PANDEMIA

Cúpula Ibero-americana: acesso universal às vacinas deu a tônica dos discursos

Encontro reuniu representantes de 22 países da América Latina e Península Ibérica

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Cúpula dos países da Ibero-América aprovou a adoção de respostas coletivas contra a pandemia da covid-19 - SEGIB

Presidentes latino-americanos e até o papa Francisco se pronunciaram à favor do acesso equitativo às vacinas contra a covid-19 durante a XXVII Cúpula Ibero-americana, realizada na última quarta-feira (21). A América Latina recebeu apenas 8,6% dos imunizantes já produzidos, apesar de ser a segunda região mais afetada pelo coronavírus no mundo. Enquanto os países mais ricos, que concentram 16% da população mundial, possuem 75% das fórmulas já produzidas.

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A cúpula é realizado a cada dois anos e reúne chefes de Estado e de governo da América Latina e da Península Ibérica. Neste ano, por conta da pandemia da covid-19, o encontro teve como sede Andorra – principado independente localizado entre Espanha e França –, mas aconteceu de maneira virtual. O tema desta edição foi "Inovação para o desenvolvimento sustentável - Objetivo 2030 - Ibero américa diante do desafio do coronavírus". 

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:: Leia a Declaração Final da XVII Cúpula Ibero-americana ::

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O chanceler do México, Marcelo Ebrard, comparou o caso de seu país com o vizinho do norte. Enquanto o governo mexicano pode obter 20 milhões de vacinas contra a covid-19, os Estados Unidos já aplicaram 200 milhões de doses. Por outro lado, o Haiti é um dos 130 países que não puderam ter acesso sequer à primeira dose.

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O ministro de Relações Exteriores mexicano ainda denunciou a lentidão do consórcio Covax, assinado por 190 países para promover a distribuição equitativa de vacinas, garantindo cerca de 20% da população imunizada em país.

"Está muito longe das metas que animaram a maioria dos países a participar do mecanismo, que hoje dificilmente supera 10% de todas as vacinas distribuídas no mundo", pontuou Ebrard.


O presidente de governo espanhol, Pedro Sánchez, e o rei Felipe VI da Espanha prometeram oferecer 7,5 milhões de vacinas aos países latino-americanos / SEGIB

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O presidente da Bolívia, Luis Arce, também reiterou a necessidade de romper com a patente das fórmulas na Organização Mundial do Comércio (OMC), com o objetivo de acelerar e descentralizar a produção dos medicamentos.

A proposta está em debate desde outubro de 2020 na OMC, mas foi barrada pelo voto contrário dos Estados Unidos, da União Europeia e do Brasil.

"Cúpulas como esta devem fortalecer um trabalho conjunto a favor dos povos. Devemos levantar as bandeiras da defesa da vida, da igualdade, solidariedade e complementariedade, mas também de um multilateralismo mais solidário para superar essa crise", declarou Arce.


A vice-presidenta da Venezuela destacou que as regiões mais pobres também concentraram a maioria dos casos de covid-19 / MPPRE

A vice-presidenta venezuelana, Delcy Rodríguez, aproveitou o espaço para pedir o desbloqueio de dinheiro público da Venezuela em bancos de Portugal. Também denunciou as ações do Fundo Monetário Internacional (FMI) contra o seu país, que dificultam o acesso a medicamentos e vacinas contra a covid-19.

"Se queremos como comunidade ibero-americana realmente superar esta situação, não podemos atuar sozinhos, a comunidade científica sabe muito bem do que falamos, não pode haver desequilíbrio nesta batalha contra a covid-19", declarou.

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O presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, centrou seu discurso na inovação tecnológica da ilha, único país da região que desenvolve cinco vacinas próprias e promete imunizar toda sua população até o final do ano. Também destacou o exemplo de cooperação internacional: Cuba enviou 47 brigadas médicas do contingente Henry Reeve para ajudar a combater a pandemia em 40 países.

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Díaz-Canel enfatizou que a pandemia mostrou, novamente, a superioridade de um sistema político, econômico e social orientado ao socialismo, em relação aos Estados capitalistas.

"A pandemia demonstrou uma verdade indiscutível: os sistemas de saúde e proteção social, educação, ciência, tecnologia e recursos materiais disponíveis devem ser colocados em função de todos e não à mercê de interesses mesquinhos de uns poucos", pontuou.

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O chefe de Estado cubano também denunciou o bloqueio aplicado contra o seu país, há quase 60 anos, e contra a Venezuela. Além disso, destacou "a legitimidade de um governo que emana da vontade expressa e soberana do seu povo, não do reconhecimento de potências estrangeiras".

Cuba e Venezuela estão comprometidas a criar uma banco de vacinas para os países da Aliança Bolivariana dos Povos da Nossa América (Alba-TCP).

Ao finalizar seu discurso, Díaz-Canel voltou a oferecer o compartilhamento das inovações científicas da ilha a outros países da Ibero-América.


"Enquanto não tivermos uma ordem mundial justa e equitativa, os objetivos de desenvolvimento sustentável seguirão sendo uma quimera para a maioria dos povos", disse Díaz-Canel / Reprodução / Twitter

Na mesma linha, o presidente argentino, Alberto Fernández, denunciou que a inovação científica que propiciou o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde não foi distribuída de maneira equitativa.

Fernández propôs um sistema de concessão de licenças para garantir uma oferta global de imunizantes. A Argentina assinou um acordo com a Rússia e será o primeiro país da região a produzir a Sputnik V, tornando-se um potencial distribuidor da vacina na América Latina, a partir de junho.

Até mesmo o Papa Francisco, em sua mensagem à Cúpula, pediu por solidariedade internacional e "distribuição equitativa das vacinas, que não se baseie apenas em critérios econômicos, senão nas necessidades de todos, especialmente os mais vulneráveis".

O líder a Igreja Católica também clamou por uma nova arquitetura da dívida externa, que permita novos financiamentos como parte da resposta global à pandemia.


Brasil, Portugal, Espanha, República Dominicana, Nicarágua, Guatemala, Panamá e Colômbia assinaram um acordo de promoção da circulação de talentos entre os seus países / SEGIB

Direita também fala em multilateralismo

Até mesmo os governantes do campo de direita defenderam novos pactos sociais para combater a pandemia.

O presidente colombiano, Iván Duque, apontou que os atrasos e incumprimentos com as entregas colocam em risco toda a humanidade. Já o mandatário uruguaio, Luis Lacalle Pou, afirmou que há um fracasso das instituições e é necessário construir um "mundo mais integrado".

Francisco Sagasti, presidente interino do Peru, reiterou a proposta de que as vacinas devem ser um bem público e que a "resposta à crise mundial deve ser coletiva, solidária e transparente". O Peru possui a maior taxa de letalidade por coronavírus na região. Até o momento, abril foi o mês mais letal desde o início da pandemia no país.

Já Lenín Moreno, que exerce seu último mês de mandato como presidente no Equador, defendeu a criação de novos mecanismos financeiros. "A sobrevivência dos nossos países depende desses créditos", declarou. O mandatário entregará a faixa presidencial com um país endividado em cerca de 63 bilhões de dólares (cerca de R$ 315 bilhões) com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Nesta semana, Moreno também ampliou o estado de exceção para 16 das 24 províncias equatorianas devido ao aumento dos contágios.

O presidente de governo da Espanha, Pedro Sánchez, prometeu enviar 7,5 milhões de vacinas até o final do ano para a região, que seria o equivalente a 10% dos imunizantes que o país irá receber. A distribuição seria feita através do mecanismo Covax.  Enquanto isso, o primeiro-ministro português, António Costa, pediu por mais solidariedade e diálogo. 

Já o representante do Brasil, que vacinou apenas 16 a cada 100 mil habitantes, declarou que até meados de 2021, o país será autossuficiente na produção de vacinas e poderá fornecer imunizantes aos vizinhos.

Junto com o México e o Paraguai, O Brasil foi uma das três nações entres os 22 Estados-membro que não enviaram seus presidentes. A representação brasileira ficou a cargo do Secretário de Negociações Bilaterais no Oriente Médio, Europa e África do Ministério das Relações Exteriores, Kenneth Félix Haczynski da Nóbrega.

Edição: Vivian Fernandes