CORONAVÍRUS

Brasil registra 2.216 mortes em 24 horas e OMS afirma que país é risco global

"Esperávamos algo diferente do Brasil", aponta organização; restante do mundo reduz taxa de contágio e mortes

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País concentra o maior número global diário de casos e mortes desde o dia 9 de março, quando superou os Estados Unidos - Hospital de Clínicas de Porto Alegre HCPA / Divulgação

Pelo terceiro dia consecutivo, o Brasil registra mais de 2 mil mortes por covid-19. Nesta sexta-feira (12) foram 2.216 vítimas registradas, e assim o país ultrapassou a marca de 275 mil mortos, segundo o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass).

O pior momento do surto do coronavírus segue se agravando, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar que o Brasil representa “um risco para todo o mundo”.

“Certamente gostaríamos de ver o Brasil em uma direção contrária. O sistema de saúde do país está sob grande pressão. Enquanto muitos países da América do Sul seguem bons caminhos, o Brasil não. É preciso levar a situação a sério. O que acontece no Brasil tem consequências mundiais”, disse nesta sexta (12) o diretor-executivo da OMS, Mike Ryan.

O surto no Brasil está fora de controle desde o fim do ano passado, e recordes de letalidade e novos casos são batidos semanalmente.

Esta sexta (12) foi o segundo dia com maior número de novos infectados do ano, com 85.663 casos confirmados. Desde o início da pandemia, em março de 2020, 11.363.380 brasileiros sofreram com a covid-19, sem contar a ampla subnotificação pela baixa quantidade de testes que o país realiza.

O momento mais dramático até então fica evidente nos gráficos de curvas epidemiológicas de médias diárias, calculadas em sete dias, que mostram tendências para a doença. A média diária de mortes está em 1.762, enquanto a de novos casos está em 70.593.

Decepção

Além de Ryan, outros membros da OMS concederam entrevista coletiva na manhã desta sexta (12). Um dos pontos centrais foi a situação brasileira.

A condição de epicentro da pandemia faz do Brasil um risco de reaceleração de surtos no mundo. O país concentra o maior número global diário de casos e mortes desde o dia 9 de março, quando superou os Estados Unidos, maior afetado em números absolutos.

Os norte-americanos, assim como o restante do mundo, observam a pandemia regredir desde o início do ano, no sentido oposto do Brasil.

Os olhos da OMS estão voltados ao Brasil, já que a livre circulação do vírus representa uma risco real ao processo de vacinação no mundo.

O receio dos cientistas é de que, como o Brasil não realiza medidas eficazes de isolamento social para reduzir a circulação do vírus, o descontrole em contato com um baixo número de vacinados pode provocar mutações virais resistentes às vacinas existentes.

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, revelou estar decepcionado com o Brasil. “Já estive muitas vezes no Brasil. Sempre considerei o sistema de saúde do país como um modelo por conta da sua amplitude e força na atenção à saúde básica. Os profissionais sabem quais os problemas de cada município. Sempre preferi ver as clínicas e as equipes de saúde da família. Por conta disso, pensei que o sistema de saúde brasileiro fosse se sair melhor, já que é baseada na comunidade. É intrigante ver o que está acontecendo, vai contra nossas expectativas. Esperava um desempenho melhor”, disse.

Colapso

Conforme apontou a OMS, o sistema de Saúde do Brasil está sob forte pressão.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em informe divulgado na última quinta (12) apontou que sete estados estão em condições consideradas críticas por falta de leitos hospitalares.

Entre eles, destacam-se o grupo do Centro-Oeste e do Sul: Paraná (97%), Santa Catarina (96%) e Rio Grande do Sul (99%), Mato Grosso do Sul (99%), Mato Grosso (99%), Goiás (97%) e Distrito Federal (97%).

Também estão em situação de colapso ou à beira disso: Rondônia (98%), Acre (96%), Amazonas (87%), Roraima (80%) e Tocantins (95%). Em Rondônia, já são 48 dias de filas por UTIs. Autoridades locais cobram abastecimento de oxigênio por parte do governo federal. O estado vive a iminência da falta do insumo.

