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Por quanto você venderia a paixão pelo seu time?

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E não faltam casos do fracasso da gestão empresarial em clubes no Brasil

Os clubes de futebol estão entre os piores exemplos de gestão no Brasil. Pouco transparentes e democráticos, não demora para que os problemas de caixa transbordem para dentro de campo. Endividamentos, desrespeito às leis trabalhistas, atraso nos salários, poucos recursos para montar times competitivos e descontentamento no vestiário são componentes de crises que certamente levam ao rebaixamento dos times. Neste cenário, frequentemente a solução apresentada é entregar o time para gestão privada e acreditar que “o mercado” resolverá os problemas. Duro engano.

Desde a Lei Pelé, existe a possibilidade de mudar a natureza jurídica das agremiações, passando de associações para clubes empresas. Porém, agora, este movimento ganhou um poderoso incentivo com a aprovação da Lei das Sociedades Anônimas no Futebol (SAF). Por esta lei, os clubes podem pedir imediatamente recuperação judicial, suspendendo dívidas, e permite converter credores em investidores.

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Os maiores entusiastas destas leis são dois grandes clubes com dívidas bilionárias e peso na Bancada da Bola no Congresso, o Botafogo e o Cruzeiro, ambos disputando a série B do campeonato brasileiro.

A lei cria duas possibilidades. Uma delas é separar as atividades do clubes, permanecendo com uma associação responsável pelo clube social e outras atividades, enquanto o departamento de futebol, incluindo direitos de atletas e de transmissão, formaria a Sociedade Anônima. Nesta opção, o clube fica com todo o passivo, enquanto a nova empresa nasce sem nenhuma dívida. Foi o modelo usado no desmonte da Varig, em que ex-funcionários e credores ficaram com a “parte podre”, sem capacidade de recuperação, enquanto a Gol comprou a parte economicamente sadia da empresa.

A segunda possibilidade é converter totalmente o clube em uma SAF. Nas duas opções, a capitalização viria da emissão de ações ou transformação das dívidas em títulos, as chamadas debêntures.

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Aqui está a primeira armadilha da nova lei. Além das dívidas fiscais, especialmente trabalhistas, os maiores credores dos clubes são antigos dirigentes que colocaram seus recursos próprios nos clubes e empresários de jogadores, que já conseguem altos lucros com comissões, sem precisar assumir os problemas com as operações de futebol que tem custos. Ou seja, ao invés de ganhar, perderiam dinheiro.

Com este formato, quem então desejaria se tornar um investidor de uma Sociedade Anônima de Futebol? O pesquisador Irlan Simões, especialista em clubes empresas, respondeu esta questão estudando a adoção do modelo na Europa e na América do Sul. E identificou quatro tipo de investidores. Um deles é o aventureiro, o empresários que nem sempre entendem do esporte, seduzem o clube com propostas milionárias e terminam levando as equipes à falência. Já os outros três tipos, todos envolvem algum tipo de uso do clube para interesses políticos ou de propaganda. Podem ser interesses geopolíticos, países que querem usar os clubes para melhorar sua imagem no exterior, como o Emirados Arabes Unidos que comprou Manchester City e o Fundo Soberano do Catar que adquiriu o Paris Saint Germain. Podem ser interesses eleitorais pessoais, como Silvio Berlusconi no Milan, que se tornou primeiro-ministro italiano, ou Sebastian Piñero que usou o Colo-colo como tranpolim para a presidência no Chile. E, por fim, há os fundos de investimentos que usam o futebol para lavagem de dinheiro ou para especulação. Em todos os casos, o clube é apenas um meio para atingir o verdadeiro objetivo e pode ser abandonado quando alcançado ou frequentemente quando fracassam.

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O caso é que enquanto as direções de clubes podem ser alteradas por eleições, um investidor que se torna dono do clube não pode ser retirado. O caso mais dramático foi o do inglês Bury FC, cujo proprietário jamais pisou na cidade do clube e diante dos maus resultados financeiros, preferiu deixar o clube falir do que vender para outro comprador, deixando os torcedores órfãos de um clube com 134 anos de história.

E não faltam casos do fracasso da gestão empresarial em clubes no Brasil. Vitória e Bahia foram rebaixados depois de se tornarem sociedades anônimas. Mesmo destino que Corinthians e Grêmio tiveram com parceiras com o fundo MSI e com a ISL, respectivamente.

A melhoria da gestão dos clubes não passa por entregar uma paixão para as mãos de algum lobo de Wall Street. O caminho é o da reforma dos estatutos, tornando os clubes mais transparentes nas gestões e mais democráticos, ampliando a participação dos sócios e torcedores, com mecanismos de fiscalização mais rigorosos. Também colaboraria em muito uma mudança na organização do futebol brasileiro, tornando mais igualitária a distribuição dos recursos de televisão e instituindo mecanismos de jogo limpo financeiro que equilibrasse a competitividade das equipes e tornasse os campeonatos mais atraentes para o público.

 

*Miguel Stedile é Doutor em História pela UFRGS e editor do Ponto Newsletter

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo