Coluna

Quais são as perspectivas para a soja brasileira na China

A China ainda considera frágil o cenário econômico global, demonstrando preocupação com os impactos da pandemia de covid-19, com o aumento das ameaças climáticas e com a Guerra da Ucrânia - AFP
Atualmente Estados Unidos e Brasil representam juntos mais de 90% da soja importada pela China

Por Filipe Porto e Ana Tereza L. M. de Sousa*

 

Durante o mês de fevereiro, a China cancelou a compra de dez carregamentos de soja brasileira, sob a justificativa de que o volume das cargas estava muito abaixo do esperado. A incerteza da oferta, somada ao elevado preço da commodity no mercado internacional, ocorre ao passo que Pequim divulga diversas medidas para fortalecer sua segurança alimentar. Sendo a China o maior comprador de soja do mundo, e o Brasil seu principal fornecedor, cabe avaliar os possíveis impactos dos sinais emitidos por Pequim.

Nomeado “documento nº 1”, o novo plano chinês almeja a modernização do setor agrícola e das zonas rurais da China até 2025. Considera que o crescimento econômico do país, somado aos desafios demográficos, aumentou a dependência externa de recursos. A soja, especificamente, é fundamental para a indústria alimentícia chinesa, que garante desde óleo de cozinha até a alimentação de rebanhos suínos. Ressalta-se que, em 2021, as exportações brasileiras de soja para a China tiveram uma queda de 3,8% em relação ao ano anterior. Agora, com uma série de medidas voltadas ao incremento da produção interna chinesa, como subsídios, sistema rotativo de uso de terras e mecanismo de recompensa para províncias que atingirem bons níveis de produção, questiona-se se Brasil pode sofrer reveses.

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O plano chinês versus a realidade da dependência

A China ainda considera frágil o cenário econômico global, demonstrando preocupação com os impactos da pandemia de covid-19, com o aumento das ameaças climáticas e com a Guerra da Ucrânia – que envolve países que são importantes players em insumos básicos para o mercado internacional, como fertilizantes, petróleo e grãos (inclusive oleaginosos, como o girassol) que impactam toda a cadeia produtiva mundial. O plano chinês é aumentar em 40% a sua produção doméstica de soja até 2025, elevando sua produção de 16,4 milhões de toneladas para 23 milhões.

Ainda assim, mesmo que o plano seja cumprido com êxito, permanecerá uma grande margem de dependência externa do país com relação ao produto. Atualmente, a China importa 85% da soja que consome, de modo que mesmo o aumento na produção doméstica não será capaz de diminuir substancialmente a necessidade da compra externa. Destaca-se também que a produção de soja exige grande consumo de água e território, e embora a China tenha um quinto da população mundial para alimentar, possui apenas 7% de terras cultiváveis, nas quais a soja tem que disputar espaço com outras culturas. Desse modo, as importações devem continuar a cumprir um papel essencial no mercado chinês.

Atualmente Estados Unidos e Brasil representam juntos mais de 90% da soja importada pela China. Desde que se iniciou a guerra comercial entre EUA e China, em 2018, o Brasil havia ocupado mais espaço no mercado da soja no país, mas os problemas da safra brasileira entre 2021 e 2022 – devido a adversidades climáticas – têm impulsionado a venda da soja estadunidense, ainda que as exportações brasileiras do produto tenham aumentado no primeiro bimestre de 2022 (em relação a 2021).

Perspectivas

Embora o cancelamento de carregamentos da soja brasileira e a compra do grão estadunidense possam ser vistos como uma questão conjuntural, e não como uma mudança no padrão das compras chinesas – uma vez que o Brasil ainda continua como maior exportador do produto para a China e é visto por ela como um mercado seguro com o qual pode contar –, cabe ao Brasil perceber que na impossibilidade de eliminar totalmente a dependência do bem, a China tem sinalizado que no futuro deve privilegiar negociações com fornecedores que garantam qualidade em dois sentidos: i) previsibilidade na oferta (quantidade), e; ii) práticas sustentáveis, como o uso inteligente e não predatório de recursos naturais (qualidade).

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Embora saiba-se que a China atua internacionalmente com forte pragmatismo – é difícil, por exemplo, imaginar que carregamentos brasileiros de soja sejam cancelados por motivos ambientais em um horizonte próximo, até porque não há como encontrar no mercado internacional quem possa substituir a soja brasileira na China –, percebe-se que as questões ambientais são cada vez mais citadas como um aspecto para o qual os produtores e o governo brasileiro devem se preparar para lidar.

Figuras do cenário do agronegócio têm notado essas questões: em comunicado durante o Fórum das Nações Unidas sobre Padrões de Sustentabilidade (UNFSS, em inglês), a ministra da agricultura Tereza Cristina reforçou que “a demanda está crescendo, há novos hábitos de consumo, mais demandas de saúde e a necessidade de lidar com o aquecimento global. Acredito que será necessário aumentar a produção agrícola no mundo de forma sustentável, reduzir a perda e o desperdício de alimentos, fortalecer as políticas de proteção social e reduzir as desigualdades no acesso a alimentos seguros e saudáveis”. Contudo, o discurso ainda está distante da realidade, dado que o governo Bolsonaro tem promovido a destruição ambiental.

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Outra questão importante é que há necessidade de olhar para além da soja, quando se trata de pensar seriamente as relações sino-brasileiras. O produto possui grande peso na balança comercial brasileira: em 2021 ocupou o segundo lugar no comércio com a China com vendas que renderam, segundo o Ministério da Economia, US$ 27,2 bi. Contudo, mesmo que o Brasil se mantenha como um importante vendedor do produto para a China – o que é o cenário esperado – cabe ao país tentar diversificar as exportações para o parceiro asiático, de modo a não depender tanto de poucos produtos (o minério de ferro e o petróleo, junto com a soja, ocuparam 80% da pauta de vendas para a China em 2021). Tal questão, entretanto, esbarra em outra de fundo: a falta de um projeto de desenvolvimento nacional, sem o qual fica difícil orientar as relações internacionais do país.

 

*Filipe Porto é Membro do GT China do OPEB e mestrando em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação em RI da UFABC. Ana Tereza L. M. de Sousa é Coordenadora do GT China do OPEB, doutora em Relações Internacionais e professora adjunta da UFABC.

**O OPEB (Observatório de Política Externa Brasileira) é um núcleo de professores e estudantes de Relações Internacionais da UFABC que analisa de forma crítica a nova inserção internacional brasileira, a partir de 2019. Leia outras colunas.

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo