dia da caatinga

Desertificação persiste na Caatinga com a perda de 40% de superfície de água em três décadas

De acordo com levantamentos do Mapbiomas, a cobertura remanescente de vegetação nativa caiu 10% entre 1985 e 2020

Brasil de Fato | Recife (PE) |

Ouça o áudio:

Desmatamento na Caatinga leva mais tempo para recuperar que em outro bioma, alerta especialista - Arquivo/Agência Brasil

Foi em homenagem ao nascimento do agrônomo pernambucano João Vasconcelos Sobrinho que 28 de abril se tornou o Dia da Caatinga. Um dos mais reconhecidos ecólogos brasileiros, Sobrinho foi responsável pelos primeiros estudos sobre o bioma e, ainda na década 70, sobre o processo de desertificação - problema que até os dias de hoje persiste e cresce na região.

Continua após publicidade

Entre 1985 e 2020, a cobertura remanescente de vegetação nativa caiu 10% em todo o bioma. Nesse período, foram 14,42 milhões de hectares de área queimada pelo menos uma vez - só Pernambuco é responsável por 672 mil hectares de área queimada. Em termos de hidrografia, a Caatinga perdeu 40% de superfície de água natural mapeada nesses últimos 35 anos. 

Predominante no Nordeste

Encontrada exclusivamente no território brasileiro, a Caatinga é o bioma predominante em Pernambuco, ocupando 83% do território e abrangendo as mesorregiões do Agreste e do Sertão do Estado, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Também está presente nos demais estados do Nordeste e no norte de Minas Gerais, representando uma parte significativa da biodiversidade do País.

Leia mais: Em Pernambuco, 51% da vegetação de caatinga já foi desmatada

Apesar da sua relevância, a Caatinga sofre com índices cada vez maiores de desmatamento e com a rarefação de políticas públicas de convivência com o semiárido. Tais questões são especialmente graves quando se trata desse bioma específico, por conta de suas próprias características e particularidades, pontua a geógrafa Jocimara Lobão, pesquisadora do MapBiomas, iniciativa de mapeamento do uso e ocupação da terra no Brasil.

“A Caatinga tem uma dinâmica de processos mais lentos. Uma degradação que é feita na Caatinga leva muito mais tempo para recuperar que em outro ambiente. Na Mata Atlântica, por exemplo, quando você desmata e abandona a área, ela começa a revegetar em pouco tempo, ainda que com perda de diversidade. Já na Caatinga, quando a gente fala em degradação e desmatamento, a gente está falando em acelerar processos que vão gerar a desertificação”, explica.

Leia também: "Queimar a caatinga é formar mais desertos", diz especialista em meio ambiente

Diferentemente da desertização, a desertificação é um processo antrópico, isto é, causado pelo homem - e talvez seja o pior problema que a Caatinga enfrenta. Ela é desencadeada por formas de uso e ocupação do solo e resulta na improdutividade da terra e no ressecamento dos corpos de água. Um exemplo de atividade humana que provoca a desertificação é o desmatamento nas margens dos rios.

“Se você desmata as matas ciliares [vegetação presente nas margens], você está contribuindo para o aumento dos processos erosivos; com isso, o rio vai aumentar sua lâmina d'água na horizontal, aumentando a evapotranspiração, e, consequentemente, ressecando essas águas”, cita a pesquisadora.

O aumento do desmatamento acompanha o crescimento da atividade econômica na Caatinga: na série histórica, a área para agricultura cresceu 1.456% e a área para pastagem, 48%. Os dados são dos levantamentos Mapbiomas Uso e Cobertura, Mapbiomas Alerta, Mapbiomas Fogo e Mapbiomas Água.


Gráfico do Mapbiomas mostra evolução da área queimada na Caatinga / Reprodução/ Mapbiomas

Convivência com o semiárido

Os impactos da desertificação se estendem também para a esfera socioeconômica. Como se torna impossível de se produzir na área desertificada, a renda dos agricultores que vivem de suas plantações caem expressivamente, e é comum que abandonem a região. “E são os pequenos produtores que mais são atingidos no processo”, completa Jocimara.

