Análise

Sakamoto: Devorador de instituições, Bolsonaro engole Exército e quer PM de sobremesa

Com absolvição de Pazuello, presidente jantou Exército de olho na sobremesa: alinhamento das polícias à sua necessidade

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Pazuello e Bolsonaro na cerimônia de posse do ex-ministro da Saúde. - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Com a absolvição de Eduardo Pazuello, Jair Bolsonaro jantou o Exército de olho na sobremesa: o alinhamento de grandes contingentes das forças policiais às suas necessidades e a insubordinação deles em relação aos governos estaduais. Devorador de instituições, o presidente vai dobrando-as em nome de seu projeto de poder.

O Exército optou por fazer a egípcia ao invés de punir o general, que ignorou as regras da corporação ao participar de uma micareta eleitoral com o presidente. Uma das justificativas dadas é que ajoelhar-se a Bolsonaro foi a saída encontrada para evitar um mal-estar que levaria à substituição do comandante do Exército por outro general que, por sua vez, se ajoelharia à Bolsonaro.

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Neste caso, as consequências importam mais do que possíveis boas intenções na tomada de decisão. Porque, agora, o presidente pode ticar mais uma instituição devorada na sua longa lista.

Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Receita Federal, Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal, Ibama, ICMBio... Desde que assumiu o cargo, ele vem atuando para engolir instituições, principalmente as de monitoramento e controle.

Se deixarmos a ética e a legalidade de lado e esquecermos que isso é perverso, antidemocrático e uma afronta à Constituição, podemos dizer que o jogo dele faz sentido.

Por exemplo, se ele não tivesse indicado alguém de fora da lista tríplice para a PGR, agora estaria com medo de o relatório final da CPI da Covid poder ser usado para processá-lo no STF. Mas com Augusto Aras, a chance é próxima do tal camelo passar pelo tal buraco da tal agulha.

O projeto de país do clã Bolsonaro é um governo populista autoritário apoiado por setores da extrema-direita da população, determinadas categorias profissionais e parte do empresariado, notadamente setores do agronegócio e do mercado financeiro. Nesse plano, as instituições vão sendo lentamente sequestradas, seja através de demonstrações de força, seja pela indicação de pessoas comprometidas com os interesses pessoais do presidente.

A Pazuellada - Ou a grande Festa da Fruta de Jair

O general Fernando Azevedo e Silva foi substituído como ministro da Defesa por Walter Braga Netto em março, quando também caiu o comando do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Agora, o episódio da Pazuellada demonstrou que a troca foi, para o presidente, um bom negócio.

Lentamente, as instituições que não podem ser domesticadas são consideradas inimigas, tornando-se alvo de pedidos de fechamento por parte de seguidores fanáticos do presidente.

O Congresso Nacional era apontado constantemente como um desses inimigos. Em abril do ano passado, um ato golpista, realizado em frente ao quartel-general do Exército, com a participação do presidente da República, pedia um novo AI-5 contra os parlamentares.

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Essa demanda foi bastante reduzida entre os grupos de WhatsApp dos fãs do presidente após o acordo de leasing de Bolsonaro com o centrão ser firmado com a eleição de Arthur Lira (PP-AL) à Presidência da Câmara dos Deputados. Isso alçou bolsonaristas a funções importantes no Congresso, como a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que comanda a Comissão de Constituição e Justiça.

Com 24% de aprovação, segundo o último Datafolha, Jair não consegue protagonizar um autogolpe. Mas com o apoio do centrão e de parte do empresariado, ele também não será alvo de um processo de impeachment.

A genuflexão do Exército ocorre no rastro deixado pelos numerosos protestos de rua contra o presidente no sábado (29) e no momento em que a oposição anuncia nova rodada para o dia 19. O ato da avenida Paulista foi grande, mas ainda pequeno para provocar desconforto em parlamentares governistas.

"Meu Exército" e "Minha Polícia" sob as "Minhas Regras"

Como escrevi nesta quinta (3), Bolsonaro colheu a capitulação do "Meu Exército" de olho no lento processo de sequestro da "Minha Polícia". Afinal de contas, se até generais aceitam que regras sejam quebradas em nome do presidente, por que policiais civis, militares, ambientais, bombeiros não poderiam fazer o mesmo?

O bolsonarismo sempre teve relação com a base das forças de segurança - Jair começou a carreira política defendendo o interesse de soldados, cabos, sargentos e subtenentes. Desde que seu governo começou, ele tem insuflado praças da polícia contra governadores, como no motim do Ceará. E já vê frutos serem colhidos, como a violência física de policiais contra críticos a Bolsonaro em Pernambuco e Goiás.

Imaginem o que pode acontecer se um presidente com grande influência sobre tropas policiais que conte com lideranças simpáticas a ele nos Estados resolver afirmar, após uma derrota em 2022, que a eleição foi roubada. Ele pode ter sucesso naquilo que Donald Trump falhou, com sua invasão ao Congresso norte-americano.

Não se trata de intervenção tradicional, mas de levantes policiais "contra a fraude" e em nome da "legalidade", puxando outras milícias às ruas. O bolsonarismo tem um componente revolucionário. Mas ele não conta, neste momento, com força para adotar uma mudança através de um processo violento e agudo. Por isso, desde que assumiu o poder, vem minando ou sequestrando instituições, tornando-as flexíveis às suas necessidades de acúmulo e de manutenção do poder. É um processo lento, mas contínuo.

Bolsonaro pode não ser bom em salvar vidas de brasileiros contra a covid-19, mas vem se mostrando competente em minar as estruturas que construímos com muito suor desde a Constituição de 1988.