Em Santa Catarina, a ameaça de falta de oxigênio também preocupa. Um grupo de 800 profissionais da Saúde assinou um pedido de lockdown de 14 dias em Florianópolis.

Hospitais da capital alertam para a falta de medicamentos e insumos. A cidade está em colapso do sistema de Saúde, com mais de 400 pacientes na fila de espera por uma UTI.

“O oxigênio está a ponto de acabar e já vêm faltando em várias unidades de saúde. Já não conseguimos mais vagas para transferência de pacientes graves das unidades de saúde para os hospitais. Não conseguimos mais suportar tamanho sofrimento que estamos presenciando”, afirmam os profissionais.

Mais afetado

São Paulo é o estado mais afetado do país. São 2,1 milhões de infectados e 63.531 mortos de acordo com dados do governo estadual.

Esta sexta (12) foi o dia mais letal no estado, com 521 mortes em 24 horas. Foram 3 mil pessoas internadas em um dia, 21 hospitais estaduais lotados, 87,6% de ocupação dos leitos e pelo menos 45 pacientes morreram à espera de uma UTI no estado. Dos cinco dias com mais mortos, quatro foram em março.

Entre as cidades colapsadas estão Mauá e Taboão da Serra, na Região Metropolitana. No cemitério da Vila Formosa, maior da América Latina, operação é de guerra para abrir covas e dar conta da demanda.

Em oposição está Araraquara. Após a realização de um lockdown eficiente, com restrição de mobilidade efetiva, algo que nunca havia sido visto em todo o estado, os casos de covid-19 caíram 50% duas semanas. As medidas duras fazem parte de um projeto bem-sucedido de controle da covid-19 liderado pelo prefeito Edinho Silva (PT).

Dados da Fiocruz dão conta de que, na última semana, mesmo com iniciativas de isolamento por parte de governadores, a taxa de redução na mobilidade de fato é pequena: apenas 5% acima do que era visto antes da pandemia. Falta fiscalização e conscientização da população são alguns dos motivos apontados.

Vacinação

Enquanto isso, a esperança da superação da maior crise sanitária em mais de um século no país reside na aceleração do processo de vacinação. Entretanto, a conjuntura não caminha à favor.

O governo federal, do presidente Jair Bolsonaro, que deveria articular a vacinação em massa no país, desdenha da covid-19. Foi assim desde os primeiros dias com os primeiros infectados. 

Bolsonaro chegou a atacar vacinas, dizer que não se imunizaria, além de ter atacado por diversas vezes o isolamento, máscaras, e todos os protocolos comprovadamente eficazes contra o vírus.

Pressão

Após a ascensão da figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no cenário político nacional, com a anulação de seus processos na Lava Jato decretado pelo ministro do Supremo Edson Fachin e, consecutivamente, sua possibilidade de concorrer às eleições em 2020, Bolsonaro mudou parcialmente de atitude.

Segue em sua postura negacionista em relação ao isolamento, mas passou repentinamente a defender a vacinação.

Como parte desse movimento, o Ministério da Saúde, por meio do secretário-executivo da pasta, Elcio Franco, divulgou um novo cronograma de vacinação nesta sexta (12).

Com o anúncio da compra de 10 milhões de doses da vacina russa Sputnik V, veio uma nova promessa de recebimentos que está dividida da seguinte forma:

- Fiocruz/Oxford/AstraZeneca: 112,4 milhões de doses até julho e 110 milhões até dezembro
- Instituto Butantan/Sinovac/CoronaVac: 100 milhões até setembro e 30 milhões até dezembro
- Covax Facility/OMS: 42,5 milhões de doses até dezembro
- Precisa/Bharat Biontech/Covaxin: 20 milhões até julho
- União Química/Gamaleya/Sputnik V: 10 milhões até julho

Até o momento, a realidade da vacinação em massa do país está nas mãos do Instituto Butantan e da CoronaVac. De 20,1 milhões de doses aplicadas até o momento em brasileiros, 16 milhões são doses da CoronaVac e 4 milhões Oxford/AstraZeneca.