Reação aos breques?

Em ano de greves, iFood organiza fórum com entregadores escolhidos e agenda desconhecida

Cerca de 30 entregadores foram chamados pelo principal app de delivery do país; evento divide opiniões entre a categoria

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Além das mobilizações nacionais, em 2021 entregadores inauguraram as greves locais de vários dias - Foto: Pedro Strapasolas | Brasil de Fato

Nesta segunda-feira (13), começa o Fórum Nacional com Entregadores promovido pelo iFood. O evento, que deve durar até quarta-feira (15) na cidade de São Paulo, acontece no fim de um ano marcado por mobilizações e breques por melhores condições de trabalho em todo o país. Cerca de 30 entregadores - escolhidos e convidados pela empresa - devem participar da reunião, que divide opiniões entre a categoria. 

A lista de reivindicações que os trabalhadores devem levar ao encontro tem cerca de 20 itens, mas são quatro as demandas principais, todas já expressas nas greves de 2021: o aumento no valor da taxa mínima por coleta (que hoje é R$5,31) e um reajuste anual com data prevista; o fim de duas ou mais entregas por corrida e também o fim dos bloqueios de conta sem a possibilidade de defesa. Além disso, reivindicam que haja código de verificação em 100% das entregas. 

Convidados e não convidados 

O critério usado para definir os participantes do Fórum não foi informado. O Brasil de Fato enviou quatro e-mails e mensagens de Whatsapp para o iFood fazendo essa e uma série de perguntas, que não foram respondidas.

O que se sabe é que, entre os escolhidos, estão influencers. O recifense Jeff Fernandes tem 103 mil inscritos no seu canal do Youtube e participou recentemente do podcast Podpah (que, aliás, é patrocinado pelo iFood). Moradores de São Paulo, Fabibi Félix tem 3,82 mil inscritos no Youtube e o chamado Príncipe das Entregas, 131 mil seguidores no Instagram.

Além deles, o canal do youtuber carioca Ralf Elisario, mais conhecido como Ralf MT, tem sido o principal meio público pelo qual o Fórum está sendo divulgado e debatido. Nas páginas oficiais do app de delivery não há menção ao evento. 

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Ralf, que tem 21 mil inscritos em seu canal e faz parte da articulação do #BrequeDosApps, conta ter participado de reuniões presenciais e virtuais com representantes do iFood. Ele afirma ter passado à empresa sugestões e contatos de entregadores a serem chamados pelo Fórum. 

"Mas eles escolhiam quem eles queriam chamar", afirma Ralf, que critica o fato de o evento ter "nacional" no nome sem que todos os estados brasileiros estejam representados. Além disso, ele questiona que nenhum entregador da capital paulista envolvido nos breques tenha sido convidado. 

Dos organizadores das paralisações que aconteceram em cinco cidades do interior paulista, no mês de outubro, tampouco alguém foi chamado. 

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Na visão de Guilherme H., um dos grevistas de Jundiaí, "o iFood organizou esse Fórum para tentar desarticular as manifestações que estão acontecendo em âmbito nacional". 

"E matou vários coelhos numa tacada só. Escolheu a dedo os representantes numa tentativa de criar um conflito entre a galera e desmobilizou algumas pessoas que ficaram desanimadas com o processo de convocação. Ganha tempo, porque posterga situações que já precisavam ter sido resolvidas, como o aumento das taxas", elenca Guilherme, ao finalizar: "E depois vai jogar uma nota na mídia dizendo que está preocupado em ouvir os entregadores e aquele blá-blá-blá deles". 

Ferrugem é entregador de Goiânia (GO), participou de breques e vai ao Fórum. Assim como os outros ouvidos pela reportagem, não foi informado do endereço do evento. Só sabe que uma van irá buscá-lo. "Acho que eles têm medo do pessoal fazer manifestação na porta", diz. 


Com oito dias de duração, greve de entregadores de Atibaia se igualou a de Paulínia, como as mais longas da categoria no país. / Henrique Prando

Segundo contou, aceitou participar por considerar uma oportunidade. "Nós, entregadores, não temos nenhum canal de diálogo com o iFood. É ali no aplicativo quando você está na entrega ou naquele [site] Reclame Aqui", conta Ferrugem. 

Rodrigo M. faz entregas por app em Ribeirão Preto (SP), se envolveu no chamado nacional do #BrequeDosApps de 11 de setembro em sua cidade e tinha a expectativa de ser chamado. Por outro lado, reforça que "o iFood já tem plena consciência das nossas necessidades e total capacidade financeira e estrutural para atendê-las". 

De acordo com Ralf MT, que pretende transmitir a reunião ao vivo, essa é a primeira de três edições do evento que o iFood deve organizar. As próximas duas estariam marcadas para o primeiro e o segundo semestres de 2022. 

As diferentes posturas do iFood e a intensificação dos breques

Setembro de 2021 foi um mês de virada nas lutas dos entregadores de apps no Brasil. Não só por conta do #BrequeDosApps, a terceira paralisação nacional com manifestações, que aconteceu no dia 11, em ao menos 20 cidades

Mas porque se inauguraram as greves prolongadas por vários dias. Aproveitando o embalo do breque nacional de um dia, entregadores de São José dos Campos (SP) mantiveram as entregas inoperantes até 16 de setembro. Como resultado, os grevistas conseguiram uma reunião inédita com representantes do iFood. 

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Na ocasião, a empresa se comprometeu a publicar um anúncio sobre novas medidas que seriam adotadas. O comunicado foi publicado em 8 de outubro, mas o atendimento às reivindicações da greve, não. 

No documento, o iFood anunciou um reajuste do valor por quilômetro das rotas para quem usa moto, de até 8%, que seria aplicado a partir de novembro de 2021. Além disso, informou sobre a criação de um "fundo combustível" de R$ 8 milhões a ser distribuído nos dois últimos meses do ano. 

De acordo com os entregadores entrevistados para essa reportagem, o reajuste anunciado "de até 8%" a partir de novembro foi, até o momento, de 0%. 

E foi em setembro segundo Ralf e Cabeça, como é apelidado o entregador de São José dos Campos que vai comparecer ao evento, que representantes do iFood mencionaram pela primeira vez a ideia do Fórum.

A  assessoria de imprensa do iFood, no entanto, afirma que a iniciativa do Fórum nada tem a ver com as mobilizações dos entregadores.  

Inspirados na paralisação prolongada por vários dias, greves nesse formato se espalharam por outras cidades do Brasil. Em outubro houve breques prolongados em Paulínia (SP), Jundiaí (SP), São Carlos (SP), Bauru (SP) Atibaia (SP) e Niterói (RJ). 

Diferentemente do que houve em São José dos Campos, no entanto, o iFood não fez nenhum contato com os grevistas. Ao contrário, soltou promoções com um acréscimo de R$5 em horários de refeições para estimular a desmobilização dos breques. 

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Agora, o Fórum do iFood inaugura um novo capítulo na história da relação da empresa com os trabalhadores. "Eu não sei dizer se o iFood está realmente querendo mudar a postura com os entregadores ou se é só uma jogada de marketing", avalia Cabeça.

Kelvin Clay, entregador de Manaus (AM), também vai ao encontro e tem expectativa de que haja mudanças. "Se é Fórum, tem de ter debate, cobranças e soluções. Não vamos só para tirar foto". 

"A ideia é a seguinte", afirma Ralf: "Depois desse primeiro Fórum, não teve uma vitória impactante? A gente já vai para uma greve nacional de vários dias". 

Edição: José Eduardo Bernardes