Breque dos Apps

Greves de entregadores contra apps de delivery se espalham e já duram dias

Em Paulínia, Jundiaí, São Carlos, Bauru e Maceió trabalhadores brecam; iFood e outras empresas até agora em silêncio

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Divididos em bloqueios pela cidade, entregadores em Jundiaí estão de braços cruzados desde sábado (9) - Gabriela Moncau

Já são três as cidades do interior paulista - Paulínia, Jundiaí e São Carlos - , além de Maceió (AL), onde quem quiser comida de restaurante para comer em casa, vai ter que ir buscar. A greve dos entregadores de aplicativos está se espalhando: Bauru (SP) vai parar na sexta-feira (15) e São José do Rio Preto (SP) tem assembleia marcada. 

Diferentemente de outros protestos - como o #BrequeDosApps, que aconteceu em julho de 2020 -, a novidade é que as paralisações são de vários dias. Em Paulínia as entregas estão travadas desde sexta (8), em Jundiaí desde sábado (9), Maceió parou no domingo (10) e São Carlos nessa segunda-feira (11).

Em todas essas cidades os entregadores tiraram indicativo de data para o término da greve, mas afirmam que vão seguir de braços cruzados enquanto as empresas de entrega por aplicativo - entre as quais iFood, Rappi, Box Delivery e Uber Eats - não sentarem para conversar sobre as demandas. 

"Precisamos do Brasil inteiro no mesmo foco, não só os entregadores, mas a população em geral, os restaurantes. Porque a gente está sendo explorado. A única maneira que a gente tem de reverter isso é mostrando que a gente tem voz ativa: é parando e agredindo o bolso e a imagem deles", ressalta Felipe Souza*, entregador de Jundiaí.

As reivindicações: melhores taxas, fim da coleta dupla e do bloqueio sem justificativa

As propostas para a melhoria das condições de trabalho estão expressas em panfletos e cartazes nas bags - as mochilas térmicas - dos entregadores.

O fim da coleta dupla, quando o trabalhador precisa fazer duas ou mais entregas de uma vez só, sem receber a taxa mínima por cada uma delas; e o fim do bloqueio sem justificativa, quando a plataforma exclui o entregador e o impede de seguir trabalhando sem explicar o motivo, estão entre as demandas principais. 


Entregadores se reúnem em bloqueio de greve em frente ao Maxi Shopping, em Jundiaí (SP) / Gabriela Moncau

"Está cheio de motoboy na rua. Ao invés deles dividirem essas entregas, eles liberam duas entregas para um companheiro e deixam o outro sem pegar nenhuma. Eles não dividem justamente porque querem ganhar mais ainda em cima do trabalhador", comenta Felipe, que trabalha há nove anos como motoboy e há dois como entregador de aplicativo. 

"Eles aproveitam da situação econômica do país que já está difícil, em crise: a pessoa está desempregada então acaba se sujeitando a trabalhar por um valor menor do que merecia receber. Eles sabem disso e usam isso como artifício", denuncia. 

Além disso, os entregadores questionam o baixo valor da taxa mínima por corrida, que é atualmente R$5,31. Também exigem a obrigatoriedade de um código como comprovante da entrega em todos os pedidos, pois muitos afirmam serem bloqueados injustamente quando, para ter seu dinheiro estornado, o cliente diz não ter recebido o produto. 

iFood: comunicado insatisfatório seguido de silêncio

A nova onda de greves que começou na sexta-feira (8) do feriado prolongado de Nossa Senhora Aparecida acontece no mês seguinte a uma paralisação de seis dias dos entregadores de São José dos Campos - o breque mais longo da categoria no estado de São Paulo até o momento. 

Como consequência da mobilização de São José dos Campos, houve em setembro uma inédita reunião dos trabalhadores com representantes do iFood, no qual a empresa se comprometeu a tomar medidas, que seriam anunciadas dias depois.

O comunicado do iFood saiu no dia 8 de outubro, mesmo dia em que a Petrobrás anunciou mais um aumento, de 7,2%, nos preços da gasolina e do gás de cozinha. 

