AGROECOLOGIA

Profissionais em agroecologia: uma luta entre sonhos e formalizações

Cursos pelo país abrem caminhos a quem constrói o desenvolvimento territorial com respeito a cultura e biodiversidade

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Horta agroecológica do MST em parceria com a Escola Latino Americana de Agroecologia - Ednubia Ghisi - Ednubia Ghisi
A profissionalização agroecológica abre um leque de reconhecimento de diversas identidades sociais

As propostas de uma sociedade mais agroecológica passam também pelo reconhecimento profissional na área. Atualmente, 43 cursos pelo país abrem um dos caminhos no dia a dia de quem constrói um desenvolvimento territorial respeitando culturas, relações sociais e biodiversidade.

Os primeiros debates sobre a concepção científica na área são dos anos 1970, quando as ideias de “agroecologizar” seguiram os caminhos da multi e da transdisciplinaridade. É assim, por exemplo, que diversas graduações das Ciências Agrárias demarcaram “rachas” na perspectiva de grandes latifúndios e monoculturas. 

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Esse viés agroecológico de se somar às diversas áreas científicas permanece até hoje, mas não da mesma forma. Em 2006, o Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais inaugurou o primeiro curso para a agroecologia chamar de “seu”. Passados 16 anos, existem hoje 3172 vagas em agroecologia autorizadas pelo Ministério da Educação (MEC), distribuídas em 20 estados do país, nas modalidades de tecnológicos e bacharelado.  

A gente eleva esse patamar do conhecimento à perspectiva da ação

Ouvidos pelo Brasil de Fato, os professores Eduardo Guatimosim, da Universidade Federal do Rio Grande, e Paulo Santana, da ONG Serta, reforçaram a importância dos cursos, ao mesmo tempo de destacarem o choque entre uma visão disciplinar dirigida e a amplitude da realidade cultural agroecológica.

Se engana, por exemplo, quem imagina uma formação focada exclusivamente na produção de alimentos.

Para termos uma ideia, algumas das áreas de atuações de agroecólogos e agroecólogas são Assistência Técnica e Extensão Rural; Desenvolvimento Rural Sustentável; educação e ensino; metodologias participativas; organizações sociais; cosmologias e conhecimentos tradicionais; princípios sociais e éticos; solos, água e recursos naturais; transição agroecológica.

Agroecólogos e agroecólogas representam um universo restrito entre as diversas culturas de conhecimento

A profissionalização agroecológica na origem dos movimentos populares abre um leque de reconhecimento de diversas identidades sociais. Por isso, há também uma preocupação em evitar a uniformização de saberes, se afastando de qualquer concepção de “agroecologia absoluta e difusora”.  

No curso técnico do Serta, assim como em outros pelo país, a questão territorial é colocada em primeiro plano, como forma de representar uma “consciência comunitária” nas propostas de desenvolvimento. Diante de uma diversidade de faixas etárias e níveis de escolaridade, são utilizadas metodologias como Pedagogia da Alternância e Pedagogia Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável (PEADS). 

“A partir dessas duas concepções, o curso se desenvolve com centralidade nos saberes das pessoas. Esse saber passa a ser currículo e conteúdo do curso. E a partir daí, a gente eleva esse patamar do conhecimento à perspectiva da ação.

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Essa perspectiva da ação é o desdobramento, é o desejo, é o projeto de vida, é a necessidade que aqueles estudantes chegam e a partir daí, a gente começa a desenvolver essa perspectiva ao patamar de uma ação em seus territórios. Em seus, em seus espaços de vida e de moradia”, explica Paulo Santana sobre o curso técnico realizado no interior de Pernambuco. 

Eduardo Guatimosim reforça que além de “nenhum profissional ser capaz de lidar com a agroecologia como um todo”, é preciso considerar que agroecólogos e agroecólogas representam um universo restrito entre as diversas culturas de conhecimento. Por isso, ao defender um reconhecimento profissional na área, o pesquisador destaca que o olhar da cientificidade não deve ser visto como único.

“O MST, nos seus projetos de educação, vem construindo escolas do campo que ensinam na perspectiva agroecológica há muito mais tempo que os cursos de educação formal superiores em agroecologia. Então é importante entender que quando a gente diz sobre o profissional agroecólogo, estamos falando de um universo bem restrito, entre o número de pessoas que constroem e fazem agroecologia nos seus territórios e as diferentes formas”, exemplifica o docente e, integrante do Fórum Nacional de Educação Formal em Agroecologia (Fonefa).


A constante construção da educação agroecológica na escola do MST Egídio Brunetto / Cadu Souza/MST

Ao mesmo tempo, o próprio MST desenvolve várias experiências em diálogo com instituições de ensino. Uma delas é realizada na escola Egídio Brunetto, no assentamento Jacy Rocha, em Prado (BA). A iniciativa surgiu em 2011, a partir das lutas pela terra na região e mantém parceria com a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP).  

A gente acredita que a agroecologia precisa ser trabalhada desde a infância

A formação em agroecologia realizada pelo MST em Prado é aberta para além de pessoas assentadas, e contextualiza as disputas territoriais do agronegócio e da celulose. A educadora Dionara Ribeiro, que há 10 anos integra a Egídio Brunetto, destaca que “o sonho das famílias é o ponto de partida” no plano de ensino, seguida pelos valores da coletividade do movimento. 

Para tanto, o olhar pedagógico de Dionara sugere um olhar mais amplo que a formação de adultos. 

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“A gente acredita que a agroecologia precisa ser trabalhada desde a infância. Então é problematizar essa relação do ser humano e da natureza e reconstruir essa nova relação desde que a pessoa é criança. Então a gente tem lutado e a escola tem apoiado muito essas iniciativas da inserção da agroecologia dentro dos currículos dos projetos políticos pedagógicos das escolas”, ressalta a educadora com licenciatura e mestrado em Educação do Campo.

Ainda não existe um reconhecimento legal do trabalho de agroecólogas e agroecólogos. Desde 30 de novembro de 2021, a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e o Fonefa contribuíram no parecer de substitutivo do deputado Rogério Correia (PT-MG) pela aprovação do Projeto de Lei (PL) 3710 de 2019, de autoria da parlamentar Margarida Salomão (PT-SP), que reconhece a profissão de agroecólogo.
 

Edição: Douglas Matos