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Filho bem criado

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Quatro anos depois, o pai resolveu que era hora dele sair de casa. O Robertinho exigiu seus direitos: "Eu tenho 34 anos de casa. Você não pode me mandar embora sem mais nem menos. Quero indenização" - Unsplash
Ele morava com os pais e dizia: "Meus pais moram comigo há 30 anos"

Meu amigo Robertinho é uma excelente figura. Bom cantor, bem-humorado, cordial, culto, progressista... Só uma coisa era motivo de crítica por parte de algumas pessoas quando o conheci: não gostava de trabalhar.

Quer dizer, nem podia dizer se gostava ou não, pois nunca havia trabalhado. Só supunha que trabalhar era muito ruim.

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Na época, ele estava com 30 anos de idade e resolveu estudar filosofia, mas não levava o curso muito a sério.

Era um boêmio legítimo. Vivia de madrugada, dormia de manhã até o meio da tarde, e já antes de ir para a aula, no curso noturno, tomava alguma coisa. Às vezes chegava bêbado à faculdade.

Ele morava com os pais e dizia:
– Meus pais moram comigo há 30 anos.

Quatro anos depois, o pai resolveu que era hora dele sair de casa. O Robertinho exigiu seus direitos:
– Eu tenho 34 anos de casa. Você não pode me mandar embora sem mais nem menos. Quero indenização: 34 anos de casa.

Depois de muita discussão, o pai concordou e pagou a indenização, de acordo com as leis trabalhistas, como se tivesse 34 anos de emprego na casa.

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Comprou um apartamento e sobrou dinheiro para uns dois anos de gandaia.

Tempos depois, meu amigo Orlando, que havia se separado da mulher, estava com um problema com um filho, que era mimado demais pela mãe, e só vagabundeava.

Quando o filho ia passar uns dias com ele, não podia ser cobrado de nada, dizia que a mãe é que tratava bem dele.

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O Orlando não queria parecer um repressor, mas via que da maneira que o filho era criado daria problemas. Não estudava, não lia, era cheio de exigências...

Mas se tentasse mudar, ficaria com fama de ser o lado mau da família, o repressor. O que fazer? Acabou recorrendo à psicanálise para tentar resolver seu dilema.

Contou a história toda ao psicanalista e pediu orientação. Devia ou não impor limites ao filho?

E o psicanalista lhe contou:
– Olha... Eu sou de uma geração de jovens que viveu na época da Segunda Guerra, do nazismo e do fascismo... Opondo a isso, minha turma odiava qualquer coisa que pudesse representar limites à liberdade. Criei meu filho com liberdade total, sem lhe impor nenhum limite.

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Fez uma pausa e concluiu:
– Não deu certo...

Perguntei o nome do psicanalista, o Orlando me falou:
– Doutor Roberto de Tal...

Falei:
– Ah, é o pai do Robertinho...

E dei uma boa gargalhada sem ele saber o porquê.

Edição: Daniel Lamir e Poliana Dallabrida