saúde infantil

Recusa de crianças por comer pode ser um problema nutricional que requer atenção

Crianças com a chamada seletividade alimentar comem em média 20 alimentos e excluem grupos alimentares inteiros

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Crianças seletivas recusam tanto alimentos saudáveis como bolachas, doces e salgadinhos - Hui Sang/ Unsplash
A questão sensorial delas é tão forte que não conseguem ficar em um lugar com pessoas mastigando

Sentar na mesa e comer tudo, incluindo legumes e verduras. Esse pode ser um dos principais desejos dos cuidadores de crianças, mas não é realidade na maioria dos lares.

O mais comum é que tenhamos que negociar, insistir e até usar a imaginação inventando brincadeiras para tornar a refeição mais atrativa. Esse tipo de comportamento tende a melhorar a medida que a criança cresce e se familiariza mais com os sabores dos alimentos.

No entanto, para um determinado grupo de crianças, essa etapa do desenvolvimento pode ser um desafio ainda maior, permeado por desconfortos, privações e até danos a saúde. Estamos falando das chamadas crianças seletivas, aquelas que sofrem de Seletividade Alimentar.

Nestes casos, as crianças apresentam repulsa a determinadas texturas, cheiros e até cores dos alimentos, sejam eles in natura ou ultraprocessados.

A negativa é comum até para aquelas guloseimas pensadas especialmente para agradar os paladares infantis, como bolachas, salgadinhos e doces. Não é manha, não é frescura e deixar com fome não resolve, ao contrário do que o senso comum pode supor.

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“A seletividade alimentar é a recusa pelo alimento. Existem dois tipos: a natural, que chega entre os 18 e os 24 meses, quando ela começa a perceber que pode escolher o que vai comer e a seletividade mais severa. Nela, a criança come uma média de 20 alimentos, tanto saudáveis como não saudáveis. Não é aquela criança que come qualquer biscoito ou qualquer chocolate. Quando ela come ela é apenas de uma marca específica. Ela costuma excluir grupos completos de alimentos e não come, por exemplo, nenhuma fruta ou nenhuma proteína”, diz a nutricionista Ana Paula Chiapetti, que é especialista em Seletividade Alimentar.

Ela lembra que a seletividade alimentar não se reflete só na mesa, mas também tem impactos nos hábitos de toda família.

“É quando a família vai fazer uma refeição tem que sempre se preocupar se vai ter o que a criança vai comer. Quando ela vai na casa da vó, do vizinho, em uma festa e isso vira uma preocupação. Os pais sempre levam a comida dessa criança ou dão comida antes de sair de casa.”

Como já é possível imaginar, os prejuízos da seletividade alimentar na infância são muitos. Eles vão de subnutrição, com crianças muito abaixo da linha de desenvolvimento, até obesidade, já que a criança seletiva em geral não dosa tão bem a noção de saciedade. E, como já é comprovado, o sobrepeso na infância pode acarretar diversos problemas para a vida adulta, como pressão alta, diabetes e outas doenças crônicas.

Em geral, uma criança seletiva tende a se tornar um adolescente e um adulto também seletivo. “Os prejuízos da seletividade alimentar na adolescência e na pré-adolescência são, em geral, depressão e ansiedade. É o adolescente que não sai com os amigos, que não vai a festas, porque não sabe se vai conseguir se alimentar. A questão sensorial para eles é tão forte que não conseguem ficar em um lugar onde, por exemplo, está acontecendo um churrasco ou onde veja pessoas mastigando”, diz Ana Paula.

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Ainda existem poucos dados sobre Seletividade Alimentar no Brasil. Mas segundo um estudo da Universidade de Ottawa, no Canadá, as taxas de internação em hospitais pediátricos por problemas ligados a seletividade alimentar variam de 5% a 14%. Até 22,5% das crianças analisadas estavam em programas de tratamento para o problema.

Outros estudos apontam que a seletividade alimentar pode acometer 30% das crianças com desenvolvimento típico e até 80% das crianças com algum transtorno de desenvolvimento.

A boa notícia é que, para todos os casos, existe tratamento e que além de ele dar ótimos resultados é também muito divertido.

“Para crianças de até nove anos fazemos o tratamento com terapia expositiva, fazendo brincadeiras lúdicas com alimentos que ela não come. São atividades que vão fazer a criança se divertir e se aproximar do alimento. Primeiro é em um contexto não alimentar e depois vamos evoluindo, mas sempre respeitando as limitações sensoriais dessa criança. Se ela tem uma questão sensorial com cheiro, por exemplo, eu não vou apresentar uma tangerina para ela, mas sim uma maçã”, exemplifica a nutricionista.

É muito importante que o tratamento seja feito com profissionais, que ajudem a incluir novos alimentos na cardápio da criança, sempre respeitando o limite sensorial delas.

Dependendo do quadro da criança, o transtorno pode ser tratado por um nutricionista, em consultório, ou aliado com outros profissionais, como neuropediatras, gastropediatras, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais.

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Para ajudar pais, mães e outros cuidadores, a nutricionista Ana Paula criou um perfil no Instagram dedicado a falar sobre Seletividade Alimentar e trazer dicas para as famílias. As principais são observar os padrões alimentares da criança e oferecer novos alimentos com cheiros, cores e texturas semelhantes ao que ela já come.

“Primeiro faça uma lista de todos os alimentos que a criança come e ofereça todos eles. Depois revese o momento de oferecer esses alimentos, ofertando no café da manhã, no almoço e na janta. O segundo passo é introduzir os alimentos que a criança parou de comer recentemente. Feito isso é hora de oferecer alimentos novos. Procure sempre semelhanças, não traga um novo alimento com textura ou cor completamente diferentes. Cada alimento já aceito tem que ser inserido no repertório alimentar da criança. Se ela comer cenoura ofereça a cenoura ralada, cozida, em palitinhos”, orienta.

O empenho com as refeições das crianças vale a pena, afinal uma alimentação diversa e variada é a chave para a saúde, na infância e em todas as fases da vida.

Edição: Douglas Matos