Cristina na Argentina, e, bom, a direita se mexeu. Deu golpes de Estado, fez campanha suja, e agorinha está, novamente, o ressurgir dos povos. Passo a passo, cada um com suas características. Cada um com suas características, nenhum país é igual ao outro, nenhum líder é igual aos outros, nenhum programa é igual aos outros. Em todo caso, estamos unidos pela luta contra o neoliberalismo. Unidos na luta pela democracia avançada, participativa, direta. Unidos na luta pelos direitos do povo, a igualdade na distribuição da riqueza. Unidos na luta pela união da América do Sul, da América Latina e do Caribe. Unidos na luta por um mundo sem hegemonismos, por um mundo multipolar… Unidos por coisas belas, maravilhosas!

Tomara, Breno, escute o que eu vou te dizer: Tomara que, uma vez que essa onda progressista seja coroada com a grande vitória dos povos em todos os nossos países, tomara que nos reencontremos cara a cara, rosto a rosto, os líderes, as líderes, e possamos dar um novo impulso à Unasul, à CELAC, à verdadeira união, Breno…

Você sabe que eu fui chanceler do Comandante Chávez durante quase 7 anos, fui testemunha de todas essas jornadas de trabalho de Chávez com Lula, Kirchner, Tabáre, Pepe (Mujica), Cristina, Rafael (Correa), Evo, Daniel (Ortega), Raúl (Castro), Fidel, com todos. E sempre se falou de cooperação profunda, de integração, de união econômica profunda. União financeira, com o Banco do Sul. União petroleira, com PetroSul. União comercial, cultural, política, a união dos povos.

Nós (Venezuela) e o Brasil estivemos 200 anos separados, e foi com Chávez, Lula e Dilma que voltamos a ver nossos rostos, as caras. Eu espero que mais cedo do que tarde, nós possamos nos reencontrar, de coração a coração, o povo do Brasil com o povo da Venezuela, para reconstruir a união da América do Sul, e para reconstruir a felicidade que o nosso povo merece. Isso é o que eu espero, de verdade. Esse é o meu sonho.

Presidente, você tem alguma esperança de que a política dos Estados Unidos para o seu país mude no governo de Joe Biden?

Sempre há esperança. Esperemos! A esperança espera. Você espera que seja melhor. Eu espero que seja melhor, tenho esperança. Mas, bem, são realidades políticas. O presidente Joe Biden está nos seus primeiros dias. Se inteirando dos temas, tomando as primeiras decisões. Há grandes lobbies da Flórida, lobbies muito poderosos, multimilionários… Você sabe que uma das coisas que aconteceu com esse experimento nefasto do Guaidó é que eles se enriqueceram, se apropriaram de bilhões de dólares, e não estou exagerando.

Os EUA é quem dizem que seu governo entregou a eles (Guaidó) 1,7 bilhões de dólares. E com isso compraram lobbies. Você sabe que a política dos EUA se move com os lobbies. Em Washington, contrataram 2 ou 3 lobbies poderosos para fazer lobby no Dep. de Estado, na Casa Branca. Vamos esperar. Há uma realidade política: Venezuela é um país democrático, com eleições, que está se normalizando em sua vida política interna. E que quer boas relações com o governo dos EUA. Tomara que eles tenham a capacidade de virar a página. Da nossa parte, eu já virei a página. Será apenas uma lembrança ruim, os 4 anos supremacistas e extremistas da agressão de Trump, uma lembrança ruim. Agora, olhemos para o futuro, e tomara que o futuro seja melhor.

Presidente, qual a importância da aliança com a China e com a Rússia, para que a Venezuela enfrente as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia? Seu país, a Venezuela, é um dos territórios vitais de uma nova Guerra Fria?

[risos] Não, não é assim. Eu já li as análises que tentam nos colocar, não, não… O conflito entre a elite dominante dos EUA e a revolução bolivariana é um conflito histórico, de 200 anos. Não existia a República Popular da China, nem existia a Federação Russa ainda. Vem de 200 anos. É o conflito entre a doutrina soberanista, independentista, igualitária de (Simón) Bolívar, para criar uma poderosa grande nação, uma grande república em todo o continente, e a Doutrina Monroe, de James Monroe, que dizia “a América para os americanos”, ou seja: o que é nosso é para eles. É um conflito histórico. E este conflito tem se desenvolvido assim.

