Coluna

Pelo despejo zero na pandemia

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Não se pode fechar os olhos ao fato de que o cumprimento de despejos em reintegrações de posse certamente faz com que a possibilidade de contágio pela covid-19 seja massificada - Reprodução
Só entre março e agosto de 2020, pelo menos 6,5 mil famílias foram despejadas de suas casas

Por Olímpio Rocha*

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A pandemia mundial de coronavírus já tirou a vida de mais de 280 mil brasileiros e brasileiras. As medidas preventivas e de tratamento têm sido insuficientes para debelar a crise, muito pela falta de compromisso e pela irresponsabilidade do governo federal, que adota uma postura flagrantemente negacionista, sendo incapaz de adquirir vacinas que poderão salvar as nossas vidas e desestimulando a necessidade de distanciamento social, medida que também poderia diminuir o contágio.

Nessa esteira, o problema da falta de moradia digna também tem se acentuado, já que milhares de famílias brasileiras que sobrevivem com um salário mínimo ou menos se veem sem condições de arcar com os altos custos de aluguel, precisando muitas vezes optar entre fazer a feira, comprar remédios ou manter uma casa para morar. Esses fatores acabam fazendo com que participem de ocupações de imóveis abandonados, descumpridores de sua função social, seja em área rural ou urbana, ficando à mercê de ordens judiciais de reintegração de posse que, uma vez cumpridas, deixarão essas pessoas literalmente sem terro e sem terra.

Segundo dados da “Campanha Despejo Zero – Em Defesa da Vida no Campo e na Cidade”, que reúne movimentos sociais e apoiadores nacionais e internacionais, só entre março e agosto de 2020, pelo menos 6,5 mil famílias foram despejadas de suas casas e outras 20 mil famílias encontram-se ameaçadas de serem removidas a qualquer momento.

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Agora, em 2021, haja vista o agravamento da covid-19, esses números certamente já são bem maiores, levando quem está em situação de vulnerabilidade social a participar de ocupações e viver em constante clima de tensão e terror, na iminência de terem seus barracos demolidos a qualquer momento.

Postas essas condições, o Poder Judiciário deve ter papel ativo na tentativa de amainar a crise, posto que são os juízes e juízas que dão as decisões nas ações possessórias, determinando que as famílias sejam removidas ou não dos imóveis que ocupam.

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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nessa linha, acaba de editar a Recomendação nº 90, de 2 de março de 2021, que vaticina a necessidade de que os magistrados avaliem, com especial cautela, o deferimento de tutela de urgência que tenha por objeto desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais, sobretudo nas hipóteses que envolverem pessoas em estado de vulnerabilidade social e econômica agravada pela pandemia.

Ainda, o CNJ sugere que se leve em consideração os ditames da Resolução nº 10, de 17 de outubro de 2018, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), antes de se decidir sobre o deferimento de liminares em reintegrações de posse ou ações similares.

Entre várias diretrizes, esta Resolução do CNDH recomenda que se priorize a tentativa de conciliação entre as partes, de maneira a se evitar despejos violentos, como também insiste em que se oportunize a regularização fundiária, quando se tratar de ocupações em imóveis públicos. A citação pessoal de todos os envolvidos, a notificação à Defensoria Pública para que atue nos feitos e a realização de audiências de mediação prévias ao despejo também são importantes medidas a seguir.

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Nesse sentido, é importante que o estados da Federação também tenham Resoluções e Recomendações, no âmbito dos respectivos Tribunais de Justiça, que reproduzam o CNJ e o CNDH nesse ponto, o que pode e deve ser feito através da provocação da sociedade civil, por meio dos Conselhos Estaduais de Direitos Humanos, por exemplo.

Outro avanço, pelo menos do ponto de vista formal, é a instituição de Comissões Estaduais de Combate à Violência no Campo e na Cidade, criadas por meio de Leis Estaduais, contando com a presença de representantes das polícias, movimentos sociais e poderes constituídos, as quais devem ter o escopo também de mediar os conflitos possessórios, dando-lhes soluções não violentas.

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Não se pode fechar os olhos ao fato de que o cumprimento de despejos em reintegrações de posse certamente faz com que a possibilidade de contágio pela covid-19 seja massificada, colocando em risco a saúde e a vida não só das famílias ocupantes, já eivadas pelas condições socioeconômicas ruins que lhes acometem, como também afetando oficiais de justiça, policiais militares e até mesmo juízes, caso optem por fazer as inspeções judiciais in loco, além de advogados e advogadas que, em razão do ofício, acompanhem os atos.

Preservar a vida, nesse momento, deve ser o objetivo principal de todos os administradores públicos, razão pela qual os despejos devem absolutamente parar, pelo menos enquanto durar a pandemia.

 

*Olímpio Rocha é advogado, professor, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba e foi candidato do PSOL a prefeito de Campina Grande em 2020.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rebeca Cavalcante