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Ministro da Educação admite priorizar amigos de pastor a pedido de Bolsonaro; ouça áudio

Milton Ribeiro implica presidente em caso de "gabinete paralelo" que controla verbas da educação e agenda do ministério

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

Ministro é o terceiro a chefiar a Educação no governo Bolsonaro; antes de Milton Ribeiro, vieram Ricardo Vélez e Abraham Weintraub - Reprodução/Twitter

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que o governo federal prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados por dois pastores que não têm cargo e atuam em um esquema informal de obtenção de verbas por solicitação do presidente Jair Bolsonaro (PL).

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"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar", diz o ministro, em áudio obtido pelo jornal Folha de S.Paulo e publicado na tarde de segunda-feira (21).

"Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar", diz o ministro na conversa.

Milton Ribeiro também indica haver uma contrapartida à liberação de recursos da pasta. "Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas".

Ouça o áudio:

A declaração corrobora a informação de que o Ministério da Educação tem um "gabinete paralelo" formado por pastores, que, mesmo sem vínculo formal com o órgão, controlam a agenda do ministro Milton Ribeiro, intermediam a relação com prefeituras e fazem parte de definições sobre o orçamento da pasta.

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O caso foi revelada em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada nesta sexta-feira (18). O grupo seria capitaneado pelos pastores Gilmar Silva dos Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade.

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De acordo com a apuração, a dupla forma "um gabinete paralelo que facilita o acesso de outras pessoas ao ministro e participam de agendas fechadas onde são discutidas as prioridades da pasta e até o uso dos recursos destinados à educação no Brasil".

Em um dos casos, revelados nesta terça (22) pelo Estadão, uma prefeitura conseguiu o empenho de parte do dinheiro pleiteado apenas 16 dias depois do encontro mediado pelos religiosos. Só em dezembro foram firmados termos de compromisso, uma etapa anterior ao contrato, entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e nove prefeituras, de R$ 105 milhões após reuniões com os pastores. 

Entenda o caso

A reportagem identificou a presença dos dois pastores em 22 agendas oficiais no MEC, 19 delas com a presença do ministro, nos últimos 15 meses. Algumas são descritas como reunião de “alinhamento político” na agenda oficial de Ribeiro, que também é pastor.

Nos eventos com a presença do ministro e diante de gestores municipais, os pastores falam em nome do governo federal. Em viagem de Ribeiro ao município de Centro Novo do Maranhão (MA), em maio do ano passado, o pastor Gilmar dos Santos afirmou ser o responsável por garantir verbas para prefeituras.

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“Estamos fazendo um governo itinerante, principalmente através da Secretaria de Educação, levando aos municípios os recursos, o que o MEC tem, para os municípios”, declarou. Especialistas em Direito Público consultados pela reportagem do Estadão veem indícios de irregularidade e até mesmo tráfico de influência na ação dos pastores.

“Qualquer pessoa pode levar determinados pleitos a algum representante do poder público. É legítimo. Agora, a partir do momento que passa a ser uma prática, um exercício de uma atividade pública (por alguém que não faz parte da administração), configura o crime”, afirmou o advogado Cristiano Vilela.

A relação dos dois pastores com o governo começou antes mesmo da chegada de Ribeiro ao Ministério da Educação. Em 2019, eles foram recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro duas vezes, uma delas ao lado general Luiz Eduardo Ramos, que é da igreja Batista, então ministro da Secretaria de Governo.

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Quem abriu as portas do governo à dupla, segundo integrantes da bancada evangélica, foi o deputado João Campos (Republicanos-GO), pastor da Assembleia de Deus Ministério Vila Nova, ligado à convenção de Madureira.

Outro lado

Em nota emitida, o ministro negou as acusações, afimando que nem o presidente pediu favorecimentos ou seria possível priorizar recursos para determinados municípios. Leia a nota na íntegra: 

"Diferentemente do que foi veiculado, a alocação de recursos federais ocorre seguindo a legislação orçamentária, bem como os critérios técnicos do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Não há nenhuma possibilidade de o ministro determinar alocação de recursos para favorecer ou desfavorecer qualquer município ou estado.  

Registro ainda que o Presidente da República não pediu atendimento preferencial a ninguém, solicitou apenas que pudesse receber todos que nos procurassem, inclusive as pessoas citadas na reportagem. Da mesma forma, recebo pleitos intermediados por parlamentares, governadores, prefeitos, universidades, associações públicas e privadas. Todos os pedidos são encaminhados para avaliação das respectivas áreas técnicas, de acordo com legislação e baseada nos princípios da legalidade e impessoalidade. 

Desde fevereiro de 2021, foram atendidos in loco 1.837 municípios em todas as regiões do País, em reuniões eminentemente técnicas organizadas por parlamentares e gestores locais, registradas na agenda pública do Ministério, estabelecendo relação direta entre o MEC e os entes federados. Os atendimentos técnicos, conduzidos por servidores da autarquia, permitem esclarecimento dos procedimentos para planejamento e acesso aos recursos disponibilizados via FNDE, por meio do Plano de Ações Articuladas (PAR 4).

Seguindo os princípios de transparência, integridade e governança, obedecendo orientação dos Órgãos de Controle Federais (CGU e TCU), esta gestão apresentou o Painel de Investimentos, buscando o aperfeiçoamento da gestão dos recursos públicos, pois muitos prefeitos ainda desconhecem sua carteira de projetos e quais recursos estão disponíveis em suas contas. O Painel está disponível a qualquer cidadão que deseja acompanhar os recursos de seu município.
 
Independente de minha formação religiosa, que é de conhecimento de todos, reafirmo meu compromisso com a laicidade do Estado, compromisso esse firmado por ocasião do meu discurso de posse à frente do Ministério da Educação. Ressalto que não há qualquer hipótese e nenhuma previsão orçamentária que possibilite a alocação de recursos para igrejas de qualquer denominação religiosa.

Por fim, reafirmo o meu compromisso republicano de exercer as atribuições desta Pasta em prol do Interesse Público e do futuro da Educação do Brasil."

Milton Ribeiro

 

Edição: Vivian Virissimo