Agora, como a Venezuela tem excelentes relações estratégicas com a Rússia e a China, alguns analistas tentam dizer que o conflito é uma espécie de disputa pela colônia, mas não tem sido assim, não é e nunca será assim. Nossas relações com a Rússia e a China são excelentes. Minhas relações pessoais, políticas, humanas, com Vladimir Putin (são) do maior nível que pode haver. Com o presidente Xi Jinping (são) do maior nível: nos falamos, nos escrevemos, nos comunicamos através de enviados especiais de forma permanente. E a Venezuela tem o apoio total e absoluto do governo do presidente Putin, do governo do presidente Jinping e dos dois países.

Quando digo dos dois países, falo dos seus setores econômicos, dos setores energéticos, de seus setores financeiros, de todas as suas instituições. Mas também temos relações extraordinárias com potências grandes e emergentes do novo mundo. Já existe um mundo novo e existe um mundo multipolar. Podemos dizer, Breno, que estamos na primeira etapa do mundo multipolar. Temos extraordinárias relações com a Índia. Ademais, eu sou um grande admirador espiritual da Índia. Extraordinárias relações com a Turquia, Irã… São as potências emergentes do Oriente Médio. Extraordinárias relações (com eles) e com muitos outros países.

Então, apesar de toda esta campanha brutal, a Venezuela soube cultivar suas relações. Nós aprovamos como você sabe, uma lei antibloqueio, que cria condições extraordinárias para os investimentos estrangeiros, e recebemos mais de 200 ofertas de investimento estrangeiro através da lei antibloqueio, é uma primícia que eu te dou. Mais de 200 ofertas de investimento estrangeiro, de todos os países do mundo. De alguns países que você nem imagina. Claro que os principais são Rússia, China, Índia, Turquia, Irã…

Investimentos públicos e privados.

Sim, investimentos privados, investidores privados, para investir em todas as áreas da economia. Graças à lei antibloqueio, que foi uma lei pensada, elaborada e aprovada pela Assembleia Constituinte para vencer esta perseguição obsessiva, criminosa, venenosa, que o império estadunidense impõe a todas as nossas atividades econômicas, então, creio que há boas notícias sobre os nossos amigos e nossas relações no mundo.

Presidente, você segue acreditando que o futuro do mundo é o socialismo?

Não há outro! Diga-me, o futuro pode ser o capitalismo? A divisão, a exploração, a destruição da natureza? Não. O futuro tem de ser de um novo humanismo. O reencontro dos valores profundos das culturas, das religiões, das doutrinas políticas que buscam de verdade a justiça e a igualdade. E creio que isso é o socialismo. E o socialismo vai ser tão diverso quanto é a humanidade. É um socialismo para o século 21, em que cada um o constrói de acordo com a sua realidade. Aqui não há um dogma, nem haverá um só modelo, não é possível. Cada lugar construirá o socialismo, que é justiça social, igualdade social e a democracia verdadeira, o Estado de direito, o Estado poderoso, de bem-estar social. de justiça, de liberdade. O futuro da humanidade, sem dúvida, será o socialismo. E o socialismo se expressará em toda a sua capacidade de ser diverso, e a humanidade encontrará seu caminho, mais cedo do que se espera.

Veja o caso dos EUA. Pesquisas importantes durante as primárias, para escolher os candidatos, mostraram que 52% da juventude crê em um novo socialismo. Nos Estados Unidos! E 41% da população crê em um novo socialismo, nos Estados Unidos. Há um esgotamento do capitalismo. O que faz o capitalismo é destruir a natureza, gerar miséria e gerar desigualdade. E bem, se você quer ver a realidade, veja como a pandemia do coronavírus desnudou as relações injustas e desiguais do capitalismo no mundo. É isso que quer a humanidade? Não. A humanidade vai encontrar seu caminho e o século 21 é o século para encontrar esse caminho. Não tenho nenhuma dúvida.

Presidente, o senhor será candidato à reeleição em 2024?

