NOVEMBRO NEGRO

Vozes Populares | A Capoeira Angola como instrumento para a luta antirracista

Edição apresenta a Escola de Capoeira Angola Ifé, com a contramestra Gaby Conde

Ouça o áudio:

Com origem no período escravocrata do Brasil, a capoeira é fruto da resistência dos negros escravizados - Foto: Arquivo Pessoal/Gaby Conte
A capoeirista que não é antirracista não sabe o que está fazendo

Chegou novembro, um mês inteiramente dedicado à resistência negra. É uma oportunidade de reflexão sobre a garantia de direitos para os negros e negras do Brasil. As formas de resistência são muitas. Entre elas, através da expressão cultural. 

É por isso que, nesse mês, o Vozes Populares apresenta apenas grupos que, através da cultura, fazem também uma luta antirracista. A edição desta semana apresenta a Escola de Capoeira Angola Ifé

“Eu sou capoeira, e a capoeira é o meu amor”. 


Gaby Conde é contramestra do coletivo e vive a capoeira desde 1992 / Foto: Arquivo Pessoal/Gaby Conde

A contramestra Gaby Conde, da Escola de Capoeira Angola Ifé, se formou em 2019. Ela relembra a trajetória da escola que, apesar de consolidada com este nome em 2018, já existia desde 2000, fruto de um trabalho protagonizado pelo mestre Baygon. Foram anos de amadurecimento, de troca de saberes e fortalecimento através do encontro com o outro que fizeram Baygon e outros contramestres, como Gaby, formarem o que hoje é a escola. 

Por conta da pandemia, a escola precisou fechar as portas do seu espaço físico, localizado no centro do Recife, e passou a atuar virtualmente. Atualmente, os encontros presenciais voltaram, mas não em um local fixo. Ela tem estado na Região Metropolitana do Recife, em Caruaru (PE), Juazeiro do Norte (CE), Maceió (AL) e até em Cuba. É um espaço de construção comunitária, de produção cultural e de encontros.

Gaby explica que a expansão da capoeira deu a ela vários formatos que nem sempre prioriza a luta antirracista. Mas ela garante: apesar do esvaziamento do significado da capoeira por conta dos ensinamentos eurocêntricos, não é possível desvincular o caráter de resistência dessa arte.

"A capoeira não é só sobre encantamento, é especialmente sobre uma forte resistência às violências que são de raça, de classe, de gênero, dentre tantas outras mais. É certo que o capoeirista, a capoeirista que não é antirracista não sabe o que está fazendo. A capoeira é fundamentalmente antirracista, porque é daí que ela emerge, que ela surge. Ela traz o aspecto marcial, o aspecto da luta, o aspecto artístico, mas ela traz sobretudo o aspecto revolucionário de uma luta pela igualdade, de uma luta contra as injustiças", defende a contramestra. 

Leia aqui: "A capoeira vai além do corpo e da música, ela faz parte da identidade negra”, diz contramestre

Gaby mostra, também, que a capoeira é feminina. No Brasil, estima-se que 35% dos praticantes de capoeira são mulheres. Contudo, a ocupação do público feminino na condição de mestra ainda é pequeno quando se considera a capoeira de angola, tipo mais tradicional. Por isso, Gaby conta que mulheres antes dela abriram o caminho para que ela estivesse ali, algo que ela pretende fazer por outras.  

Leia aqui: Coluna | Capoeira, uma família patriarcal?

Ela ressalta, ainda, o caráter de comunidade existente na capoeira. "A capoeira me constituiu como eu sou, o que eu sou, me trouxe entendimento de família, de comunidade, de partilha, é uma chave que segue abrindo portas pra onde eu nunca imaginei que eu poderia ir. A capoeira me revelou a minha espiritualidade, me deu minhas filhas, me apresentou a mim mesma e segue fazendo isso todos os dias, quando eu revisito a ginga, por exemplo, e percebo que ela é minha fiel companheira de outros tempos", finaliza. 

Edição: Vanessa Gonzaga