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MST anuncia 26ª Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária

Lideranças cobram agilidade do governo na troca de dirigentes locais de superintendências do Incra ligados a Bolsonaro

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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O MST quer do governo um plano para a reforma agrária - Marla Galdino/MST

O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) anunciou, nesta terça-feira (11), a 26º Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária, que terá atividades concentradas entre a próxima segunda-feira (17) e o dia 20 deste mês. O período se insere dentro do que a imprensa tradicional convencionou chamar de “Abril Vermelho”, em referência ao período em que a entidade mais realiza atividades públicas relacionadas à pauta agrária.

Ceres Hadich, da direção nacional do MST, destaca a relação da jornada de lutas com a memória do conhecido Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996. O crime ocorreu quando uma forte ação repressiva da Polícia Militar do Pará atacou participantes de uma marcha de trabalhadores sem terra e matou 21 deles, deixando ainda outras 69 pessoas feridas. A chacina se projetou para a história como um dos crimes mais bárbaros já ocorridos contra camponeses no mundo e virou memória no calendário, com o 17 de abril se tornando um marco da luta dos sem-terra.

Com caráter de denúncia, a gente reafirma essa jornada agora em 2023, reforçando aqui que nosso lema pra este ano é ‘Contra a fome e a escravidão: por terra, democracia e meio ambiente’. Isso carrega um conteúdo bastante importante pra nós porque, ao falar em reforma agrária, a gente está falando de democracia, mas também em um projeto de sociedade que necessita de transformações mais profundas, mas que obviamente passa pela luta por reforma agrária.”

A jornada deverá incluir atividades como marchas, assembleias e outros atos políticos pelos diferentes estados do país, podendo resultar também em algumas ocupações de terra em locais específicos, segundo indicou o MST. A direção da entidade frisou que o período não é exatamente uma jornada de ocupações.

“Não há nenhuma jornada de ocupação de terras. E por que é importante dizer isso? Porque jornada de ocupação de terra, quando o MST organiza, tem 60, 80, 200 ocupações, como nós já fizemos. Temos aproximadamente 600 acampamentos. Nós poderíamos fazer com que esses 600 fizessem ocupações, mas não há isso. O que vai acontecer é alguma ocupação de terra pra denunciar latifúndios improdutivos, e tem centenas neste país. O MST eventualmente pode fazer isso”, pontuou o dirigente João Paulo Rodrigues.

Ele acrescentou que a entidade também deverá fazer denúncias sobre ocorrência de exploração de trabalho análogo à escravidão em determinadas áreas pelo país. “Faz parte da nossa história fazer essa denúncia. E também vamos fazer atividades em frente ao Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], ministérios, e assim por diante. Mas não há nenhuma decisão da nossa organização em ter que se fazer qualquer ocupação, e assim por diante.”

Incra

O movimento tem ampliado a cobrança sobre o governo Lula para que a gestão troque o comando de superintendências estaduais do Incra onde indicados do governo Bolsonaro ainda dominam o órgão. Adversário histórico da luta popular por reforma agrária, o ex-presidente potencializou nos últimos anos a campanha criminalizatória contra o MST, tradicionalmente orquestrada por políticos alinhados à direita, especialmente à extrema direita.

Por conta do conflito ideológico entre os dois segmentos, a entidade entende que a presença de dirigentes bolsonaristas no Incra dificulta o retorno da reforma agrária.

“Não se explica [isso]. Nós temos dez estados que ainda não têm um novo superintendente. Significa que nosso pessoal tem que lidar com essas situações de superintendente bolsonarista, como é o caso específico de Alagoas, onde tem um bolsonarista que andava armado nas áreas de assentamento. Nós já pedimos à Casa Civil que apresse o processo de indicação de nomes. Mas a nossa jornada é uma jornada de esperança, é uma jornada de dizer pro Brasil que o povo sem terra quer produzir alimento”, ressalta Rodrigues.

O MST tenta ampliar a divulgação sobre como funciona a atuação da entidade, cuja pauta histórica é desenhada a partir da demanda por uma reforma agrária popular no país. Nesse sentido, a jornada de lutas organizada a cada mês de abril ajuda a vocalizar a agenda do movimento, popularizando ainda mais o tema na sociedade.   

