Nova ordem?

Argentina fará transações sem dólar; Brasil e China são principais parceiros

Acordos comerciais com país asiático favorecem moedas nacionais, enquanto EUA se preocupam com desdolarização

Brasil de Fato | Buenos Aires (Argentina) |

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Alberto Fernández e Xi Jinping em encontro no G20, na Indonésia, em 2022 - Esteban Collazo - Presidência Argentina

Nesta semana, o presidente argentino Alberto Fernández e seu Ministro da Economia, Sergio Massa, visitaram o Brasil para negociar as importações entre ambos os países utilizando moedas nacionais, dispensando o uso do dólar. É o que o secretário executivo do Ministério da Economia brasileiro, Gabriel Galípolo, chamou de "crédito à exportação".

Após uma reunião de quatro horas, os mandatários de ambos os países anunciaram o acordo em uma coletiva de imprensa: "Nós precisamos ajudar os empresários brasileiros que exportam para a Argentina e financiar as exportações brasileiras como a China faz com os produtos chineses", disse o presidente Lula na coletiva.

Os ministros da Economia de ambos os países farão uma próxima reunião para acordar as garantias de pagamento da Casa Rosada neste esquema de financiamento. O mecanismo de compensação é impulsionado em lugar da inicialmente discutida moeda comum entre os países da região.

Swap com a China

O acordo faz parte de uma busca por parte da Argentina de diversificar as moedas de troca com Brasil e China, países que se alternam a cada mês no ranking de principal sócio comercial com o país.

"Negociar esse comércio internacional bilateral com um e outro em nossas próprias moedas alivia muito a necessidade da Argentina de dólares, porque pode pagar essas transações em pesos através de mecanismos de compensação", explica o historiador e jornalista Néstor Restivo, diretor do portal de notícias DangDai dedicado a temas relacionados à relação bilateral entre Argentina e China.

Na semana passada, os governos da Argentina e da China acordaram um novo swap, um mecanismo de intercâmbio de moedas entre os países sem a utilização de uma terceira moeda – neste caso, o dólar –, equivalente a US$ 5 bilhões (cerca de R$ 25 bilhões), dos quais  US$ 1.040,00 serão destinados ao financiamento das importações argentinas de produtos da China.

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Em particular, este esquema não tem custos por ser um intercâmbio, não de um empréstimo. O primeiro swap da Argentina com a China foi negociado em 2009, durante a presidência de Cristina Kirchner, e, desde então, o acordo foi renovado por todos os governos. Esta é a quarta ativação do swap entre ambos os países.

"Os yuans que a China tem depositados no Banco Central da Argentina poderão ser usados pelos importados argentinos para que, quando comprem mercadorias chinesas, não precisem recorrer à compra de dólares", explica Restivo.

"É bastante ridículo passar pelo dólar, porque encarece a operação e com uma moeda que as partes não controlam. É sempre melhor trabalhar com as moedas do próprio país, que sejam os bancos de um e de outro que compensem essas operações e que os empresários de cada país também se acostumem a usar suas próprias moedas", completa.

A previsão de variação mensal da inflação argentina para abril deve atingir a casa dos 8% com a corrida cambial das últimas semanas - o dólar paralelo, ou informal, subiu quase 20% em abril. Com mais dólares na reserva do Banco Central, o governo nacional tem também uma maior possibilidade de intervir no mercado de câmbio e frear o aumento do dólar paralelo – ainda que, na condição atual de endividado com o Fundo Monetário Internacional, tenha que negociar com o órgão para fazê-lo.

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"O acordo do swap para maio pode significar quase 1 bilhão de dólares economizados e vai aliviar a pressão no mercado cambial nos próximos meses", avalia a economista Gisela Cernadas, correspondente da China no portal de notícias Dongsheng. "Mas a Argentina deve trabalhar em reduzir o déficit comercial com a China e o déficit estrutural de conta corrente e, por outro lado, frear a fuga de capitais e a especulação financeira, que é o que aumenta a pressão no mercado cambiário e desestabilizam a economia, prejudicando a classe trabalhadora."

A fuga de capitais é um dos grandes problemas estruturais na economia do país latino americano. São dólares de exportadores que não voltam à Argentina, depositados em paraísos fiscais e que utilizam as manobras de triangulação com uma terceira moeda para evadir parte desse valor.

O governo argentino rastreou 4.803 destinações por US$ 287 bilhões em importações chinesas, mas de notas emitidas de países europeus. O mesmo mecanismo surge em notas emitidas pelo Uruguai, sem que nenhum desses produtos tenham passado por algum valor agregado nesses países, e são embarcados diretamente da China à Argentina.

Preocupação dos Estados Unidos

O fortalecimento da moeda chinesa com seus parceiros comerciais tem promovido uma diversificação de moedas nas transações internacionais. Além disso, habilita a comercialização com as moedas que cada país imprime e administra.

O outro lado desta variação do comércio internacional é a reação dos Estados Unidos. "Essa tendência se baseia na estabilidade do valor da moeda chinesa, o que contrasta com as mudanças drásticas na política monetária dos EUA", observa o dr. Jorge Malena, diretor de Assuntos Asiáticos do Conselho Argentino para as Relações Exteriores (Cari). "Isso levou a que mais países acelerassem a redução de sua dependência do dólar."

Atualmente, a China mantém acordos de swap com cerca de 30 países, como Chile, Rússia, Suíça e Brasil. "Estamos testemunhando uma cada vez maior utilização do yuan como moeda de transação comercial global, obviamente em detrimento do dólar estadunidense", pontua Malena.

Os efeitos deste movimento de desdolarização das operações globais se refletem nas palavras do senador republicano Marco Rubio, que recentemente se manifestou contra o acordo entre o Brasil e a China para comercializar em moedas nacionais: "Haverá tantos países que realizem transações em moedas diferentes do dólar que não teremos a capacidade de sancioná-los", disse, em entrevista ao canal Fox. O político cubano adiciona uma previsão: isso poderia acontecer em um lapso de cinco anos.

"A China está se preparando de antemão para que os EUA não possam utilizar essa arma", destaca Gisela Cernadas. "Assim, promove a internacionalização do yuan e mecanismos alternativos ao dólar, para que os EUA não tenha capacidade de sancionar e atacar os países como vem fazendo há décadas."
 

Edição: Patrícia de Matos