Pernambuco

Conflitos agrários

Pernambuco tem 6.691 famílias vivendo conflitos por terra e água; metade são povos tradicionais

Maioria das afetadas está no Sertão e na região metropolitana; destaques para Suape e região alvo de Usina Nuclear

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Trabalhadores confrontam tratores da Usina Petribu, que ao longo de dois dias removeu 20 hectares de suas lavouras, no município de Moreno - Comunicação MST

Publicado anualmente no mês de abril, o caderno Conflitos no Campo aponta que em 2021 o estado de Pernambuco tinha 52 áreas de conflito de terra e 5 conflitos por água, envolvendo um total de 6.691 famílias. Comparado a 2020, no último ano o número de conflitos e famílias afetadas quase dobrou: em 2020 foram 30 áreas de conflito, envolvendo 3.566 famílias. Das atingidas em 2021, pouco mais da metade (50,7%) são de comunidades tradicionais. A maioria dos conflitos é resultado da chegada grandes empresas.

A região do estado com maior número de conflitos fundiários é a metropolitana. São 26 áreas disputadas, concentradas em quatro municípios: Cabo de Santo Agostinho (12), Ipojuca (11), Moreno (2) e Tamandaré (1), totalizando 2.268 famílias afetadas. O município do Ipojuca tem 1.460 famílias afetadas, enquanto no Cabo são 685.

O maior envolvido nesses conflitos é o Complexo Portuário de Suape, respondendo por todos os conflitos no Ipojuca e no Cabo, afetando mais de 2 mil famílias. Os dois conflitos em Moreno (53 famílias) e o de Tamandaré (70) foram causados por usineiros em áreas onde predomina o plantio de cana de açúcar.

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O Sertão pernambucano tem menos conflitos que a RMR, mas eles envolvem um número maior de famílias. São 2.796 famílias afetadas nos 16 conflitos sertanejos. O destaque é o município de Orocó, com concentra 6 disputas envolvendo 433 famílias, quase todas relativas à luta pela titulação do Território Quilombola Águas do Velho Chico. Numa área cobiçada às margens do rio São Francisco, o território abriga cinco comunidades que foram reconhecidas como quilombolas desde 2008 pela Fundação Palmares, mas a demarcação segue pendente até hoje, apesar de recomendação formal do Ministério Público Federal em 2021.

Outro destaque são as quatro comunidades tradicionais (uma indígena, Pankará, e três quilombolas) afetadas pela possibilidade de construção de uma usina nuclear em Itacuruba, às margens do rio São Francisco. O empreendimento ameaça diretamente 260 famílias tradicionais.

Em Pernambuco há mais de 3,3 mil famílias de comunidades tradicionais atingidas, o que corresponde a mais da metade dos pernambucanos afetados pelos conflitos. Além dos já mencionados indígenas Pankará, de Itacuruba, há no mesmo município e na vizinha Mirandiba três quilombos ameaçados pela usina.

Em Orocó, além das cinco comunidades quilombolas do território Águas do Velho Chico, os indígenas Atikum também lutam pela retirada de intrusos em seu território. Ainda no Sertão, os indígenas Truká (Cabrobó), Pankararu (Jatobá) e Kapinawá (Buíque) lutam pela desintrusão de seus territórios.

Na região metropolitana do Recife, há três conflitos envolvendo comunidades tradicionais: o complexo quilombola Ilha do Mercês (Ipojuca) e duas comunidades de pescadores em Gaibu e no Paiva (ambas no Cabo de Santo Agostinho), todas ameaçadas por Suape.

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Na Zona da Mata pernambucana a CPT registrou 9 conflitos afetando 1.258 famílias. O destaque negativo vai para o município de Jaqueira, onde há três conflitos, somando 308 famílias atingidas. As disputas se dão contra empresas que arrendam terras de massas falidas das antigas usinas de açúcar na região e, em posse das erras, tentam expulsar agricultores que por lei têm o direito de viver naquelas terras em que trabalharam por décadas.

Já na região Agreste, em que foram registrados 6 conflitos envolvendo 289 famílias, o destaque vai para as 144 famílias atingidas pelo parque eólico no município de Caetés. O Brasil e Fato produziu duas matérias sobre a disputa.

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Entre os 57 conflitos em território pernambucano, há cinco conflitos por água, afetando 821 famílias – uma redução considerável em comparação aos 28 conflitos registrados em 2020, que afetaram 5.718 famílias.

