VENEZUELA

"Assembleia" paralela da oposição restringe acesso de Juan Guaidó a recursos públicos

Grupo de ex-deputados opositores tenta aumentar controle sobre orçamento do "governo paralelo"

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Sem vitórias, Juan Guaidó perde poderes entre a própria oposição, após 3 anos da autoproclamação - Federico Parra / AFP

Após três anos da autoproclamação, o opositor Juan Guaidó perde mais apoios dentro do seu bloco composto por ex-deputados venezuelanos. Neste 5 de janeiro, os opositores a Nicolas Maduro que compuseram a legislatura de 2015 -2020 da Assembleia Nacional venezuelana, mas se recusam a reconhecer a legitimidade do novo Parlamento eleito em dezembro de 2020, votaram por manter o reconhecimento ao "governo interino", mas diminuindo a autoridade de Guaidó. 

Ainda que as decisões da Assembleia paralela não possuam qualquer efetividade na política nacional venezuelana, já que um novo Poder Legislativo foi eleito e instalado há um ano, os debates desse grupo de opositores incidem sobre o acesso ao dinheiro público do país bloqueado no exterior.

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"O interinato é uma aberração e isso foi dito por eles mesmos. Eles só existem pelo suporte que recebem dos Estados Unidos, dentro do país eles têm um incidência nula", comenta o cientista político e professor da Universidade Central da Venezuela (UCV), Carlos Raúl Hernández. 

Tanto Estados Unidos como o Reino Unido insistem em reconhecer Guaidó como autoridade legítima da Venezuela, dando a ele e seus aliados o acesso aos ativos públicos venezuelanos bloqueados nos seus países. 

De acordo com os últimos orçamentos aprovados, o governo paralelo de Guaidó engloba cerca de 1600 pessoas e gasta cerca de US$ 7,7 milhões mensais (cerca de R$35 milhões) - em salários e ajudas de custos. 

O valor - que poderia cobrir a cesta básica alimentar para 30 mil famílias venezuelanas, de acordo com estudo do Centro de Documentação e Análise para os Trabalhadores (Cenda) - é retirado dos US$ 153 milhões bloqueados em contas em bancos estadunidenses, sendo liberado anualmente pelo Federal Reserve, o Banco Central dos EUA.  

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"O erro começa e termina nisso que chamam de governo provisório. Do ponto de vista diplomático e político, não lembro de ter estudado um caso tão grotesco como esse de manter o apoio a uma figura de um governo que não responde a nada, que carece de prestígio. E isso simplesmente porque os norte-americanos não encontram forma de lidar com um governo que está lançando todas as mensagens sobre seu desejo de normalizar as relações com os EUA", analisa o cientista político venezuelano.

Guaidó também teve acesso a cerca de US$ 500 mil de dinheiro público da Venezuela depositado em solo britânico e continua disputando o controle de 31 toneladas de ouro guardados no Banco da Inglaterra.

Além do fracasso da estratégia de derrubada do governo de Nicolás Maduro, o chamado "interinato" esteve envolvido em uma série de escândalos de corrupção com o dinheiro recebido do exterior e na gestão das empresas venezuelanas nos Estados Unidos e na Colômbia, levando, por exemplo, a petroquímica Monómeros a decretar falência. 

A Assembleia Nacional da Venezuela, eleita em dezembro de 2020, criou uma comissão para investigar os delitos da legislatura presidida por Guaidó e constatou que os deputados geraram um prejuízo de cerca de US$ 90 bilhões (aproximadamente R$ 495 bilhões) ao país.

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Diante do quadro, os ex-deputados que compõem a Assembleia paralela decidiram diminuir os poderes de Guaidó e do seu partido Vontade Popular sobre os recursos. 

Os opositores decidiram extinguir o Conselho Político do governo paralelo, até então presidido por Leopoldo López - braço direito de Guaidó. Agora uma nova comissão deverá estabelecer quem serão os indicados para assumir cargos no governo interino.

Também definiram que Guaidó não poderá pedir recursos adicionais que extrapolem o orçamento anual estabelecido pela Assembleia para o governo paralelo e deverá prestar contas mensalmente.

"Eles não representam a ninguém. A suposta liderança que Guaidó exerceu em 2019 foi se perdendo e agora sequer lidera o chamado G4 [grupo dos quatro maiores partidos de oposição]. Esse novo estatuto de transição privilegia obviamente ao partido de Guaidó, Vontade Popular, e a uma dissidência do partido Ação Democrática, representada por Henry Ramos Allup", defende Carlos Raúl Hernández.

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Após a decisão, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price, reiterou o reconhecimento da Casa Branca ao governo interino e à legislatura eleita em 2015 como "única instituição democrática remanescente" e convocou Nicolás Maduro a retomar as mesas de negociação no México.

No Brasil, o governo Bolsonaro segue os passos de Washington e mantém o apoio ao opositor. O deputado Hiran Gonçalves (Progressistas), presidente da Comissão Parlamentar Brasil - Venezuela saudou a continuidade do "governo paralelo".

Para Hernández, a tendência é que a economia venezuelana siga em recuperação, após registrar 11 meses seguidos sem hiperinflação, o que poderá dar mais estabilidade política ao país e levará o setor guaidosista a retificar sua política extremista.

"Creio que os EUA busquem que os diálogos não sejam retomados, já que correm o risco de que realmente se chegue a uma saída pacífica, algo que me parece que não está nos planos da Casa Branca. Esta aspira que na Venezuela seja instalado um governo de Guaidó ou de algum personagem que esteja totalmente a serviço dos seus interesses", conclui o cientista político venezuelano.

Edição: Arturo Hartmann