Bem, nós produzimos remédios como o Carvativir, mas ainda não fazemos bolas de cristal. Nos faz falta, no dia que a tivermos, asseguro a você que te darei a primeira entrevista. O que tenho a dizer, antes de tudo, é que estarei sempre na linha de batalha. Para isso, fui escalado por Chávez. A primeira linha. Jurei para ele. Nós temos uma liderança coletiva, cívico-militar, verdadeiramente coletivo, em que estudamos, debatemos e tomamos decisões sobre os grandes temas do país. Temos um sistema de consulta permanente do povo, através de conselhos comunais, de poder comunal, das unidades Bolívar-Chávez de batalha nos bairros, os dirigentes de bairro e de rua. Temos um sistema, do Partido Socialista Unido da Venezuela, o grande polo patriótico de debate permanente… Assim é uma liderança coletiva. Eu expresso uma liderança coletiva da Revolução Bolivariana.

Agora, o primeiro que tenho que fazer é ter saúde. O segundo, Breno, pode soar duro, mas é verdade: estar vivo. Porque houve uma ordem de me matarem. Iván Duque, de Bogotá, deu a ordem de me matarem. Donald Trump deu a ordem de me matarem. Tenho que me cuidar, que estar vivo. E depois veremos. Temos de ver o que ocorre daqui até 2024 e ter a segurança de tomar a melhor decisão.

Presidente, o que o senhor diria a Bolsonaro se pudessem ter uma reunião pessoal e presencial?

Se pudéssemos... Eu creio que ele nunca aceitaria se reunir comigo. Porque tem medo de mim. Não quer me olhar nos olhos. Mas, se algum dia na vida, ocorra um milagre, e nos víssemos cara a cara, eu estenderia a mão. E lhe diria: pelo Brasil, pela Venezuela, temos que nos entender.

Ele, como presidente do Brasil, e eu, como presidente da Venezuela, temos de ter a capacidade de Estado, como chefes de Estado, de nos ouvir, de falarmos, de cooperarmos. A situação do Amazonas seria outra, não ocorreria o que ocorreu, se Jair Bolsonaro tivesse pego um telefone e me ligado e dito: Maduro, preciso de oxigênio, e com tempo, eu teria encontrado e não haveria essa emergência, tenha certeza. Muitas coisas resolveríamos com uma chamada telefônica.

Mas Bolsonaro, "não". Agora, Trump se foi. Agora, o centro do trumpismo no mundo é o Brasil, é Jair Bolsonaro. Eu o vejo, o escuto. E todos os dias ele está pior. Mais agressivo contra a imprensa, contra o povo. Mais ameaçante, mais irascível, negacionista. Eu lamento, pelo povo brasileiro. Queria que o destino dos brasileiros fosse outro. Mas, mais cedo ou mais tarde, tenho fé de que o povo brasileiro reencontrará seu caminho, e Bolsonaro acabará como Trump, esquecido pela história, sozinho e esquecido.

Presidente, estamos chegando ao final desta entrevista.

Foram 20 minutos...

São 20 minutos simbólicos, é uma lenda... Presidente, o senhor gostaria de dizer algumas últimas palavras aos brasileiros que nos assistem?

Sim! Tenho boas recordações do Brasil. Quando falávamos pouco antes da entrevista, escutei a voz da mulher que estava aí, esse som da voz dos brasileiros, da forma como vocês falam, e disse a minha esposa, Cilia, que está comigo aqui, que bonito era o Brasil, que belo é o Brasil, que alegria sentimos quando estamos no Brasil, no Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, em São Paulo... Em Brasília... Conhecemos bem o Brasil.

Junto com Chávez, e depois como presidente, conheci profundamente o Brasil. Amamos o Brasil por sua cultura e seu jeito de ser, pelo sentido progressista do povo. Ao Brasil, dizemos: contem conosco. Sempre. Não se deixem enganar pelas tantas campanhas contra Maduro, contra a Revolução Bolivariana, contra a Venezuela. Não deixem que embacem seus olhos, busquem a luz, e sempre terão nossa mão estendida, um abraço fraterno e um beijo no coração do Brasil. Que viva o Brasil!

Presidente, muito obrigado por esta entrevista. Creio que foi muito importante para que os brasileiros e as brasileiras possam conhecer a situação real da Venezuela, para conhecer suas opiniões e para conhecer seus planos para o seu país e para o mundo. Muito obrigado por seu tempo e boa sorte.

Muito obrigado.