Mas na região Nordeste o caminho foi oposto: houve aumento de 91 casos (2020) para 128 casos de conflitos por água, um aumento de 41%, puxado principalmente pelos estados da Bahia, Maranhão, Piauí e Alagoas. Mas foram conflitos de dimensões menores, envolvendo um número menor de famílias, cujo total caiu quase pela metade. No Brasil foram 135 disputas por uso e preservação das águas, 127 relativos a obras de açudes e barragens e 40 casos de apropriação privada de fontes de água.

Em Pernambuco também melhoraram os casos de prisões e torturas direcionadas a pessoas envolvidas nos conflitos por terra e água: em 2021 não houve nenhum (foram 3 em 2020). No último ano houve 4 ocorrências de trabalho escravo no último ano, com um total de 13 trabalhadores resgatados.

No Brasil houve um aumento nos casos de trabalho escravo: foram 109 registros (+76%), somando 1.726 pessoas resgatadas (+113%), das quais 64 eram crianças e adolescentes (+121%). O estado de Minas Gerais lidera o ranking negativamente, com 51 casos e 757 pessoas libertas. O maior resgate foi de 116 trabalhadores, em Brasília, na colheita de palha para a produção de cigarros da empresa Souza Paiol (com sede em Minas Gerais).

Dados do Brasil

Em todo o país houve, em 2021, um total de 304 conflitos, envolvendo 56.135 famílias – situação de relativa estabilidade em relação a 2020. Mas houve um crescimento de conflitos na região Nordeste.

E quem causa os conflitos fundiários no Brasil? 30% envolvem mineradoras estrangeiras, 18% empresários, 14% fazendeiros, 8% garimpeiros, 3% empresários estrangeiros e 3% mineradoras nacionais, de modo que os agentes privados causam 76% dos casos de conflitos.

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O segundo maior causador é o próprio Estado, através de suas instituições: 10% dos conflitos envolvem hidrelétricas, 5% são o próprio Governo Federal através de sua administração direta, 3% governos estaduais e 2% prefeituras, totalizando 20% dos casos. O relatório traz 4% dos casos em “outros”.

Em três anos o número de famílias envolvidas em disputas triplicou (+206%). Hoje são 164.782 famílias vivendo em áreas de conflito (das quais 61% estão na Amazônia, região que concentra 52% dos conflitos em 2021).

As comunidades tradicionais correspondem a metade das afetadas pelas disputas: 19% das famílias são ribeirinhas, 17% indígenas e 14% quilombolas. Os territórios em disputa somam 71 milhões de hectares, o que corresponde a 8,35% do território nacional. A maioria dessas terras são indígenas e, em segundo, áreas ocupadas por famílias sem terra.

Esses conflitos resultaram, em 2021, em 35 mortes (sendo 33 homens e 2 mulheres). Também houve duas chacinas na região Norte: 3 indígenas nas terras Yanomami (em Roraima) e 3 sem terras chacinados no acampamento Ademar Ferreira (Rondônia). Este último é o estado com maior número de assassinatos: 11. Os dados parciais de 2022 já apontam 14 assassinatos no país.

No Brasil foram registradas 100 prisões nesses conflitos, das quais 30 são sem terras acampados que foram levados num mesmo dia pela Polícia Militar do estado de Rondônia. A CPT também registrou 27 tentativas de assassinato, 132 ameaças de morte, 75 agressões físicas, 13 casos de tortura (praticados principalmente por agentes privados a mando de fazendeiros).

Também houve um grande aumento da violência privada: 16.031 casos de pistolagem (+80%, foram 8,9 mil em 2020), além de 555 famílias expulsas de suas casas (+18%) por ação privada. Mas o Estado, através de suas instituições, atua no mesmo sentido: foram 2.143 famílias despejadas (+12%) a mando da Justiça e outras 17.706 sob ameaça de despejo (+13%). No ano passado foram 6.269 residências destruídas (+215%, foram 1.991 em 2020), além de 3.885 roças destruídas (+43%).

Em resposta, os movimentos populares intensificaram as lutas e ocupações, superando em 2021 os números de antes da pandemia. Em 2019 foram 46 ocupações (envolvendo 3.908 famílias), números que caíram em 2020 (29 ocupações e 1.391 famílias) e em 2021 chegam a 50 ocupações (4.761 famílias).

Edição: Vanessa Gonzaga