“Não é justo que o agronegócio fique com a fama de produzir comida se ele só produz soja pra exportação. Quem produz alimento neste país é a pequena e média agricultura familiar. É ela que é responsável por mais de 60% dos alimentos que chegam à mesa do povo brasileiro. E, como vocês sabem, nós temos no Brasil aproximadamente 100 milhões de hectares de terras produzindo. Desse total, 65 milhões são do agro, mas 35 milhões são da agricultura familiar e dos assentamentos de reforma agrária”, disse João Paulo Rodrigues.  

A deputada estadual de Pernambuco Rosa Amorim (PT), que é ligada ao MST, destacou que a entidade teve um papel fundamental no combate à fome especialmente durante a pandemia, quando houve um acirramento da crise socioeconômica no país.

No período, o movimento distribuiu à famílias em situação vulnerável mais de 2 milhões de marmitas feitas com alimentos produzidos pelos sem-terra. “Por isso este é também um momento pra se tentar desconstruir a imagem errada que a sociedade tem do MST. O Brasil atravessa um momento de muita fome. As pessoas não morrem de fome. Elas são assassinadas por projetos políticos que não alimentam o seu povo.”

Outras pautas

Em coletiva de imprensa ocorrida nesta terça, em Brasília (DF), para apresentar a jornada de lutas, as lideranças do MST destacaram uma série de pautas que hoje estão no roteiro da entidade. Entre elas, estão a defesa do governo Lula e o combate à política de juros adotada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Também segue no escopo de atuação da organização a pressão para que o governo assente as famílias que estão na fila da reforma agrária desde a gestão de Dilma Rousseff (PT).

“Eu estou falando de famílias que estão há dez anos, cinco anos, seis anos debaixo de lona, e por isso tem que ter uma saída. Esses números são aproximadamente 60 mil famílias e, no total, considerando as que frequentam os acampamentos, que são cadastradas pelo MST e que lutam pela terra, [o número] chega a aproximadamente 100 mil famílias. Essa é a pauta número um que estamos pedindo ao governo Lula. Semana que vem possivelmente teremos as primeiras reuniões de negociação pra tratar desse assunto”, informou Rodrigues.

A busca por uma política de crédito voltada à agricultura familiar também está entre as prioridades da agenda do MST. “Nós achamos que o governo precisa de um crédito emergencial para as famílias assentadas, para a produção de comida. Nós ainda não temos um valor definido, mas já estamos pedindo ao governo, ao Ministério da Fazenda que pense um plano nacional antes do lançamento do Plano Safra.”

O MST também demanda que a gestão Lula apresente, até o final deste ano, um plano nacional que mostre as perspectivas do governo para a implementação da política de reforma agrária, com dados sobre quantas famílias deverão ser atendidas a cada ano e quanto de credito será liberado. O deputado estadual do Ceará Missias (PT), vinculado à organização, ressaltou que a reforma agrária como política pública é fundamental para o combate à fome.

“Não justifica um país como o nosso, com tanta terra e com tanta água concentrada, ter tanta gente passando fome, sem ter oportunidade. Essa é a luta do MST. É pra democratizar o acesso à terra,  é pra dar oportunidade para que aqueles que não têm o alimento possam ter a dignidade de se alimentar, de viver dignamente no campo e gerar emprego e renda no campo. Isso é reforma agrária popular.”  

O movimento pediu ao governo também que agende para os próximos dias encontro com diferentes ministérios para conversar sobre a retomada de programas em áreas como meio ambiente, cultura, entre outras. Outra preocupação da entidade é a cultura armamentista no campo, incentivada nos últimos anos pelo governo Bolsonaro. A ampliação do acesso a armas e munições ajudou a oxigenar a escalada da violência no meio rural na história recente.

“Queremos pedir ao Ministério da Justiça e ao Congresso Nacional que tenham uma fiscalização maior junto às milícias armadas, que se utilizam da legislação passada dos CACs [colecionadores, atiradores desportivos e caçadores] pra fazerem perseguição a quilombola, indígena e sem-terra no Brasil. Não podemos aceitar que os CACs sirvam de instrumento pra atacar acampamentos pelo Brasil afora”, reivindica Rodrigues.

Edição: Rodrigo Durão Coelho