COM A ENXADA NA MÃO

Roçado Solidário do MST une campo e cidade contra a fome na Região Metropolitana do Recife

Iniciativa convida voluntários para conhecer como é a produção de alimentos em assentamentos da Reforma Agrária

Ouça o áudio:

Os alimentos serão destinados à Rede de Bancos Populares de Alimentos da Campanha Mãos Solidárias - Olívia Godoy
A esperança maior é de trabalharmos juntos por um bem coletivo

As relações entre o campo e a cidade são mais próximas do que muita gente imagina, principalmente quando as distâncias territoriais são superadas. 

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Aos sábados, pessoas voluntárias costumam viajar do Recife, capital de Pernambuco, até o município de Moreno, na região metropolitana. A experiência começa logo cedo. Às seis da manhã em ponto, os participantes seguem em direção ao assentamento Che Guevara, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

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O trajeto dura aproximadamente 30 minutos de ônibus. O objetivo: participar do Roçado Solidário, uma iniciativa que tem convidado pessoas do mundo urbano para conhecer a rotina e a dinâmica de produção em um território ocupado pelos trabalhadores sem terra. 

No assentamento, os voluntários conhecem de perto a experiência da agricultura familiar e colaboram com as campanhas de solidariedade. 

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A atividade já acontece desde agosto de 2021 sempre aos sábados. Cada edição tem recebido, em média, 70 participantes. Eles se dedicam a ouvir relatos de agricultores sobre os cuidados com a terra, orientações de técnicos agrícolas e se empenham em entender como funciona o método de produção que, além de cultivar alimentos saudáveis, cuida da natureza.

Por causa do projeto Roçado Solidário, uma parte do assentamento foi separada para plantar os produtos que serão doados para a população em situação de rua e insegurança alimentar na periferia do Grande Recife. Este foi um dos motivos que aproximou o fotógrafo Anderson Guedes da Silva do projeto. 

"Eu gosto dessa campanha porque não é só distribuir o alimento. você também ver como é produzido esse alimento, como é cultivado, e isso é importante demais", afirma. 

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Um olhar parecido com o da funcionária pública Izildinha Maria de Oliveira, ao participar do Roçado Solidário pela primeira vez.

"Essa aproximação é importante e necessária. porque a cidade precisa muito do campo. A agricultura familiar especialmente tem uma importância gigantesca no equilíbrio, no cuidado com o solo, no cuidado com a natureza”, define. 

Com luvas, roupas adequadas e enxada na mão, voluntários como Anderson e Izildinha mergulham por inteiro na experiência do Roçado. Eles plantam, cuidam do solo, manejam materiais no território e preparam o ambiente para a produção que vai chegar. Os convidados já plantaram, ao longo dos encontros, macaxeira, banana, alface, couve, beterraba e outros alimentos. 


Antes de pegar na enxada, os participantes recebem orientações de agricultores e técnicos agrícolas sobre o cultivo da terra / Campanha Mãos Solidárias

Dema Félix da Silva é um dos assentados no Che Guevara. Há 15 anos, ele mora e produz na região. Como bom anfitrião, o agricultor não esconde o entusiasmo ao receber os visitantes e se orgulha bastante de compartilhar todo conhecimento que adquiriu sobre o cuidado com a terra.

"Muita gente pensa que é fácil pegar na enxada como a gente faz, mas não é. É fácil para a gente que vive o dia-a-dia. Mas, para mim, é uma satisfação grande de estar recebendo esse pessoal lá da cidade para colocar a mão na massa e ver como a gente produz alimento". afirma.

Produção a serviço da solidariedade 

Durante os trabalhos no Roçado Solidário é comum ouvir frases de incentivo.

Vamos lá, pessoal. Esse esforço que você está fazendo é para levar comida para quem tem fome.

A solidariedade é o foco central da atividade. Tudo que é produzido no Roçado Solidário será destinado para os Bancos Populares de Alimentos, da Campanha Mãos Solidárias, no Recife.

Ao todo, mais de 16 territórios da periferia da capital pernambucana recebem as doações da campanha. Um deles é Brasília Teimosa, na Zona Sul da cidade. 


Voluntários experimentam um dia de trabalho no roçado plantando comida saudável para quem tem fome / Quentin Delaroche/Mãos Solidárias

São doadas frutas, verduras e marmitas com refeições prontas. Os Agentes Populares, organizados pela campanha, mapeiam as pessoas que estão precisando de alimentos e depois orientam a distribuição dos produtos nas comunidades. Além de comida, também levam informação sobre a pandemia e itens de prevenção ao vírus, como máscaras e álcool.

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A proposta do Roçado Solidário, segundo Paulo Mansan, da direção estadual do MST em Pernambuco, é unir o campo e a cidade pela perspectiva da solidariedade.

"O que nós estamos iniciando, lá no Roçado, é uma agrofloresta. Nós vamos produzir uma infinidade de alimentos, com a produtividade maior e com a preservação do meio ambiente e do solo. E essa união - entre campo e cidade - é fundamental para nós avançarmos e superarmos esse momento de crise", explicou 

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Luta contra a fome

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), cerca de 84 milhões de brasileiros estão em situação de insegurança alimentar. O dado é grave e também independe das condições impostas pela pandemia. No mesmo período, o agronegócio passou o ano de 2020 sem graves sequelas e registrou números favoráveis. A balança comercial do setor bateu recorde com saldo de US$ 75,5 bilhões.

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Diante desse quadro de desigualdade, voluntários como Izildinha, a funcionária pública que participou pela primeira vez do Roçado, acredita que está na agricultura familiar a esperança de um mundo melhor:

"A esperança maior que a gente tem no Brasil é essa, de trabalharmos juntos por um bem coletivo e fazer um bom uso do solo", define. 

Edição: Daniel Lamir