No comunicado, o iFood informa a criação de um "fundo combustível" de R$ 8 milhões "para ajudar a suavizar o impacto" da alta do combustível. Sem detalhes de como essa "ajuda" será distribuída, a empresa afirma que ela durará apenas nos meses de novembro e dezembro. Além disso, anuncia um reajuste do valor de quilômetro das rotas para quem usa moto, de até 8%.

"Uma palhaçada né?", resume Edson Cunha*, entregador de Jundiaí. "Você imagina passar todo esse tempo e as coisas todas só aumentando, a gasolina subiu 39% no ano, e aí eles vem aumentar 8% para nós?", se indigna.

Ao fazer o cálculo de que 8% da taxa mínima equivale a R$ 0,42, Edson faz que não com a cabeça. "Esses 8% para nós, esquece. Não dá". 

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Francisco Silveira* estava ao lado de Edson e outros colegas fazendo o bloqueio de greve na frente do Maxi Shopping, em Jundiaí. Para ele, além do auxílio gasolina não contemplar quem faz entrega de bicicleta, se não houver o fim da coleta dupla, o apoio é ineficaz. "Eles vão continuar mandando até três coletas para a gente fazer, justificando que dão esse auxílio, quando na verdade vamos estar trabalhando mais para compensar", expõe. 

"Vem conversar com nós, Johnny, enquanto você não vier conversar vamos estar de braços cruzados aqui, ó. Não adianta mandar 41 centavos não, nós não vamos passar fome aqui não, Johnny".

O recado dado em vídeo divulgado nas redes sociais é de um dos grevistas para Johnny Cruz Borges, das relações públicas do iFood. Em ocasiões anteriores, ele cumpriu o papel de mediação com os trabalhadores. 

Questionado pelo Brasil de Fato se pretende conversar com os grevistas e sobre o posicionamento em relação às reivindicações, o iFood se limitou a enviar o comunicado da última sexta-feira (8). Até o momento, os entregadores paralisados afirmam não terem recebido nenhum contato dessa ou das outras empresas de aplicativo.

O breque em Jundiaí

A reportagem acompanhou todo o primeiro dia da paralisação em Jundiaí. Dezenas de entregadores estão divididos em grupos para bloquear, além de restaurantes como Burger King e Mc'Donalds, prioritariamente os dois shoppings da cidade: Maxi Shopping e Jundiaí Shopping. "São o coração do iFood", explicou Felipe. 

Quando um entregador chega para tentar pegar o pedido, os grevistas conversam para convencê-lo a não fazer a coleta, desligar o aplicativo, se juntar ao bloqueio e, caso precise trabalhar, fazê-lo em outro município da região. 

A estratégia está sendo eficaz. Desde o início das greves em Jundiaí, Paulínia e São Carlos, os entregadores afirmam que os mais importantes pontos de coleta estão inteiramente inoperantes. No site das principais plataformas de entrega, há oscilações: em vários momentos os restaurantes aparecem como "Lojas fechadas - entrega parceira indisponível". 

O único restaurante de Jundiaí que tentou atravessar a greve foi o da rede Madero. No ano passado, a rede chegou a ser multada em R$ 442,6 mil reais pela Controladoria Geral da União (CGU) por dar "vantagens indevidas" a servidores do Ministério da Agricultura que fiscalizavam as instalações da empresa. 

No sábado (9), o gerente do restaurante Madero localizado no Jundiaí Shopping chamou a Polícia Militar. "Ele está falando que a gente está coagindo os motoboys que tentam fazer pedido quando na verdade quem chegou coagindo a gente foi ele, com a polícia", aponta Felipe. A paralisação, no entanto, não foi interrompida. 


Faixa denunciando ação da rede de restaurantes Madero contra a greve dos entregadores é pendurada em frente ao Jundiaí Shopping / Divulgação - Paralisação Jundiaí

Dependência financeira e diálogo com robôs

"Tem cara que está há mais de cinco anos trabalhando na plataforma, dando o sangue, e de repente ele acorda um dia e está bloqueado sem saber o motivo. Não tem como recorrer, não tem com quem falar, são robôs e respostas automáticas", relata Edson.

