Ausência de dados

Falta de regulamentação na filiação a partidos dificulta análise do perfil racial das siglas

Justiça Eleitoral não regulamenta a obrigatoriedade de declaração racial, o que impossibilita a elaboração de políticas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Entre os 540 parlamentares eleitos para a Câmara dos Deputados e o Senado no ano passado, 141 são negros: 30 pretos e 111 pardos, de acordo com a classificação do IBGE - Bruno Spada/Câmara dos Deputados

A Justiça Eleitoral não tem nenhuma regulamentação sobre a obrigatoriedade de declaração de raça/cor nas fichas de filiações dos partidos. O quesito, nesse sentido, fica a critério das siglas, levando em consideração as legislações correlatas, como Lei Geral de Proteção de Dados (lei nº 13.709/2018). 

No último dia 21, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou as estatísticas de filiações dos partidos no Brasil, com o recorte de gênero, grau de instrução, estado civil e tempo de filiação. Não há informações, no entanto, sobre o recorte racial dos dados, sendo uma informação presente somente no perfil das candidaturas. Não há também o recorte racial do eleitorado. 

Em nota, o TSE afirmou que, desde 2014, “instituiu o recorte da autodeclaração de raça/cor junto aos candidatos para gerar dados mais assertivos e relevantes ao eleitorado, auxiliando com subsídios para a escolha levando-se em conta critérios como a representatividade, por exemplo”.  

No âmbito dos partidos políticos, porém, o TSE aponta que a estatística “tem valor tão somente aos próprios partidos”. Quanto ao perfil racial do eleitorado, “é uma demanda realmente recorrente, mas que a Justiça Eleitoral ainda não implementou”. 

“Por outro lado, informações como identidade de gênero, nome social e etnia podem ser acrescentadas ao Cadastro Eleitoral pelos próprios eleitores. O objetivo da Justiça Eleitoral é acompanhar a evolução da sociedade brasileira e respeitar as particularidades de cada indivíduo, além de reforçar o compromisso com a democracia”, disse o TSE, que tem a atribuição, junto do Poder Legislativo, de regulamentar o tema. 

A gente não quer somente que as pessoas negras sejam objeto das políticas públicas formuladas por pessoas brancas, mas que elas sejam autoras dessas políticas.

Beatriz Rodrigues Sanchez, pesquisadora do Cebrap

::Partidos incham participação de negros na eleição em cargos legislativos::

Segundo Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a falta dessas informações dificulta a análise do grau de democratização dos espaços partidários, bem como a elaboração de medidas para aumentá-lo.  

A cientista afirma que os partidos não são reconhecidos pela sociedade como um instrumento de participação política. “O ideal é que o sistema partidário fosse mais institucional e menos personalista, mas para isso é importante democratizar os partidos políticos, ou seja, evitar que eles sejam apenas máquinas a serviço dos seus caudilhos, dos seus chefes de partido, aumentando os mecanismos de participação intrapartidária para que decisões do partido não sejam tomadas de maneira monolítica e centralizada por uma cúpula, mas que tenha um processo de votação”, afirma Goulart. 

::Negros ocupam somente 26% das cadeiras da Câmara dos Deputados, mas são 56% da população::

Na mesma linha, Beatriz Rodrigues Sanchez, professora temporária no Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e pesquisadora no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), afirma que a ausência de dados raciais sobre filiação a partidos políticos é “um problema muito grande”, na perspectiva da igualdade de raça e democracia. 

“Isso é muito prejudicial não só em termos de pesquisa para gente saber a evolução do quadro, se a gente está aumentando ou está diminuindo a porcentagem de pessoas negras filiadas a partidos políticos, mas também para pensar a formulação de políticas públicas. Se a gente não sabe a porcentagem de pessoas negras dentro dos partidos políticos, fica muito difícil para gente pensar mecanismos institucionais de inclusão desse grupo dentro dos partidos”, afirma a pesquisadora.  

Sanchez afirma ainda que isso tem reflexo não apenas na inclusão de pessoas negras na participação política e partidária, mas também na formulação de políticas públicas. “A gente não sabe, nesse gargalo, quem são as pessoas que estão formulando as políticas públicas", aponta. Ela destaca a importância, por exemplo, de que as pessoas negras estejam dentro dos partidos políticos para que elas possam ser candidatas eleitas e formuladoras de políticas públicas. "A gente não quer somente que as pessoas negras sejam objeto das políticas públicas formuladas por pessoas brancas, mas que elas sejam autoras dessas políticas, porque são elas que vivenciam no dia a dia a experiência do racismo.” 

Com a falta de regulamentação, as fichas de filiações aos partidos são diferentes entre si. O Partido dos Trabalhadores (PT) tem perguntas sobre raça, orientação sexual e identidade de gênero. O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) questiona estado civil, sexo e profissão. O Partido Liberal (PL) tem questões sobre religião, estado civil, raça, sexo e escolaridade. 

Estatísticas de filiações divulgadas 

De acordo com informações divulgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 53,8% dos filiados são homens (8.493.990) enquanto 46,2% são mulheres (7.284.431). Apesar de a diferença entre os filiados por gênero não ser tão significativa, a representatividade efetiva das mulheres na política é bastante desigual. Nas eleições gerais de 2022, por exemplo, 9.891 mulheres se candidataram, porém somente 311 delas foram eleitas, correspondendo a apenas 18,2% do total de eleitos. 

De acordo com os dados do TSE, sete em cada dez pessoas são filiadas há mais de dez anos, o que equivale a 70,84% dos inscritos. Em seguida, aparecem 14,24% (2.247.949 pessoas) com filiação de cinco a dez anos, 13,87% (2.189.981 pessoas) com filiação de um a cinco anos, e, por fim, 1,05% (165.225 pessoas) com menos de um ano de inscrição partidária.  

Quanto à escolaridade dos filiados, os dados revelam que a maioria - 80,92% do total - não chegou ao ensino superior: 26,68% (4.221.755) têm o ensino fundamental incompleto; 7,98% (1.262.751) têm o ensino fundamental completo, 9,2% (1.455.505) têm ensino médio incompleto, 24,85% (3.932.454) têm ensino médio completo.  

Há também uma parcela significativa de filiados com baixa escolaridade: 9,77% dos filiados (1.546.091) somente sabem ler e escrever, e 2,44% (385.853) se declararam analfabetas, sendo esta a menor parcela do quesito. Ainda 0,04% (6.129) não informaram o grau de instrução. Pouco menos de um quinto dos filiados acessaram o ensino superior: 4,69% (742.037) têm ensino superior incompleto e 14,37% (2.273.559) têm ensino superior completo.  

::Mulheres na política: número de filiadas é expressivo, mas não se traduz em candidatas::

Quando ao recorte por estados, São Paulo se destaca com o maior número de filiados que possuem ensino superior completo, totalizando 507.770 pessoas. Em seguida, Minas Gerais conta com 201.338 filiados nessa categoria, seguido pelo Paraná, com 170.476 filiados. Minas Gerais e Bahia são os estados com as maiores quantidades de filiados analfabetos, com 42.515, 35.861 e 31.323 inscritos nessa condição, respectivamente.  

As estatísticas de filiação do TSE não apresentam recortes por cor e raça. Este recorte aparece somente nos dados das candidaturas. Nesse setor, 48,19% dos candidatos da última eleição são brancos, 36,15% são pardos, 14,12% são pretos e apenas 0,64% são indígenas. 

Edição: Leandro Melito