Nesse contexto, urgem políticas públicas que trabalhem tanto a conservação e a recuperação do ambiente, quanto o uso sustentável por parte dos habitantes da região, levanta a bióloga Emanuelle Souza, analista de Projetos do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan). “A Caatinga é uma das regiões semiáridas mais populosas do mundo. Há muitas pessoas que vivem na Caatinga e precisam fazer uso da terra. Existem formas de conciliar produção e renda”, diz.

:: Cisternas no Brasil: vidas foram transformadas, mas desmonte retoma cenário de escassez hídrica ::

A especialista comenta que os povos que ocupam essas áreas, inclusive, já se adaptaram ao longo do tempo para conviver com as peculiaridades do sistema e, assim, desenvolveram técnicas mais sustentáveis de produção. “Você observa que eles fazem muito mais uso de plantas que estão lá na estação seca e chuvosa, fazem uso da água que tem. Essa forma de exploração não pode ser deixada de lado quando se fala em conservação”, defende. 

Quanto à preservação do espaço, Emanuelle elenca a necessidade de haver maior proteção e fiscalização de áreas de Caatinga. “Em um último levantamento que a gente fez, [identificamos que] tem pouco mais de 2% da Caatinga dentro de unidades de proteção integral. É um território pequeno, a gente precisa criar mais áreas protegidas e dar subsídios para que sejam geridas adequadamente”, afirma.

Governo Federal e o estancamento de políticas públicas 

Analisando o desenvolvimento de políticas públicas de Sustentabilidade a nível federal, a geógrafa Jocimara Lobão critica a atual gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL).

“Acho que quando o ministro do Meio Ambiente [Ricardo Salles] fala para aproveitar a pandemia para passar a boiada, isso dispensa qualquer comentário. Nós só tivemos retrocesso, aumento de desmatamento, um processo que estava sendo reduzido mas que agora explode com grande força, principalmente com questões de mineração, fortemente apoiadas por esse governo. A gente tem um declínio de todas as políticas de convivência com o semiárido e voltadas para comunidades tradicionais que convivem  melhor com esse ambiente, e tem grande apoio ao agronegócio de forma indiscriminada”, elenca.  

Ela avalia, por exemplo, que o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), criado em 2003, foi uma iniciativa mais eficiente e simples do que a construção de açudes no semiárido promovida pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) durante o século passado. “O DNOCS  foi a maior empreiteira da América Latina. E você cria os açudes, aumenta a lâmina d'água de grandes áreas e eles tendem a secar, enquanto que nas cisternas a água é armazenada coberta”, explica. No entanto, apesar da eficácia, o P1MC é um dos programas ao qual o Governo Bolsonaro tem estancado a destinação de recursos.

Ouça aqui: Agroecologia e cisternas são aliadas de agricultores em meio à crise climática no Semiárido

Programação do Dia da Caatinga 

Em razão do Dia da Caatinga, Pernambuco recebe uma programação especial dedicada à conscientização da importância do bioma. Em Arcoverde, no Sertão, o projeto Somos Todos Caatinga dão continuidade à II Semana da Caatinga, com uma programação extensa dedicada ao diálogo e à defesa de criação de Áreas de Preservação Ambiental (APAS) na região. Veja abaixo a agenda.

Nesta quinta-feira (28), no sábado (30) e no domingo (1º), a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) promove o Circuito da Caatinga no Parque Estadual Dois Irmãos, no Recife. Na atividade, os visitantes do parque farão um passeio imersivo pela fauna e flora do bioma. Nos dias 30 e 31, a agenda começa às 14h, com ingressos custando R$ 5 (inteira) e R$ 2,50 (meia) e acesso gratuito para crianças de até 5 anos ou até 1 metro de altura.

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga