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O velório do anão

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Tadeu, triste, saiu e ficou olhando o pessoal, ouvindo a conversa animada. Voltou pra dentro de casa, passou uns vinte minutos e voltou novamente para perto da fogueira - Unsplash
Eram cachorros magros e vorazes, que nunca enjeitavam qualquer tipo de comida

Muitas pessoas dizem que anão não morre, pois nunca viram velório de anão.

Pois eu estive num velório de um deles, que morava numa pobre vila residencial de três casas geminadas de um lado e um terreno baldio do outro. Nos fundos, o quintal era usado em comum pelos moradores das três casas.

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Na primeira casa moravam quatro irmãs solteiras, que tinham o hábito de fazer a iniciação sexual da molecada da cidade.

Na casa do meio morava o Gilo, trabalhador braçal com mania de caçador, que tinha uns oito ou dez esfomeados cães de caça que infernizavam toda a vizinhança à procura de comida, já que o Gilo mal podia comprar alimentos para ele e sua mulher. Eram cachorros magros e vorazes, que nunca enjeitavam qualquer tipo de comida.

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Na última casa, dois amigos incomuns: Tadeu Grande, com mais de dois metros de altura, e Zé Anão, com no máximo um metro e vinte. Tadeu protegia Zé Anão das brincadeiras da molecada e até mesmo dos cachorros do Gilo, que viviam ameaçando o anão. Tadeu e Zé eram amigos inseparáveis.

Um dia o Tadeu viajou para uma cidade vizinha e logo que chegou recebeu pelo telégrafo a notícia de que o seu amigo anão tinha morrido pouco depois de sua saída. Não deu tempo nem para o cavalo descansar, voltou imediatamente para nossa terra.

Chegou em casa às dez horas da noite, com frio, e encontrou o velório já armado. O anão morto estava estirado numa mesa na sala, com quatro velas acesas, mas não tinha ninguém dentro de casa. Tinha uma fogueira em frente, na rua, e todos estavam em volta, tomando cachaça e contando piadas.

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Tadeu, triste, saiu e ficou olhando o pessoal, ouvindo a conversa animada. Voltou pra dentro de casa, passou uns vinte minutos e voltou novamente para perto da fogueira, ouvindo as piadas sem achar nenhuma graça. Entrou de novo, demorou, voltou... assim fez várias vezes seguidas.

A certa altura, apareceu na porta com o anão morto debaixo do braço, gritando:

- Pode ir todo mundo embora! Vocês estão aqui pra beber e contar piada, ninguém tá ligando pro defunto! Vão beber noutro lugar!

- Que isso, seu Tadeu, nós todos gostamos muito do Zé, mas velório é assim mesmo - respondeu alguém.

- Não, não! Vão todos embora!

- Ora, Tadeu, por que você está assim? O quê que aconteceu? - perguntou outro.

E ele respondeu:

- Pô! É a terceira vez que pego os cachorros do Gilo arrastando o defunto lá pro fundo da horta!...

Edição: Daniel Lamir