"E a pessoa vai fazer o quê? Todo mundo aqui é 100% dependente do iFood", ele diz, apontando para os colegas que o acompanham no bloqueio. "Ninguém tem carteira assinada, todo mundo tem aluguel para pagar, família para sustentar. Se você é bloqueado hoje, para arrumar outro serviço não é de uma hora para outra", relata. 

Na opinião de Lucas Monteiro*, também em greve, as plataformas estão bloqueando contas antigas para liberar as novas, já que com o desemprego em alta, a demanda é crescente. "As empresas sabem que o cara que está chegando agora dificilmente vai lutar. Ele está empolgado", analisa. 

:: Boicote, breque e apagão: as formas de resistência dos trabalhadores por aplicativo ::

Há, ainda, a prática chamada de "bloqueio branco", quando a pessoa não é excluída da plataforma, mas não recebe mais nenhum pedido. Foi o que aconteceu com Paulo Lima, conhecido como Galo, depois que se tornou conhecido por ser um dos organizadores do #BrequeDosApps. 

Crescimento do abismo social durante a pandemia

Wesley Noronha* explica que gosta do que faz. Trabalha fazendo entregas com sua moto em Valinhos, Indaiatuba, Jundiaí e região há mais de uma década. "Só não gosto da forma como sou tratado. É desumano. Só queremos ser valorizados", sintetiza. 

Um dos organizadores do breque de Paulínia, Anderson Conceição*, diz que consegue atingir sua meta diária de entregas. "Mas mesmo assim, se preciso comprar uma mistura, um arroz ou mesmo fazer a manutenção da moto, não tenho condições", descreve.

"Aqui a plataforma deu permissão para a gente rodar em outras cidades. Mas se a gente roda 15 km para chegar lá, os outros 15 km para voltar é de graça. E se a gente não vai, eles dão castigo com bloqueio temporário", diz Anderson. 

Se os relatos das dificuldades financeiras enfrentadas por trabalhadores de aplicativo foram unânimes em relação a um aumento da precarização das condições de trabalho junto com a alta do preço de itens básicos de sobrevivência, dados mostram que, para os donos das empresas que os contratam, a pandemia de coronavírus tem sido um período de vacas gordas. 

O aumento do delivery de comidas, de acordo com dados Mobills, foi de 149% nos gastos com iFood, Rappi e Uber Eats apenas no ano passado. Segundo a revista Forbes, a lista dos maiores bilionários brasileiros ganhou 40 nomes a mais de 2020 para 2021. A junção do patrimônio dessas 315 pessoas neste ano é de R$1,9 trilhão.

O segundo maior bilionário do país é Jorge Paulo Lemann, um dos maiores investidores da Movile, holding que é dona do iFood. O Brasil de Fato tentou contato com o empresário Fabricio Bloisi, presidente da Movile e do iFood, mas não teve resposta. 

Roberto Mancha trabalha há 15 anos como entregador em São José do Rio Preto. Enquanto a categoria na cidade se prepara para organizar a greve, ele conta que individualmente, em solidariedade aos colegas parados nos outros municípios, está também sem rodar. 

"Os aplicativos estão pouco se lixando para os motoqueiros. Somos pais de família que trabalhamos por 12h, até 16h no dia. Até agora não vi ninguém saudando o trabalho dos entregadores na pandemia, tivemos um papel fundamental para aumentar o nível de isolamento social", avalia Roberto.

"E a gente não tem direito nem a uma base  para tomar uma água, usar o banheiro, carregar o celular", reivindica. 

"A corda sempre estoura para o lado mais fraco", diz, ao comentar que são poderosos os donos das empresas de aplicativo: "Mas se tivermos união, seremos o lado mais forte".

* Os nomes foram alterados para preservar as fontes do risco de represálias.

 

Edição: Leandro Melito