Estatal 'sem chefe'

Ineficiência do governo deixa Petrobras 'à deriva' em meio à crise da gasolina

Indicados por Bolsonaro para os dois postos mais altos da companhia desistiram dos cargos

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

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Economista Adriano Pires foi indicado por Bolsonaro à presidência da Petrobras, mas desistiu do cargo antes de assumir - Divulgação

Enquanto os brasileiros pagam cada vez mais caro pela gasolina, a Petrobras perde a direção. A estatal, que teve seu presidente demitido na semana passada, agora viu os indicados pelos dois postos mais importantes de sua chefia desistirem do cargo.

O economista e consultor Adriano Pires havia sido escolhido pelo governo federal para ocupar a presidência da Petrobras no lugar do recém-dispensado general Joaquim Silva e Luna. No início da noite desta segunda-feira (4), o jornal O Globo informou que Pires formalizou a desistência ao entregar uma carta ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Nos últimos dias cresceram os questionamentos sobre eventuais conflitos de interesse em sua gestão.

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No domingo tinha sido a vez do presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, declarar sua recusa ao cargo de presidente do Conselho de Administração da Petrobras. Landim disse que pretende dedicar seu tempo ao clube.

Ele assumiu a presidência do Flamengo em 2019, e foi reeleito no fim de 2021 para mais três anos no cargo. Já tinha compromissos com o clube carioca quando foi escolhido pelo governo para presidir o maior colegiado decisório da Petrobras. O Conselho é responsável por aprovar planos de investimentos ou negócios da estatal.

Já Adriano Pires é sócio-fundador e principal porta-voz do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), que tem como clientes empresas que já chegaram a denunciar a Petrobras ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para que a estatal subisse seus preços. Mesmo assim, foi o escolhido para ser o principal executivo da companhia durante a crise dos aumentos dos combustíveis.

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Para fontes ouvidas pelo Brasil de Fato, as indicações frustradas apontam a ineficiência do governo de Jair Bolsonaro (PL) para lidar com a maior estatal do país. Mesmo com o Governo ciente dos currículos e históricos de Pires e Landim, eles foram indicados para altos cargos da Petrobras. Demissionários antes de assumirem seus cargos, viraram problemas. Bolsonaro tem menos de dez dias para indicar novos nomes. A empresa tem assembleia marcada para o próximo dia 13 para dar posse à nova diretoria – seja lá qual for sua composição.

Quem assume?

Segundo o William Nozaki, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), o governo deve indicar novos nomes nos próximos dias. Em tese, enquanto a assembleia da Petrobras não nomear a nova diretoria, a atual segue no comando.

Nozaki lembrou, entretanto, que o general Joaquim Silva e Luna foi demitido por Bolsonaro e reclamou disso à imprensa. A relação entre os dois foi rompida. “Como o desgaste entre Bolsonaro e Silva e Luna foi grande, o governo deve fazer novas indicações em breve.”

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O Conselho de Administração da Petrobras é presidido pelo almirante Eduardo Leal Ferreira desde 2019. Ferreira manifestou interesse em deixar o cargo. O governo precisa agora indicar um novo substituto ou conviver com um executivo insatisfeito.

Para Nozaki, as escolhas dos novos indicados passam pelo chamado Centrão. O professor apontou que Bolsonaro demonstrou, com as indicações de Pires e Landim, que pretende entregar a estatal ao bloco político para tentar afastar-se da crise do preço dos combustíveis. Em 2021, a gasolina subiu 46% nos postos do país. Os aumentos mais recentes, em março, foram de quase 19% no preço do gasolina e outros 25% no diesel.

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Encontrar pessoas teoricamente gabaritadas para os cargos e, ao mesmo tempo, dispostas a assumir publicamente a responsabilidade pela crise não é tarefa fácil, alerta Nozaki. “Nem Landim e nem Pires aceitaram se expor e se submeter aos mecanismos de governança e integridade da Petrobras”, afirmou.

Lógica predatória

O economista Eric Gil Dantas, do Observatório Social da Petrobras (OSP), disse que o governo seguiu sua “lógica predatória” com as indicações de Landim e Pires. Hoje desgastado, não conseguiu sustentá-las.

“Colocar ‘um lobo para tomar conta do galinheiro’ é algo que já aconteceu em vários níveis deste governo, mas agora ele está em uma situação mais delicada, de menor apoio social”, disse Dantas. “Não me parece que o impedimento a alguém como o Adriano Pires ocorreria em outro contexto.”

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O economista também afirmou que não espera grandes mudanças nos rumos da Petrobras durante este governo, independentemente de quem ocupa a direção da empresa.

“Todas as mudanças da Petrobras até aqui não tiveram como objetivo mudar a direção da política de preços e de privatizações. Sempre foram cortinas de fumaça”, afirmou. “A indicação será, novamente, de alguém que irá lá para defender o PPI [como é conhecida a política de "preços de paridade de importação"] e as privatizações, seja alguém do mercado, seja algum militar.”

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“Bolsonaro joga qualquer um na fogueira para não ter que responder por políticas antipopulares. Para garantir o apoio do mercado e passar para seu eleitorado que está combatendo os altos preços dos combustíveis, faz esta encenação”, complementou Dantas.

Edição: Rodrigo Durão Coelho