Análise

Artigo | Quais são as perspectivas para as relações da China com a Arábia Saudita?

As relações entre a China e a Arábia Saudita não dependem de um impedimento das relações com os EUA

São Paulo (SP) |
O presidente da China, Xi Jinping (esq.), e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed Bin Salman (dir.). - AFP

A visita de Xi Jinping a Arábia Saudita revela um aspecto extenuante sobre a cobertura jornalística do posicionamento internacional da China: o excessivo enfoque em questões relacionadas aos Estados Unidos. O Financial Times argumentou que Xi “busca explorar vantagens frente às tensões entre Riad-Washington”, “em meio a laços desgastados com os EUA” e que Pequim “pisa no calo de Washington''. Outros afirmam que a visita inaugura uma “nova disputa pelo Golfo”, parte dos esforços da China para derrubar a hegemonia global dos EUA.

O fator Estados Unidos importa, sobretudo após a insatisfação gerada pela decisão da OPEC+ em reduzir a produção de petróleo para 2 milhões de barris por dia. Mas faz-se necessário ressaltar que a visita de Xi a Riad vai muito além disso.

O engajamento da China na Arábia Saudita é impulsionado por uma justificativa econômica significativa, além do desejo de ambas as nações em diversificar e globalizar suas economias. Na última década, as relações sino-sauditas se aprofundaram consideravelmente, com o incremento do comércio bilateral e o aumento do investimento chinês nas indústrias petroquímicas sauditas.

O petróleo representou, até o momento, 18% de todas as importações chinesas do país no ano corrente, totalizando 1,77 milhões de barris por dia. Ressalta-se que a Arábia Saudita desponta como o maior fornecedor de petróleo para a China e diversos são os acordos de fornecimento exclusivo para refinarias chinesas.

Por outro lado, a China é o principal comprador de petróleo e commodities energéticas da Arábia Saudita, e o principal parceiro comercial do país. O comércio bilateral atingiu aproximadamente US$ 87 bilhões em 2021, com quase a totalidade da cesta consistindo em petróleo, plásticos e outros produtos químicos.

A importância das relações entre a China e Arábia Saudita se tornou ainda mais evidente com o estabelecimento de uma parceria estratégica abrangente já no primeiro dia da visita de Xi a Riad. Foram anunciados 34 acordos bilaterais que estabelecerão as bases para expandir ainda mais as áreas de cooperação para além do petróleo, como energia verde, tecnologia, transporte, saúde, logística e infraestrutura. O anúncio imediato de um número tão grande de acordos sugere que a preparação para a visita começou muito antes da visita de Biden ao país, em julho de 2022. Naquele momento, Biden expressou que os EUA não estariam dispostos a “deixar um vácuo a ser preenchido pela China no Oriente Médio”.

No campo econômico foram firmados acordos para incentivar o uso do renminbi (RMB) nas trocas comerciais, medida que vai de encontro ao objetivo de Pequim em internacionalizar sua moeda, e que é interpretada por muitos como uma estratégia para enfraquecer o domínio do dólar estadunidense no comércio mundial.

Para além do comércio, a China anunciou grandes projetos de infraestrutura na Arábia Saudita: a construção de uma usina nuclear; o desenvolvimento de tecnologia para geração de hidrogênio; a construção de uma fábrica de veículos elétricos e a implantação de data um center. Na medida em que a Arábia Saudita tenta reduzir sua dependência do petróleo, energia renovável, tecnologia digital e manufatura se tornam cruciais.

Esses acordos ainda são simbólicos, mas a tendência é de que a China continue a trabalhar para cumpri-los. Ressalta-se que a Arábia Saudita foi o maior destinatário de investimento estrangeiro direto chinês em 2022, sinal de que a China considera um sucesso seus investimentos no país.

Limites

A Arábia Saudita continua totalmente dependente dos EUA para sua segurança doméstica e a estratégia dos EUA para o Oriente Médio depende de relações estreitas com a Arábia Saudita. As vendas de armas dos EUA para os sauditas totalizaram US$ 245 bilhões entre 2003 e 2021, de acordo com o SIPRI. Embora a China tenha recentemente anunciado uma venda de drones militares no valor de US$ 4 bilhões para o país, os EUA ainda se posicionam como fornecedores exclusivos de equipamentos militares, como mísseis balísticos e jatos militares.

Embora a Arábia Saudita e a China tenham assinado vários acordos, as relações ainda permanecerão ancoradas por interesses energéticos, dado que a implementação prática em torno desses objetivos requer tempo. Mais do que isso: autoridades chinesas e diversos analistas ressaltaram que os EUA provavelmente intervirão para impedir o incremento na venda de armas chinesas para a Arábia Saudita, como já aconteceu no passado.

Cabe considerar ainda que nenhum dos lados parece interessado em mudar fundamentalmente a dinâmica de suas relações, principalmente pelo fato de que a China sempre demonstrou pouco interesse em substituir a presença dos EUA no Oriente Médio. Em artigo intitulado “Relações China-Oriente Médio: para além do petróleo”, publicado na Revista Geopolítica, em 2021, eu argumento que a China claramente se beneficia de tal arranjo, que fornece um ambiente estável para seu comércio e investimento sem a necessidade de competir com a presença militar massiva dos Estados Unidos na região. Mesmo que alguém acredite que tais pronunciamentos são uma cortina de fumaça para as ambições globais chinesas, Pequim simplesmente carece de meios para estabelecer tal rede.

Em suma, é necessário entender que as relações entre a China e a Arábia Saudita não dependem de um impedimento das relações com Washington, sobretudo pela tradição de equilíbrio da diplomacia saudita. Na miríade de contradições e interesses envolvidos na competição sino-estadunidense e no conflito sustentado por Washington, é primordial que tenhamos um olhar pragmático frente ao gigante asiático.

* Filipe Porto é mestrando em Relações Internacionais pela Universidade Federal do ABC e pós-graduado em Jornalismo Internacional pela FAAP. É pesquisador associado do Observatório de Política Externa Brasileira (OPEB/UFABC), do Núcleo de Avaliação da Conjuntura (EGN/Marinha do Brasil), e do Grupo Economia do Mar (GEM/DGP/CNPq), com ênfase nas relações da China com o mundo.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Thales Schmidt